Crítica à Razão Negra é um dos livros mais difíceis que já li. O grau de erudição e os problemas que ele levanta tão muito além do que consigo alcançar numa leitura sem método.
Ainda assim, li o livro e usei ele para um concurso cujo um dos pontos era Iluminismo. O capítulo 1 é todo focado no "vazio" da intelectualidade ocidental ao lidar com os negros no século XVIII e XIX. Era um bom contraponto a uma história eurocêntrica do iluminismo.
Necropolítica, que achei um livro mais palatável na leitura, reatualiza Foucault e como eu conheço mais o careca, não achei tão difícil. Reatualizar a ideia de governamentalidade para fora do Estado-nação europeu é um argumento poderoso.
É a base de uma reflexão pós-colonial efetivamente, ou seja, ver porque a doxa do Ocidente se realiza de outra forma fora dele - e que, ao contrário do mantra iluminista, isso não tipifica uma "falta".
Mas no geral, só com duas obras lidas, e alguns capítulos do, não sou especialista em Mbembe. Meus comentários aqui são generalidades e são limitados por uma visão muito instrumental de um autor complexo.
Eu acho saudável a gente reconhecer que não domina um autor, que precisa ler mais, que nossa leitura pode ser limitada.
Crítica boa é a que carrega consigo boas doses de autocrítica, não é? Dialética... dialética...
Ops, faltou ali "do Sair da Grande Noite" (outra obra famosa do Mbembe).
Aliás, marxista falando de Mbembe? Aí vou de @silviolual com tudo:
O fantástico caso do intelectual que pede rigor conceitual para "neoliberalismo", mas que acha que pode usar o conceito de "populismo" para Chavez, Putin, Bolsonaro, Jango e Trump. 🤷
Dada a desonestidade em alguns retweets, uma explicação: "populismo" e "neoliberalismo" são conceitos com valor heurístico em seus campos de estudo. Ou seja, eles possuem poder explicativo desde que situando e situados por ou um balanço bibliográfico, ou por um estudo empírico.
O problema aí é que para algumas pessoas, o uso de um desses conceitos pode extrapolar os limites do campo e virar moeda de troca simbólica no cotidiano e o outro não.
Interditar neoliberalismo porque queremos rigor conceitual, mas usar populismo como moeda de troca é seletivo.
A simplificação neoliberalismo = menos Estado é grosseira e não resolve nada.
O neoliberalismo de Pinochet não enxugou gastos militares. E precisa ser muito tacanho para achar que o custo de manter a repressão nos cascos não é pensado como investimento econômico.
Se pensar Pinochet, Reagan e Thatcher, ninguém ali enxugou a capacidade repressiva dos seus países. Aliás, me pergunto sobre a correlação entre desregulamentação financeira e o crescimento dos gastos militares.
Para Reagan, com certeza isso aconteceu. Pinochet nem preciso dizer. Thatcher é minha dúvida. Mas não duvido...
Ideólogos neoliberais sequer questionam que enquanto pedem menos Estado, se calam diante dos abusos de militares e policiais.
"Tea War: A History of capitalism in India and China", de Andrew Liu, é um daqueles livros difíceis de largar. Ele te ganha pela tese: e se o capitalismo não se explicar pelas relações capitalistas de produção?
A dúvida que ele planta é por meio do chá, o maior produto de exportação da economia chinesa no século XVIII, quando a Inglaterra ainda pagava toneladas de prata para garantir o chá com bolachas da corte.
Aliás, não só da corte. A Revolução Industrial não seria a mesma sem as drogas não-europeias. Chá, café, açúcar, tabaco...todos eles estimulantes que foram incorporados na dieta dos operários britânicos.
O chá também virou a bebida oficial do operariado industrial.
O Amartya Sen tem uma tese batida, mas sempre atual: há muito mais chance de ter fome onde não tem democracia.
Isso porque, um regime democrático funcional pressupõe que as pessoas são livres para protestar contra a fome.
Se a democracia vai mal das pernas, a fome vem e se estabelece, os líderes políticos não prestam contas ao povo, a imprensa normaliza a carestia...
A fome no Brasil foi um grande projeto de oligarquias e militares. Grupos que Bolsonaro representa.
Pensar na fome como projeto é entender que um tal grau de espoliação só é possível quando não se concebe projeto civilizatório algum de nação, de democracia liberal, nada.
É isso que envolve o fim do auxílio emergencial, a redução de beneficiários do Bolsa Família, ...