O médico leigo é uma vítima de um sistema alimentado por várias frentes, inclusive por nós.
Ele causa dano e também é culpado, mas é tão ignorante a ponto de não saber de quê.
Quer entender mais? Então segue o fio em que proponho algumas causas para a iliteracia médica.
1. Sistema de ensino mecanicista.
- O estudante de Medicina passa seis anos decorando o máximo de informações mecanicistas possível: o funcionamento de enzimas e como esse sistema disfuncionante pode causar doenças.
- O sistema desvaloriza a Medicina Baseada em Evidências.
1.2 Um resumo sobre o pensamento mecanicista, ainda preponderante em nossas universidades, e raciocínio clínico baseado em evidências vem de um antigo tweet meu.
2. O sistema de entrada na residência médica é mecanicista e não reflete a vida real.
- Obriga o aluno a decorar associações farmacológicas e fisiopatológicas.
- Em nenhum momento solicitam um pensamento crítico do futuro médico e especialista.
2.2 - Na verdade, o médico egresso da imensa maioria das universidades brasileiras (públicas ou privadas, famosas ou não) sabe o mesmo de estatística (e, portanto, interpretação de evidências) que sabia no ensino médio (daí a denominação "médico leigo").
3. A população adora um médico mecanicista.
- É só ver a quantidade de seguidores que médicos que inventam doenças que não existem baseando suas ideias em mecanismos e pequenos estudos sem poder possuem nas redes sociais.
- Até pseudo-especialidades eles inventam ter.
4. A sociedade valoriza o médico paternalista e este é, quase sempre, um mecanicista.
- O mecanicista não pensa em probabilidades e acha que todo exame é verdadeiro e que todo medicamento funciona 100%.
- Ele se sente como um semideus e é visto assim pelos seus iludidos pacientes
4.2 Em nossa sociedade, quanto mais tempo um paternalista agir assim, mais fama obterá e logo passará a ser convidado para programas matinais de TV.
Rapidamente ganhará fama de "melhor especialista do Brasil".
5. Seja sincero: você valoriza os médicos paternalistas. Adora quando sai de um consultório com vários exames e um checkup marcado.
- Por razões estatísticas, a solicitação de exames é muito mais complexa do que você imagina.
- Dependendo do exame, >90% dos resultados são falsos.
5.2 Você já cobrou antibiótico de um médico por uma faringite e foi a outro médico por causa da recusa do primeiro. Ao ser curado, você pensou que foi o antibiótico (não o tempo) que lhe curou.
Você até processaria um médico por isso (idiotização da judicialização médica).
6. O brasileiro adora uma pseudo-eminência.
Sabe aquele médico dos programas matinais? Em que, exatamente, ele é melhor do que um médico correto e incorruptível de um hospital do interior do Nordeste?
Pois é. Você caiu no conto da autoridade forjada. E seguirá caindo.
6.2 Seguirá caindo enquanto pensar que universidade define qualidade e caráter ou que um consultório chique e consultas caras são indicativos de segurança.
Cairá ainda mais quando procurar especialistas de instagram que não são especialistas ou que inventaram uma pra si.
7. A mídia não está preparada para a realidade.
- A realidade de que exames de checkup são provavelmente falsos;
- Precisamos prescrever um remédio para >30, às vezes mais de 200 pessoas para que uma tenha um efeito (no resto, a natureza agiu).
Isso não dá audiência.
8. O nosso sistema é moralmente falido.
- Em muitos hospitais, é solicitado que sejam gerados pacientes. Como se faz isso? Melhorando o acesso aos diagnósticos corretos ou, se este já for bom, aumentando os falsos-positivos.
- O paciente e o gestor adoram! O médico é recompensado
8.2 Pelo viés do gato de Schrödinger, descrito por mim, o paciente e os familiares sempre serão gratos por aquele exame desnecessário ou pela terapia. Porque não conhecem a realidade em que não passaram por aquela mentira.
Todos esses fatores formam um caldeirão que potencializou o surgimento de médicos charlatões.
Estes sabem brincar com as peças desse quebra-cabeças para iludir o leigo e os médicos leigos.
Estes sim são os culpados reais do que ocorre atualmente.
Os charlatões:
- Inventam doenças que não existem (como quando você vai em um mecânico e fica com medo de ele inventar um problema);
- Inventam especialidades que não existem;
- Passam ar de autoridade e sucesso em seu consultório lotado de pseudo-doentes
- Torturam as evidências científicas para que elas falem o que ele quer que falem e não a boa prática usual.
- Mentem com maestria (toda boa mentira parece verdade);
- Iludem os coitados (leigos e médicos leigos) que não entendem o dano que causam.
Os médicos leigos (tão leigos quanto você de qualquer profissão) decoraram mecanismos e resoluções milagrosas para os problemas. Vivem no alto do pico da ignorância de Dunning-Kruger.
Eles são a estrondosa maioria em qualquer meio socioeconômico em nosso país.
O leigo do nosso país adora uma pseudo-eminência para chamar de "meu doutor".
E o charlatão se aproveita de tudo isso para ludibriar os leigos e os médicos leigos em lives e entrevistas com jornalistas que escolheram o lado da farsa.
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Para os leigos: a única terapia comprovada presente nesta prescrição (além dos sintomáticos e dos remédios de uso contínuo) é a dexametasona. Mas ela está em uma dose 15 vezes maior que a preconizada. Por que? Deve ter aprendido em áudios do zap.
Há medicamentos nesta prescrição com potencial de causar hemorragias, infecções bacterianas secundárias, falência de órgãos produtores de hormônios, hepatites, entre outras.
Se você é leigo e não sabe qual lado seguir porque vê que os "médicos não estão se entendendo", esse fio é pra você entender melhor por quê não existe tratamento precoce para COVID.
Desbancando os argumentos da turma que tá te enganando desde o começo.
1. "O Dr Fulano prescreve, o Dr Sicrano usou quando ficou doente. Os médicos portugueses escreveram uma carta".
Mesmo que seja verdade e que Fulano e Sicrano não sejam charlatões, a eminência de um médico ou grupo nunca vence as evidências científicas por uma série de fatores.
2. O motivo pelo qual você deve parar de se importar com o que médicos pensam e começar a confiar nas evidências:
- Pessoas são incapazes de perceber nuances estatísticas. Sem comparar grupos, um médico pode pensar que está fazendo bem, quando, na verdade, está causando dano.
Recebo mais uma vez o site ivmmeta.
O compartilhamento dizia: "o Dr. Fulano, maior infectologista do Ceará, diz que há uma chance em 18 trilhões que a ivermectine não funcione"
Quando um médico compartilha isso, ele está assinando atestado de "médico leigo". Entenda.
É engraçado que as coisas andam em círculos. Três meses atrás isso já foi motivo de postagem minha. De lá pra cá, nada mudou - a não ser a mentira, que cresceu.
Vamos desmascarar esta mentira.
A primeira, e maior, mentira está logo no quadro inicial: "há apenas uma chance em 18 trilhões de que não funcione"
Engraçado é pensar como alguns se deixam ludibriar e continuam defendendo o indefensável mesmo após uma mentira tão baixa.
Começou o R1 de Cardiologia?
Então escuta aqui alguns conselhos de um preceptor do Dante Pazzanese (SP) pra você aproveitar melhor esses dois pesados anos.
1. Acostume-se a encontrar ECGs nos lugares mais inesperados da sua casa, como na geladeira.
2. Crie uma rotina de estudos que permita o aprendizado sistemático (e não por osmose) desde o primeiro ano, mesmo que este seja mais pesado na maioria das instituições.
Como aprender sistematicamente?
3. Forme as bases mecanicistas do conhecimento e, para isso, você precisará da ajuda do Braunwald.
Lembre-se: você não é mais um R2 de clínica que quer passar na prova de residência. Agora, o conhecimento é pra vida, então #BraunwaldSIM
Ingredientes da Mentira "perfeita" do Tratamento Precoce que o Brasil encontrou e dá um show no combate à COVID.
1. Crie uma narrativa política: faça as pessoas pensarem que todos os que apontam a mentira são de um certo espectro político e atuam por afinidade a esse espectro.
2. Aproveite que, há anos, o ensino médico brasileiro está em crise: a formação mecanicista e paternalista das universidades destoa do crescimento da Medicina Baseada em Evidências.
Os críticos não reconhecem o avanço que a MBE nos trouxe na própria COVID, com a dexametasona.
2.2 O argumento mais utilizado pela turma que acha que pode lidar com a vida dos outros em modo free style é de que "a ciência demora".
Durante este ano, comprovaram a dexametasona e criaram/testaram vacinas.
A ciência só não tem obrigação de comprovar a sua crença, só isso.
Se aparecesse um trial duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, conduzido de maneira séria e não para auto-promoção, que demonstrasse benefício com ivermectina, você a prescreveria?
Um fio sobre pensamento bayesiano e um pouco sobre visão de mundo.
Thomas Bayes colocou na ponta do lápis uma questão do nosso dia a dia:
- Nós não somos ingênuos a ponto de acreditar em tudo que vemos e ouvimos por aí.
Exceções: fé, acreditar em médicos como eminências, acreditar que comentaristas políticos e políticos são imparciais.
Imagine que alguém chega e fala:
- A Terra é plana.
Diante de tantas evidências de que a Terra é redonda, por que você acreditaria nisso assim de cara?
Provavelmente solicitaria mais informações, não é?
Por que, com artigos científicos, agem diferente?