Se você é leigo e não sabe qual lado seguir porque vê que os "médicos não estão se entendendo", esse fio é pra você entender melhor por quê não existe tratamento precoce para COVID.
Desbancando os argumentos da turma que tá te enganando desde o começo.
1. "O Dr Fulano prescreve, o Dr Sicrano usou quando ficou doente. Os médicos portugueses escreveram uma carta".
Mesmo que seja verdade e que Fulano e Sicrano não sejam charlatões, a eminência de um médico ou grupo nunca vence as evidências científicas por uma série de fatores.
2. O motivo pelo qual você deve parar de se importar com o que médicos pensam e começar a confiar nas evidências:
- Pessoas são incapazes de perceber nuances estatísticas. Sem comparar grupos, um médico pode pensar que está fazendo bem, quando, na verdade, está causando dano.
3. "O doutor já atendeu pacientes? Passou o que?". Mesmo assumindo que você perguntou de boa fé, respondo que "não interessa o que eu passo". Isso seria cuspir nos passos 1 e 2. Minha experiência não vence as evidências.
4. "O Doutor sugere ficar em casa esperando piorar". Ora, vamos lá. Se o tratamento é INEFICAZ (é isso que eu falo baseado em evidências), significa que deste tratamento só sobra o dano colateral. Fazer algo só serviria ao paciente se esse algo funcionasse.
5. "Há n estudos que comprovam a eficácia do tratamento precoce". Nos estudos, como na vida, o que serve é a qualidade, não a quantidade. Os poucos estudos de qualidade, sem falcatrua e sem conflitos de interesses, são negativos.
Os n positivos não interessam por não terem força
6."Então só é evidência quando você quer que seja". Não culpe o analista. Quando uma terapia não serve, mas grupos querem manipular, é óbvio que vão manipular dados e criar estudos de má qualidade que corroborem sua narrativa. Os de boa qualidade serão negativos PORQUE NÃO SERVE
6.2: Se você não entendeu o tweet anterior, faça um exercício mental: parta do pressuposto (verdadeiro) que o tratamento precoce é ineficaz, ou seja, não serve. Agora entenda porque qualquer estudo sério será negativo: porque... de novo... não serve.
7."A cidade X instituiu tratamento precoce e está indo bem. Como o doutor explica isso?"
Há dezenas, senão centenas de fatores que explicam melhora ou piora de indicadores. Em estatística séria, não se comparam cidades pra concluir condutas individuais: é a falácia ecológica.
7.2 Por exemplo, a cidade pode ter uma população mais jovem. Ou os médicos entusiasmados pelo seu tratamento revolucionário (pra não falar outra coisa) estão atestando óbitos de COVID como outra causa.
Ou a cidade está apenas num breve descenso entre picos...
Entre outros.
8."A pandemia é uma guerra e não temos tempo de esperar pela ciência". Bem, em primeiro lugar, somos médicos e não curandeiros (ou deveríamos ser). Em segundo, isso é mentira: nesse período já saíram pesquisas memoráveis como da dexametasona e das vacinas.
9."Há um complô das indústrias contra o tratamento precoce".
Bem, veja essa figura e me diga, na verdade, quem é que está adorando essa farra de terapias ineficazes.
PS: a dexametasona, terapia eficaz em casos hospitalares, custa 6 reais.
10."Estudo randomizado comprova..." De novo: não há NENHUM estudo de qualidade que comprove a eficácia da terapia precoce.
As "metanálises" ivmmeta, c19study, estudo FLCC ou qualquer um desses apenas juntaram os estudos de má qualidade e os amplificaram, piorando-os ainda mais.
11. "Tá, mas você não ofereceu alternativa".
Meu papel não é mentir pra você. Se houvesse alternativa, eu daria. Se o tratamento "me engana que eu gosto" fosse eficaz, eu o apoiaria.
Na verdade sem manipulação, não é eficaz e isso não é culpa minha.
Tem que vacinar.
Um conselho: procure livrar-se do viés de eminência, que eu chamo da política de pão e circo do brasileiro que tem dinheiro. Adoramos um guru, "o melhor médico da cidade".
Eminências não vencem evidências. Políticos e twitteiros com perfil fake também não.
Conselho 2: há eminências que sabem interpretar evidências, mas por paixão política, estão usando isso para manipular estudos negativos ou de má qualidade para parecerem positivos e de boa qualidade.
Espero que reconheçam de quem eu tô falando quando se depararem com isso.
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Recebo mais uma vez o site ivmmeta.
O compartilhamento dizia: "o Dr. Fulano, maior infectologista do Ceará, diz que há uma chance em 18 trilhões que a ivermectine não funcione"
Quando um médico compartilha isso, ele está assinando atestado de "médico leigo". Entenda.
É engraçado que as coisas andam em círculos. Três meses atrás isso já foi motivo de postagem minha. De lá pra cá, nada mudou - a não ser a mentira, que cresceu.
Vamos desmascarar esta mentira.
A primeira, e maior, mentira está logo no quadro inicial: "há apenas uma chance em 18 trilhões de que não funcione"
Engraçado é pensar como alguns se deixam ludibriar e continuam defendendo o indefensável mesmo após uma mentira tão baixa.
Começou o R1 de Cardiologia?
Então escuta aqui alguns conselhos de um preceptor do Dante Pazzanese (SP) pra você aproveitar melhor esses dois pesados anos.
1. Acostume-se a encontrar ECGs nos lugares mais inesperados da sua casa, como na geladeira.
2. Crie uma rotina de estudos que permita o aprendizado sistemático (e não por osmose) desde o primeiro ano, mesmo que este seja mais pesado na maioria das instituições.
Como aprender sistematicamente?
3. Forme as bases mecanicistas do conhecimento e, para isso, você precisará da ajuda do Braunwald.
Lembre-se: você não é mais um R2 de clínica que quer passar na prova de residência. Agora, o conhecimento é pra vida, então #BraunwaldSIM
Ingredientes da Mentira "perfeita" do Tratamento Precoce que o Brasil encontrou e dá um show no combate à COVID.
1. Crie uma narrativa política: faça as pessoas pensarem que todos os que apontam a mentira são de um certo espectro político e atuam por afinidade a esse espectro.
2. Aproveite que, há anos, o ensino médico brasileiro está em crise: a formação mecanicista e paternalista das universidades destoa do crescimento da Medicina Baseada em Evidências.
Os críticos não reconhecem o avanço que a MBE nos trouxe na própria COVID, com a dexametasona.
2.2 O argumento mais utilizado pela turma que acha que pode lidar com a vida dos outros em modo free style é de que "a ciência demora".
Durante este ano, comprovaram a dexametasona e criaram/testaram vacinas.
A ciência só não tem obrigação de comprovar a sua crença, só isso.
Se aparecesse um trial duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, conduzido de maneira séria e não para auto-promoção, que demonstrasse benefício com ivermectina, você a prescreveria?
Um fio sobre pensamento bayesiano e um pouco sobre visão de mundo.
Thomas Bayes colocou na ponta do lápis uma questão do nosso dia a dia:
- Nós não somos ingênuos a ponto de acreditar em tudo que vemos e ouvimos por aí.
Exceções: fé, acreditar em médicos como eminências, acreditar que comentaristas políticos e políticos são imparciais.
Imagine que alguém chega e fala:
- A Terra é plana.
Diante de tantas evidências de que a Terra é redonda, por que você acreditaria nisso assim de cara?
Provavelmente solicitaria mais informações, não é?
Por que, com artigos científicos, agem diferente?
Um dos argumentos mais utilizados por quem defende remédios “me engana que eu gosto” para COVID é o de que países que adotaram essas medidas ilusórias e populistas estão lidando bem com a pandemia.
Concluir risco individual através de dados de grupos é a falácia ecológica. Fio.
Estudos do tipo ecológico (que comparam países com países, por exemplo) são baratos e rapidamente realizáveis.
O estudo da BCG e COVID, por exemplo, levou 1 dia para ser escrito.
Também são de fácil interpretação para um leigo e, por isso, possuem forte apelo midiático e popular
Baseado em estudos ecológicos, foi possível desenhar este gráfico, por exemplo.
Está demonstrado que os países que promovem Ivermectina têm menor taxa de morte/casos que os que não promovem.
É tentador ser um médico mecanicista porque, como disse em outros posts, a ilusória sensação de certeza e de segurança passada por esse tipo de estratégia é muito cativante para atrair leigos e médicos leigos.
A imagem de onisciência e de alto conhecimento é chamativa.