Ingredientes da Mentira "perfeita" do Tratamento Precoce que o Brasil encontrou e dá um show no combate à COVID.
1. Crie uma narrativa política: faça as pessoas pensarem que todos os que apontam a mentira são de um certo espectro político e atuam por afinidade a esse espectro.
2. Aproveite que, há anos, o ensino médico brasileiro está em crise: a formação mecanicista e paternalista das universidades destoa do crescimento da Medicina Baseada em Evidências.
Os críticos não reconhecem o avanço que a MBE nos trouxe na própria COVID, com a dexametasona.
2.2 O argumento mais utilizado pela turma que acha que pode lidar com a vida dos outros em modo free style é de que "a ciência demora".
Durante este ano, comprovaram a dexametasona e criaram/testaram vacinas.
A ciência só não tem obrigação de comprovar a sua crença, só isso.
3. Aproveite que, por iliteracia estatística, pacientes e médicos leigos são acostumados a pensar que:
- Remédios são 100% eficazes;
- Os exames são 100% acurados e não existem diagnósticos falsos;
- O médico eminente é inteligente, cientista e erudita.
4. As classes mais altas ainda sofrem do viés de eminência, ao pensar (como no século passado) que:
- Ser egresso de uma universidade específica é garantia de qualidade;
- Ter qualquer emblema no currículo é garantia de qualidade;
- "Experiência" é garantia de qualidade.
5. Aproveite que o leigo e o médico leigo não conhecem estatística básica e não sabem que é motivo de vergonha falar a frase: "minha família toda tomou e funcionou" ou "eu dei ivermectina para vários pacientes e todos estão bem".
Motivo de muita vergonha.
5.2 Se a letalidade da COVID no mundo está em 2,2%, significa que de 1000 pessoas com COVID, 978 sobreviverão.
Afirmar que foi curado por remédio sem comprovação é como dizer que foi sua meia da sorte que ajudou a ganhar um prêmio cuja probabilidade de ganhar era 97,8%.
5.3 Em uma doença com 97,8% de curados, apontar qualquer absurdo como cura tem 97,8% de probabilidade de funcionar ilusoriamente.
A única maneira de comprovar é demonstrar redução estatística.
6. Aproveite que o leigo e o médico leigo acham que estão arrasando ao fazer comparações entre cidades ou países e a partir delas, concluem risco individual.
Não conte a eles que que isso não se faz, porque é a falácia ecológica e está em qualquer introdução básica à estatística.
7. Aproveite que o leigo e o médico leigo são facilmente iludidos. As provas disso:
- Compartilham c19study, um site que une todo o lixo já publicado sobre drogas de mentirinha e ainda multiplica seus valores de p;
- Compartilham cartas ao MPF;
- Acham que estão arrasando.
8. Aproveite que a turma do xadrez 4D do Twitter fez o dever de casa bem direitinho.
Neste momento, quem ainda defende o tratamento de mentirinha, o faz por:
- Má fé;
- Iliteracia;
- Pressupostos falsos ventilados pela turma do xadrez 4D.
8.1 É quando o leigo vem na sua timeline achando que vai dar um inteligente argumento, mas é fundamentado em uma mentira óbvia.
"Por que não tens o mesmo critério com vacinas que não comprovaram segurança?"
Comprovaram. A turma do xadrez 4D é que te falou que não.
Como uma cereja de bolo, temos essa pérola creditada ao presidente da @UnimedFortaleza.
Parece de um leigo. Parece que é março de 2020 e as pessoas ainda acreditavam no lengalenga da "ciência lenta".
Mas foi uma "eminência" que falou. E a dexametasona e a vacina já existem.
Óbvio que, para uma parcela significativa da população que gosta de se enganar com migalhas, esse é exatamente o tipo de frase que se quer ouvir: uma mentira alentadora.
O viés de eminência é a política do "pão e circo" de quem tem dinheiro no Brasil.
Concluindo:
Não era justificável dar HCQ ou Ivermectina ou qualquer droga de mentirinha em 2020:
- Baixas probabilidades pré-teste de hipótese;
- Princípio da não-maleficência (se não causa bem, não cause o mal)
Continua não sendo justificável em 2021 pelas mesmas razões.
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Se aparecesse um trial duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, conduzido de maneira séria e não para auto-promoção, que demonstrasse benefício com ivermectina, você a prescreveria?
Um fio sobre pensamento bayesiano e um pouco sobre visão de mundo.
Thomas Bayes colocou na ponta do lápis uma questão do nosso dia a dia:
- Nós não somos ingênuos a ponto de acreditar em tudo que vemos e ouvimos por aí.
Exceções: fé, acreditar em médicos como eminências, acreditar que comentaristas políticos e políticos são imparciais.
Imagine que alguém chega e fala:
- A Terra é plana.
Diante de tantas evidências de que a Terra é redonda, por que você acreditaria nisso assim de cara?
Provavelmente solicitaria mais informações, não é?
Por que, com artigos científicos, agem diferente?
Um dos argumentos mais utilizados por quem defende remédios “me engana que eu gosto” para COVID é o de que países que adotaram essas medidas ilusórias e populistas estão lidando bem com a pandemia.
Concluir risco individual através de dados de grupos é a falácia ecológica. Fio.
Estudos do tipo ecológico (que comparam países com países, por exemplo) são baratos e rapidamente realizáveis.
O estudo da BCG e COVID, por exemplo, levou 1 dia para ser escrito.
Também são de fácil interpretação para um leigo e, por isso, possuem forte apelo midiático e popular
Baseado em estudos ecológicos, foi possível desenhar este gráfico, por exemplo.
Está demonstrado que os países que promovem Ivermectina têm menor taxa de morte/casos que os que não promovem.
É tentador ser um médico mecanicista porque, como disse em outros posts, a ilusória sensação de certeza e de segurança passada por esse tipo de estratégia é muito cativante para atrair leigos e médicos leigos.
A imagem de onisciência e de alto conhecimento é chamativa.
Quando uma terapia é comprovadamente ineficaz, só resta ao paciente experimentar os seus danos. E esses danos são vão mais além do que os descritos em bula.
São eles:
- Os efeitos colaterais individuais;
- Os efeitos colaterais coletivos.
Viés de comissão é a inabilidade de ficar inerte quando não há o que fazer. Em Medicina, esse viés é ilustrado por:
- Na linha de frente de uma pandemia, temos que prescrever tudo o que fizer sentido, mesmo que não haja comprovação científica ou que seja comprovadamente ineficaz.
Uma das narrativa que tentam justificar essa atitude é a de que a ciência é lenta e demoraria anos para que tivéssemos comprovações. Quem fala isso não conhece os exemplos:
- Dexametasona e estudo RECOVERY
- Vacinas para COVID.
Em uma discussão, se alguém usa pressupostos falsos para seus argumentos, estes argumentos serão também falsos porque estão fundamentados em mentira.
É apenas de pressupostos falsos que vive a turma do “eu apoio o tratamento precoce”.
Pressuposto do leigo e do médico leigo:
- Esse pessoal não sabe que existem 500 artigos sobre tratamento precoce e 1 chance em 20 bilhões que ela seja falsa.
- Vou mandar pra ele qualquer artigo da lista ou o link do c19study, HCQ meta ou qualquer um desses. Sem legenda.
Realidade:
- Não se prova uma hipótese por número, mas por qualidade de artigos. A maioria dos artigos dessa lista tem péssima qualidade e não tem poder confirmatório.
- Compartilhar c19study sendo médico é motivo de completa vergonha. É atestado de iliteracia ou má fé.
Está na hora de a gente se perguntar se parte da tragédia que estamos vivendo não pode estar vindo justamente do viés de comissão da maioria dos nossos médicos mecanicistas e leigos.
Em outras palavras: fazer mais do que o paciente precisa também causa dano.
O médico leigo, aquele que se informa por vídeos do Alexandre Garcia, tweets de “comentaristas políticos paranóicos de xadrez 4D” e pelo grupo Dignidade Médica no Facebook (é irônico porque lá não se vê dignidade nenhuma) é também o mesmo que não pensa que:
- Quando um remédio é ineficaz, sobra dele apenas os seus efeitos colaterais, danos e riscos.
A quantidade de pacientes que recebeu, por exemplo, anticoagulantes (até aqui apenas uma hipótese de baixa plausibilidade - mas na cabeça do mecanicista, só isso basta), é incontável.