No domingo, fiz uma provocação por aqui.

Disse que aparentemente não se ensina mais democracia nas escolas. Que jovens militantes de esquerda demais não reconhecem legitimidade na existência de uma direita.

Acho que vale clarear um pouco mais o que quis dizer.
Primeiro: não acho que o problema seja de professores.

Não foi uma alusão ao Escola sem Partido.

O problema é de currículo.

Minha impressão é de que o trauma da Ditadura fez com que nós abríssemos mão de certos ensinos importantes.

Um deles é o de sociedade, de cidadania.
Eu fui estudante no tempo da Ditadura, tive aula de Moral e Cívica e OSPB, disciplinas inventadas por Plínio Salgado, o fundador do fascismo brasileiro.

Aquelas coisas tinham de ter sido extirpadas do currículo, como foram.

Mas tinham de ter sido substituídas.
Temos uma penca de militantes de esquerda com trinta e poucos ou menos que não reconhecem legitimidade na existência de uma direita.

Como temos uma penca de militantes de direita na mesma faixa que não reconhecem como legítima a esquerda.

Este é o resultado.
Só que não há espaço para pensar assim numa democracia.

Não reconhecer o outro lado como tão legítimo quanto o seu é por definição um comportamento antidemocrático.

É isto que faz de Jair Bolsonaro antidemocrático.
O que faz de uma democracia liberal única é o reconhecimento de que não há ‘o certo’.

O que há são as correntes de ideias às vezes convergentes, às vezes não, numa sociedade.

Em momentos distintos, as soluções propostas por um grupo são mais adequadas, noutros as do outro.
O Poder essencial de uma democracia, que é o Legislativo, foi criado justamente para que estas correntes de opinião pudessem se encontrar e negociar suas diferenças.

Quero aprovar esta lei, voto em troca naquela outra sua.
Não está funcionando.

Não é só aqui, por causa do Centrão fisiológico, que não está funcionando.

É no mundo.

Polarização é isso. Os dois lados não precisam ser radicais para se polarizar.

Basta que o diálogo se torne impossível.

O diálogo está impossível.
E quando gente de 20 e 30 sequer cogita a possibilidade de que o outro pode pensar diferentemente sem que isso comprometa seu caráter, aí estamos lascados.

É um país rachado, num mundo rachado, sem capacidade de pensar cidadania.
Escola sem Partido?

Tenho três filhos que estudam em duas escolas diferentes. Não tenho qualquer impressão de que sejam doutrinados de uma forma ou de outra.

O ESP quer, isto sim, doutrinar.

O que estou argumentando é o oposto. Precisa haver mais diálogo, mais empatia.
Da extrema-direita não espero tolerância — e a voz mais alta que vem da direita, hoje, é extremista.

Mas a voz mais alta que vem da esquerda, hoje, não é extremista.

É, porém, igualmente intolerante.

Intolerância nos colocou neste buraco. Não vai ajudar a nos tirar dele.

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19 Mar
Ainda sobre o vídeo da @veramagalhaes

O Brasil é profundamente desigual. Só gente muito radical de direita discordará disto.

Constatar a desigualdade não é xenofobia. É questão de ter olhos para ver.

+
O que a Vera fez foi exatamente isso.

Perceber que hospital que atende gente pobre ficar sem recursos, no Brasil, é comum.

Não quer dizer que devia ser assim, porque não devia. Mas é.

Hospital que atende gente rica ficar sem recursos — isto é incomum.

+
O que quer dizer colapso hospitalar no Brasil?

O que quer dizer um cenário incomum, raro e que, por isto, demonstra o tamanho do drama que estamos vivendo?

Num país desigual?

É quando até o hospital dos muito ricos fica sem capacidade de atendimento.

+
Read 6 tweets
10 Feb
Puxando aqui o fio de raciocínio do @claudio_couto e do @CECLynch...

Hj fiz uma crítica ‘à esquerda’.

É evidente que não é a toda a esquerda.

Nem toda a esquerda distorce o que os outros falam com o objetivo de lacrar e apedrejar. É só uma parte — que fala bem alto.

Um fio 🧵
Da mesma forma...

Nem toda esquerda é corporativista ou ignora responsabilidade fiscal.

Nem todo mundo que defendeu a investigação da corrupção no governo petista é cego perante os desvios éticos de Sérgio Moro.

Nem todo liberal é de direita ou ignora o drama da desigualdade.
Nem todo conservador é reacionário ou autoritário.

Nem toda direita é bolsonarista.

Nem todo mundo envolvido em movimentos feminista ou LGBTs é de esquerda.

Fazemos generalizações a toda hora. E a dinâmica do debate nas redes sociais promove o abandono de nuances.
Read 15 tweets
15 Jan
Tem uma conversa que nós não estamos preparados para ter no Brasil.

É sobre como pensamos impeachment.

Por isso, sei em que vai dar este fio aqui. Vai implodir.

Ainda assim, a maneira como os americanos pensam impeachment, em tempos de Bolsonaro, tem muito a nos ensinar.

🧵
Fernando Collor de Mello sofreu impeachment acusado por agir de forma incompatível com o cargo. Por quebra de decoro. O crime tinha provas tão frágeis que ele foi inocentado no Supremo.

Mas estávamos confortáveis com isso.
A diferença real entre Collor e Dilma, queiramos admitir ou não, é que o PRN não era um partido. O PT era

O PT tem base popular real, tem militância real, representa de fato um conjunto de valores na sociedade.

O PRN não era nada, Collor não era uma liderança política relevante
Read 24 tweets
13 Jan
Tenho essa sensação generalizada de que o mundo ficou muito mais careta em sexualidade.

Ontem, aqui no Twitter, alguém me chamou atenção para uma entrevista da @BSurfistinha em que ela citou o perfil que escrevi dela faz uns 15 anos.

Um fio.

🧵
O texto foi parte de uma série de reportagens sobre sexualidade que escrevi para o NoMínimo e que depois foram reunidas num livro chamado ‘Eu Gosto de Uma Coisa Errada’

Na época, eu escrevia sobre política internacional e estava exausto após uns três anos do Onze de Setembro.
A internet já era popular, claro, mas ainda era jovem e bastante amadora.

Histórias em que pessoas vivem próximas de seus limites emocionais são sempre ricas. A gente sempre aprende alguma coisa.

É fértil para jornalismo e era muito diferente do que eu fazia.
Read 10 tweets
9 Jan
Podem empresas privadas como Twitter e Facebook calar alguém?

Devemos ficar confortáveis com a ideia de que duas ou três empresas privadas tenham poder de calar o presidente dos Estados Unidos?

Três pontos num fio.

🧵
1. É censura?

Depende de como entendemos a praça pública, o ambiente em que as conversas da sociedade sobre o que e interesse público se dá.

Em geral, quem tem poder de censura ou não é o Estado, não uma empresa privada.
O Estado não pode proibir um jornal, uma rádio, um escritor de levar uma informação ao público.

Mas um jornal, uma rádio ou um escritor podem escolher que mensagens levam ao público.
Read 20 tweets
7 Jan
Esta é a melhor matéria que li sobre o problema de segurança, ontem, no Capitólio.

washingtonpost.com/politics/capit…

No fio, os principais pontos desta e de outras matérias...

🧵
1. A responsabilidade pela segurança cabia à Polícia do Capitólio, que tem por chefes a Presidente da Câmara e os líderes.

2. Os oficiais no comando da PC não trabalharam com a hipótese de que pudesse haver invasão.
3. Não bastasse, a PC também teve uma falta importante de pessoal — vários afastados por terem tido contato com um paciente de Covid.

4. Resultado prático: não estavam com uniforme ou equipamento para resistência a multidões no momento em que a turba apareceu.
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