Diálogo frequente:

Fulano: - Eu e minha família tivemos COVID, usamos kit-Covid e estamos bem. Quando você tiver COVID, vai usar também.
Eu: - Eu tive COVID e usei só dipirona.
Fulano: - Mas essa é só a SUA experiência, não dá pra generalizar.
Eu: - Pois é. Exatamente isso.
Se tem uma coisa legal que aquele estudo da colchicina (COLCORONA) deixa bem claro, é a proporção de pessoas que são hospitalizadas e/ou morrem no grupo placebo. Dá uma olhada na tabela a seguir, do artigo "Efficacy of Colchicine in Non-Hospitalized Patients with COVID-19".
Das pessoas doentes, no grupo placebo, 5,7% foram hospitalizadas e 0,4% foram a óbito. Isso significou que 99,6% das pessoas com COVID sobreviveram e 94,3% sequer foram internadas.
ATENÇÃO: SEM. USAR. NADA.
O que quero dizer com isso?
Que se uma pessoa fala: "quase todos meus pacientes que usaram ivermectina não precisaram ser internados" deveria ser lido como "a maioria esmagadora dos pacientes não serão internados, com ou sem tratamento precoce".
Se você der suco detox, miojo da turma da mônica, bis black, itaipava (em baixas doses), ozônio retal, colírio moura brasil, ivermectina ou cloroquina, é esse o resultado que você vai ter. E vai parecer incrível, a não ser que você compare ADEQUADAMENTE a um grupo controle.
Por isso que, em um contexto como esse, é tão fácil a gente se deixar levar pela impressão de termos aí disponível diversos tratamentos eficazes no uso precoce, quando na verdade nosso arsenal terapêutico ainda é bem limitado e com indicações bastante específicas.
Em uma situação onde o benefício não é superior ao de um grupo placebo, o que sobram são as consequências não intencionais. Ou seja: o custo financeiro, o custo clínico (efeitos adversos) e o custo comportamental (achar que temos como controlar isso com remédio e nos expor mais).
Repito: Não é sobre ser contra ou a favor de um tratamento precoce. TODO MUNDO é a favor de que exista um tratamento.
É sobre ser contra à falta de racionalidade científica (tem gente cheirando cloroquina até) e contra apostar na ilusão enquanto somos atropelados pela realidade.

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16 Mar
#FarmacoNumTweet

- Atchim!
- É Gripe? Benegripe!
Naldecon, Resfenol, Cimegripe, etc. Não quer levar também uma Vitamina C pra "aumentar" a imunidade?

Se antibióticos combatem bactérias, se anti-inflamatórios combatem a inflamação, antigripais combatem a gripe?
Segue o fio!
Ficar resfriado ou gripado é um saco. Além de todos os sintomas desagradáveis, parece um estado incompatível com a vida moderna... Como trabalhar ou até mesmo se divertir nessas condições?
Para tentar amenizar a situação, temos disponível os famosos antigripais. O nome pode transmitir uma falsa impressão. Eles não são capazes de combater a sua gripe ou resfriado. Para isso teriam que ter ação antiviral contra os vírus causadores dessas condições.
Read 9 tweets
9 Mar
Tô cansado de ver uma galera aí (incluindo médicos e outros profissionais da saúde), compartilhando o tal c19study.com e derivados como ivmmeta.com como "prova" que tratamento precoce com hidroxicloroquina e ivermectina funcionam.

Segue o fio pra entender.
Outro dia ouvi de alguém que esses sites sim eram "ciência de verdade" e que mostravam o resultado de boas "metanálises".
Uma metanálise é a "análise de várias análises", ou seja, é uma forma de analisar dados de vários estudos e conjunto, para extrair uma conclusão geral.
Só que existe método para isso ser feito. A metanálise é um recurso estatístico que está compreendido no campo das revisões sistemáticas. Ou seja, da mesma forma que uma revisão sistemática, precisa registrar o protocolo, estabelecer critérios de inclusão dos estudos etc...
Read 10 tweets
24 Feb
Essa semana jornais publicaram um anúncio pago sobre o "tratamento precoce". A história você já conhece:

"Não podemos ficar de braços cruzados enquanto pacientes estão morrendo. Precisamos tratá-los já"
Vamos conversar sobre tratamento precoce, medicina heroica e Dom Quixote?
Em 1860, o médico Oliver Holmes afirmou: “Se toda a matéria médica, como hoje é empregada, fosse afogada no fundo do mar, seria muito melhor para a humanidade – e muito pior para os peixes”.

Uma clara insatisfação à medicina como era praticada naquela época.
A assistência médica era baseada em práticas agressivas e sem comprovação. Essa fase foi denominada de "medicina heroica". A princípio pela bravura do médico tentando salvar vidas, mas onde ironicamente o herói era o paciente que sobrevivia ao tratamento e à iatrogenia...
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20 Feb
"Eu não acredito na evolução, porque a Teoria da Evolução é SÓ uma teoria..."

Já passou da hora de entendermos a diferença entre o uso coloquial e o uso científico da palavra "Teoria".

Segue o fio de hoje...
Em debates da internet é muito comum ouvir esse tipo de frase, em especial de pessoas que negam algum aspecto científico.

Isso acontece em (falsos) debates sobre a "Teoria da evolução por seleção natural", a "Teoria da Relatividade" e até mesmo na "Teoria Heliocêntrica"
Na linguagem popular, "teoria" acaba sendo entendida como um conhecimento especulativo, de caráter hipotético. Em alguns casos, representa um conjunto sistemático de opiniões e ideias sobre um dado tema.

"Minha teoria é a de que o time de futebol X vai subir de série esse ano."
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17 Feb
"Você pode argumentar o quanto quiser. Mas se a natureza (mundo físico) não concordar com você, você está errado."

Essa frase do Neil DeGrasse Tyson mostra a importância do método científico para diferenciar "verdades objetivas" de "verdades pessoais" (subjetivas)

Segue o fio.
"Você pode continuar acreditando no que quiser enquanto verdade pessoal" - ele continua - "mas a sua crença não faz com que isso se torne uma verdade objetiva."

Para estabelecer verdades objetivas precisamos testar ideias, usando o método científico.

Veja o exemplo do Neil:
Situação corriqueira:
1. Observação: Meu carro não liga.
2. Pergunta: A bateria descarregou?
3. Hipótese: Se a bateria descarregou, se eu carregá-la o carro vai ligar.
4. Experimento: Carrega-se a bateria
5. Resultado: O carro ligou
6. Conclusão: A bateria estava descarregada.
Read 5 tweets
15 Feb
A ciência fala que o "tratamento x" não tem eficácia, mas quem usa ou prescreve esse tratamento diz que tem efeito sim.

E agora? Por que isso acontece com tanta frequência?

Tá na hora de entender a diferença entre a "eficácia científica" e a "eficácia coloquial".

Segue o fio!
Sai um estudo dizendo que o "tratamento x" não se mostrou eficaz para uma condição. Alguém publica essa notícia nas redes sociais.

Aguarde alguns segundos ou minutos e vai brotar nos comentários:
" Eu usei e funcionou"
"Sempre prescrevi e meus pacientes tem bons resultados"
Etc
Isso acontece porque popularmente dizemos que algo tem efeito quando observamos alguma melhora subjetiva após usar esse tratamento.

Já cientificamente, só podemos dizer que algo tem efeito, quando os efeitos observados são superiores aos observados em um grupo controle adequado.
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