O mundo é probabilístico. Não é o que te ensinaram. Abraçar essa realidade torna a vida angustiante, e muda a forma de tomarmos decisões.

Se não existe certeza, o que podemos fazer é tentar reduzir incertezas. Mas pra isso precisamos de uma ferramenta externa aos nossos olhos.
Para boa parte dos pacientes (e também boa parte dos profissionais de saúde, infelizmente), evidências científicas não são um fator determinante no momento de tomar uma decisão terapêutica.

É claro que ninguém vai dizer que não se importa com a Ciência. Todos se importam, mas...
Mesmo tendo consciência de estudos que não demonstram eficácia de um tratamento, pessoas acabam optando por tratamentos cujos "benefícios" foram capazes de "testemunhar com seus próprios olhos". Só que nós não enxergamos bem probabilisticamente. Precisamos dos óculos da Ciência.
Confiar "nos nossos olhos" é um processo natural e compreensível, porque é a ferramenta natural que temos. Mas todos nós temos essa dificuldade de enxergar probabilidades sem os óculos da ciência. Não ter consciência disso, é dirigir com a visão prejudicada e nos colocar em risco
Não é fácil resolver o conflito entre experiência pessoal e pesquisa científica. Saber dirigir é importante. A experiência pessoal é importante. Mas a probabilidade de chegar ao destino correto de fato aumenta, se formos humildes o bastante para assumir que necessitamos de óculos
Coincidências que acontecem durante tratamentos, tendem a nos impressionar: a dor que ia diminuir porque estava no seu ápice, mas parece que diminuiu por causa do chá. Sintomas de gripe que melhoram porque esse é o seu curso natural, mas cujo sucesso é atribuído a uma vitamina.
É esse tipo de miopia que precisamos evitar. E todos nós, nesse sentido, somos míopes. Por isso, quando insisto que é necessário se basear em evidências, não é por "arrogância acadêmica". Ao contrário, é um pedido de mais "humildade clínica". Por fim, deixo uma frase do Tolstoi:
"Sei que a maior parte dos homens raramente são capazes de aceitar as verdades mais simples e óbvias se essas o obrigarem a admitir a falsidade das conclusões que eles, orgulhosamente, ensinaram aos outros, e que teceram, fio por fio, trançando-as no tecido da própria vida"

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More from @adbacchi

31 Mar
O que você acha mais fácil defender/acreditar durante uma pandemia na qual temos altíssima taxa de contaminados, mas dos quais uma pequena porcentagem evolui de maneira grave?

1) A existência de um tratamento precoce (ainda que falso)
2) A não existência de um tratamento precoce
Vamos fazer um exercício começando por supor que um tratamento precoce existe (mesmo tendo que torturar as evidências pra isso).

Primeiro ponto: Você está falando o que todo mundo quer ouvir. Incluindo você mesmo. Informações que atendem aos nossos anseios são melhores recebidas
Segundo ponto. Olha esse monte de bolinhas aí. São pessoas com COVID. Tá mostrando a cada 100 pessoas, em média, o que acontece SE NÃO USAREM medicamento NENHUM.
Verde: Vão ter sintomas leves e benignos
Rosa: Vão ter sintomas graves ou moderados
Roxo: Vão morrer Image
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28 Mar
Quem promove tratamentos sem base em evidências, os promovem distorcendo conceitos científicos (voluntária ou involuntariamente) e/ou criando seus próprios princípios e protocolos (baseados nas suas crenças e subjetividades).

Mas não para por aí.
(continua)
Esses profissionais tem consciência que os cientistas permanecem céticos a esses tratamentos. Por isso, os promotores de tratamentos sem base em evidências (como o tratamento precoce) tentam minimizar as críticas científicas, colocando em xeque a credibilidade da própria ciência.
"A Ciência é lenta e não dá tempo de fazer estudos adequados"
Em uma pandemia temos tanta gente ficando doente, que se torna o período de mais rapidez de execução de ensaios clínicos. Não apenas dá tempo, como já deu tempo. Estudos como RECOVERY estão aí pra provar isso.
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25 Mar
Diálogo frequente:

Fulano: - Eu e minha família tivemos COVID, usamos kit-Covid e estamos bem. Quando você tiver COVID, vai usar também.
Eu: - Eu tive COVID e usei só dipirona.
Fulano: - Mas essa é só a SUA experiência, não dá pra generalizar.
Eu: - Pois é. Exatamente isso.
Se tem uma coisa legal que aquele estudo da colchicina (COLCORONA) deixa bem claro, é a proporção de pessoas que são hospitalizadas e/ou morrem no grupo placebo. Dá uma olhada na tabela a seguir, do artigo "Efficacy of Colchicine in Non-Hospitalized Patients with COVID-19".
Das pessoas doentes, no grupo placebo, 5,7% foram hospitalizadas e 0,4% foram a óbito. Isso significou que 99,6% das pessoas com COVID sobreviveram e 94,3% sequer foram internadas.
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16 Mar
#FarmacoNumTweet

- Atchim!
- É Gripe? Benegripe!
Naldecon, Resfenol, Cimegripe, etc. Não quer levar também uma Vitamina C pra "aumentar" a imunidade?

Se antibióticos combatem bactérias, se anti-inflamatórios combatem a inflamação, antigripais combatem a gripe?
Segue o fio!
Ficar resfriado ou gripado é um saco. Além de todos os sintomas desagradáveis, parece um estado incompatível com a vida moderna... Como trabalhar ou até mesmo se divertir nessas condições?
Para tentar amenizar a situação, temos disponível os famosos antigripais. O nome pode transmitir uma falsa impressão. Eles não são capazes de combater a sua gripe ou resfriado. Para isso teriam que ter ação antiviral contra os vírus causadores dessas condições.
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9 Mar
Tô cansado de ver uma galera aí (incluindo médicos e outros profissionais da saúde), compartilhando o tal c19study.com e derivados como ivmmeta.com como "prova" que tratamento precoce com hidroxicloroquina e ivermectina funcionam.

Segue o fio pra entender.
Outro dia ouvi de alguém que esses sites sim eram "ciência de verdade" e que mostravam o resultado de boas "metanálises".
Uma metanálise é a "análise de várias análises", ou seja, é uma forma de analisar dados de vários estudos e conjunto, para extrair uma conclusão geral.
Só que existe método para isso ser feito. A metanálise é um recurso estatístico que está compreendido no campo das revisões sistemáticas. Ou seja, da mesma forma que uma revisão sistemática, precisa registrar o protocolo, estabelecer critérios de inclusão dos estudos etc...
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24 Feb
Essa semana jornais publicaram um anúncio pago sobre o "tratamento precoce". A história você já conhece:

"Não podemos ficar de braços cruzados enquanto pacientes estão morrendo. Precisamos tratá-los já"
Vamos conversar sobre tratamento precoce, medicina heroica e Dom Quixote?
Em 1860, o médico Oliver Holmes afirmou: “Se toda a matéria médica, como hoje é empregada, fosse afogada no fundo do mar, seria muito melhor para a humanidade – e muito pior para os peixes”.

Uma clara insatisfação à medicina como era praticada naquela época.
A assistência médica era baseada em práticas agressivas e sem comprovação. Essa fase foi denominada de "medicina heroica". A princípio pela bravura do médico tentando salvar vidas, mas onde ironicamente o herói era o paciente que sobrevivia ao tratamento e à iatrogenia...
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