Frustrada porque eu não acho a publicação que embasa essa notícia (e não tenho grana pra ver o resto e pegar o link, se tiver). É que esse tipo de manchete pode nos dar uma visão bem distorcida do mundo se a neurologia não se aliar à sociologia.
O pesquisador da Unicamp citado parece ser bem embasado em Sociologia, então acho que não seria o caso aqui. Mas, como muita gente vai ver só a manchete dessa notícia, deixa eu explicar qual a armadilha que muita gente cai quando Exatas e Humanas não se dão as mãos.
Quando você lê "pessoas esperam que chocolate tenha gosto amargo se estiver em uma embalagem preta", o que você pode depreender daí?

Que existe uma relação entre embalagem preta e chocolate amargo, forte o bastante para influenciar expectativas nas pessoas.

Qual a armadilha?
A armadilha é que sem uma visão histórica e sociológica, não é difícil pessoas começarem a procurar algum elo biológico ou cognitivo intrínseco entre preto e sabor amargo.

E sabe o que mais? Podem até encontrar relações entre "preto" e "amargo" em outros alimentos, sim.
Com isso, pode-se criar uma versão determinística de que há uma ligação "natural" entre preto e sabor amargo, uma ligação que pode acabar sendo generalizada para coisas que não devia e gerar associações extremamente problemáticas.

No que a História e a Sociologia ajudam?
Elas nos ajudam a lembrar que, quando um determinado produto fica famoso, logo surgem vários imitadores que mantém elementos-chave de sua aparência para gerar uma conexão entre os produtos e se promover na esteira do outro.
Sendo assim, se uma fabricante de chocolates famosa tem uma linha de chocolates amargos com embalagem preta (ou elementos pretos de destaque) e os outras começam a imitar esse padrão de embalagem, logo o consumidor vai ligar "embalagem preta" a "chocolate amargo".
Não há nada "intrínseco", "natural" ou "lógico" nessa relação, no sentido de que a cor preta e o sabor amargo têm a ver. É um produto cultural, que pode ter sobrevivido há gerações e pode ser desfeito se as embalagens de chocolate mudarem o padrão.
Sem considerar fatores históricos e sociológicos ao estudarmos esse tipo de associações cognitivas das pessoas, elas podem virar facilmente instrumento de opressão ou discriminação.
Associações cegas como essa levaram a momentos trágicos da história da Ciência, como a malfadada Frenologia. Hoje foi rebaixada a pseudociência, mas seu espectro nos assombra toda vez que tentamos reduzir um comportamento humano a fatores biológicos.
Sendo assim, gente de Exatas e Biológicas têm que saber Humanas, sim. Comportamento humano tem que ser sempre um trabalho conjunto de biologia com Humanas, ou a Ciência continuará embasando aberrações preconceituosas.
Vou encerrar aqui reforçando que eu não consegui acesso ao estudo da Unicamp que está na New Scientist e tenho quase certeza que o pesquisador não foi por esse caminho, só aproveitei a deixa da manchete para discutir uma questão recorrente.

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Infelizmente, a soma das partes frequentemente é pior que cada um individual. Vamos fazer um top 10 produtos que não devemos misturar? #QuimThreadBR
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