A revista Science publicou ontem (29/04) um estudo sobre a escolaridade presencial e o risco de contaminação doméstica com a COVID-19. Acompanhe o fio!

science.sciencemag.org/content/early/…
Primeiro, destaca-se que as formas pelas quais a escolaridade presencial influencia a incidência da COVID-19 na comunidade são complexas. Mas há um consenso de que as escolas criam potenciais conexões de transmissão entre comunidades diferentes.
Isso ocorre pq mesmo que a transmissão em salas de aula seja rara, atividades relacionadas à entrada/saída de alunos, interações com professores e mudanças mais amplas no comportamento, relacionadas a diminuição de cuidados, podem levar a aumento na transmissão da comunidade.
O artigo apresenta estudos ecológicos que mostraram associação entre as aulas presenciais e a velocidade e extensão da transmissão do SARS-CoV-2 em diferentes comunidades (EUA e Europa).
Mesmo quando as crianças em idade escolar são infectadas, o risco de desenvolver doença grave e morte é baixo; o risco é maior quando tem foco direcionado aos professores e profissionais da educação.
No entanto, poucos estudos se concentraram no risco que a aula presencial representa para os membros da família. Este estudo do PNAS mostrou que aulas presenciais se relacionaram a aumento da infecção nos pais, professores e seus familiares.

pnas.org/content/118/9/…
A pesquisa publicada na Science analisou dados coletados de entrevistas via Facebook ao longo de dois períodos de tempo durante o ano letivo de 2020-2021 (24/11/2020 a 23/12/2020 e 11/01/2021 a 10/02/2021), totalizando 2.142.887 entrevistados nos 50 estados americanos.
Morar com uma criança engajada em tempo integral em educação presencial está associado a um aumento substancial nas probabilidades [razão de chances ajustadas (aOR) 1,38, 95% IC 1,30-1,47] de relatar COVID-19 como doença...
... com os sintomas frequentes (febre, juntamente com tosse, falta de ar ou dificuldade para respirar), perda de paladar ou olfato (aOR 1,21, IC 95% 1,16-1,27) , ou um resultado positivo do teste SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias (aOR 1,30, IC 95% 1,24-1,35).
No caso da criança em turno parcial presencial (mais próximo ao sistema brasileiro, +/- 4-6 h), a associação foi atenuada, mas ainda estatisticamente significativa para familiar desenvolver a doença (aOR 1,21, IC 95% 1,13-1,29).
As medidas de mitigação foram basicamente as mesmas entre os dois tipos (integral e parcial) e se associaram à uma redução de 9% para o desenvolvimento de sintomas da COVID-19 nos familiares. Lembrando que as amostras são heterogêneas!
As medidas de mitigação mais comumente relatadas foram o uso de máscara pelos estudantes (88%), seguido por uso de máscara pelo professor (80%), entrada restrita (por exemplo, sem pais ou cuidadores permitidos na escola) (66%) e distanciamento entre as mesas (63%).
Além disso, o rastreamento diário de sintomas nos alunos foi claramente associado a reduções de risco. E quando se analisou as medidas de mitigação em separado (desconsiderando-se os que não seguiram), os riscos reduziram aos familiares.
Faço uma ressalva: as medidas de mitigação precisam ser tonadas em conjunto e com comprometimento, caso contrário são quase inexpressivas na redução de riscos. Um apontamento importante é que tanto alunos quanto profissionais precisam receber treinamento e protocolos atualizados.
Análises estratificadas também foram feitas para diferenças entre municípios urbanos, suburbanos e rurais, padrões locais de incidência e outras diferenças entre aqueles que estão mais ou menos propensos a enviar crianças para a aula presencial.
Essas associações não resultaram em diferenças estatísticas. Porém, o aumento do risco foi associado significativamente à escolaridade presencial nos domicílios com maior propensão a ter crianças frequentando aulas presenciais.
Importante: os professores que trabalharam fora de casa foram mais propensos a relatar desfechos relacionados a COVID-19 do que aqueles que trabalharam em casa (por exemplo, teste positivo aOR 1,8, IC 95% 1,5-2,2).
Os resultados apresentados evidenciam que a escolaridade presencial representa um risco para aqueles que vivem nos domicílios dos alunos. O risco pode ser gerenciado por meio de medidas de mitigação comumente implementadas na escola SE houver comprometimento em cumpri-las.
Os autores chamam atenção para algumas limitações, embora os resultados sejam qualitativamente consistentes entre os desfechos COVID-19 (baseados em sintomas, testes e entre os testados): assintomáticos não foram avaliados, assim como...
... o cumprimento ou o investimento em medidas de mitigação relatadas, além do potencial para que essas medidas de mitigação tenham sido relatadas de forma imprecisa na pesquisa.
Então, finalmente, o estudo mostra que há uma forte associação entre aulas presenciais e risco de infecção aos familiares (além dos profissionais da educação). Mas os riscos podem ser reduzidos com empenho em se seguir as medidas de mitigação.
Considerando que os EUA já está bem avançado na vacinação em relação ao Brasil, bem atrasado, deixo a pergunta: as medidas podem ser seguidas corretamente e com responsabilidade aqui no nosso país, estados e municípios?
Em eventual nova explosão de casos, a provável suspensão não afetará ainda mais as crianças? Será que isso e um aumento do número de mortes e sequelados não poderia ser evitado se esse retorno fosse posterior à vacinação de profissionais de educação e grupos de risco?

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