É impressionante: quando a Pfizer ofereceu 70 milhões de doses em agosto, não tinha nenhum problema com a lei. Nas outras duas propostas, também não. Agora, depois de atacarem as “cláusulas leoninas” que aceitaram de bom grado depois, inventam essa lorota. (1/n)
14/08 - Primeira oferta da Pfizer (70 milhões de doses ao todo, 500 mil ainda em 2020)
18/08 - Pfizer aumenta a proposta, que seria de 1,5 milhão em 2020, mais 1,5 milhão ate fevereiro e o resto nos outros meses
Tudo ficou sem resposta.
12/09 - CEO da Pfizer Global envia uma carta a Bolsonaro, com cópia a Mourão, Braga Netto, Pazuello e Paulo Guedes. Sem resposta.
11/11 - Vem terceira oferta que, após o Brasil perder a chance de começar a vacinar em dezembro, previa 2 milhões de doses para janeiro e fevereiro.
Nesse meio tempo, a empresa havia divulgado, em 09/11, a análise preliminar dos estudos da fase 3, que apontava para uma eficácia superior a 90%. O presidente do Chile, que apostara na vacina – como Bolsonaro poderia ter feito –, comemorou o resultado. extra.globo.com/noticias/mundo…
01/12 - O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde diz que nossa vacina teria que ser “termoestável por longos períodos em temperaturas de 2ºC a 8ºC”.
02/12 - Ecoando o comentário, Pazuello afirma que o Brasil só trabalha com “uma, duas ou três” opções de vacina
Ou seja, só aí começaram as desculpas. Na época, a Pfizer apresentou uma caixa de fácil transporte que permitia guardar a -70°C apenas com gelo seco. Também no dia, o Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração afirmou estar preparado para o desafio. poder360.com.br/coronavirus/pf…
Por fim, hoje sabemos que as doses da Pfizer podem ser mantidas sob uma temperatura de congelador padrão por até duas semanas. Segundo a Anvisa, os frascos podem ficar em temperaturas entre -25º e -15ºC por até duas semanas (refrigerador padrão) e numa geladeira por cinco dias.
Como o desafio logístico não era tão gigante assim, a Pfizer tinha acordos, desde outubro, com países latino-americanos como Chile, Peru e Costa Rica. Já em dezembro, países como Equador, Panamá e México se juntavam à lista. Tanto é que a desculpa oficial precisaria mudar.
02/12 - Pfizer deu prazo de uma semana ao Governo Federal, até porque estava reservando doses em caso de acordo
08/12 - Em audiência na Câmara, o CEO da Pfizer Brasil reafirma que as doses podem chegar em janeiro e que ofereceu 70 milhões. Ninguém falava de lei alguma ainda aí.
17/12 - Ao invés de um acordo, Bolsonaro ataca a empresa: “Se tomar e virar um jacaré é problema seu. Se virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela não tem nada com isso”.
28/12 - O presidente diz que os laboratórios deveriam correr atrás da Anvisa.
Importante destacar que a primeira declaração mistura uma teoria da conspiração de que o imunizante alteraria o DNA dos pacientes – que a Bia Kicis fez questão de compartilhar nas redes sociais – com a segunda desculpa, dessa vez sobre a cláusula contratual de efeitos colaterais.
A cláusula contratual é padrão, estando presente em todos os contratos com as maiores farmacêuticas. Faz com que produzir imunizantes valer a pena, imagina a quantidade de ações judiciais que seriam movidas no mundo? Por isso que a AstraZeneca tinha a mesmíssima cláusula.
Sobre a declaração que a Pfizer deveria correr atrás do país, e não o oposto – lembrando que Israel obteve êxito justamente por ter seduzido a empresa com o compartilhamento de dados sobre seus pacientes, indo atrás —, a empresa esclareceu que aguardava um “contrato definitivo”.
07/01 - Diante dos confrontos, a Pfizer escreve uma nota falando sobre as ofertas rejeitadas pelo Governo Federal, lembrando que muitos países aderiram às mesmas cláusulas (EUA, Japão, Israel, Canadá, Reino Unido, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia e Panamá).
23/01 - O Governo lança uma nota ridícula com mais desculpas. Diz que ter apenas 2 milhões de doses da primeira leva causaria “frustração”, esquecendo o número total de doses oferecidas e que tinham acabado de trazer justamente 2 milhões da AstraZeneca importadas da Índia.
O mais engraçado é que o Bolsonaro celebrou até a chegada de 842 mil doses da Pfizer pelo Covax não faz nem muito tempo.
Em mais uma justificativa, teve o contrato. Um ponto era o depósito em um fundo garantidor – algo que até a União Europeia fez. E que o Brasil já acatou hoje.
A última questão contratual levantada foi sobre a responsabilidade civil por efeitos colaterais. Mas, vejam bem, em nenhum momento se falou da necessidade de fazer uma lei. Na verdade, o tom do discurso é nacionalista, como se estivessem subjugando o país. Desculpinha.
No restante da nota, o Governo reclama do laboratório não ser responsável pelo diluente da vacina, que na verdade era... soro fisiológico comum.
11/02 - Pazuello admite que o problema para fechar um acordo não eram as dificuldades logísticas, mas sim as “cláusulas leoninas”.
Só então viria uma nova justificativa: a falta de aprovação da Anvisa, que em tese seria preciso aguardar isso. O Governo Federal ignorava que fechou acordos com Covaxin e Janssen antes do aval da agência e que países como Israel e Chile se deram bem pela aposta antecipada.
NO FINAL DE TUDO, depois de toooodas essas justificativas esfarrapadas, veio a questão da Lei 14.125/21, como se ela fosse necessária. É, claro – tão necessária que o contrato com a AstraZeneca, contendo a mesma cláusula, foi fechado antes. É só mais uma desculpa esfarrapada.
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BOLSONARO ASSUMIU PROPOSITALMENTE O RISCO DE MATAR BRASILEIROS
Pautado por uma ideia absurda de que “70%” do país pegaria o vírus e seria melhor acelerar o contágio, o presidente estimulou a infecção e, no mínimo, assumiu o risco de provocar, como resultado, a morte.
Segue o 🧶
Na pandemia, o termo “imunidade de rebanho” ganhou popularidade: a ideia é que, com uma certa porcentagem de pessoas infectadas, a transmissão da doença seja interrompida. É para deixar tudo aberto então? Especialistas desaconselhavam: milhões morreriam. bbc.com/portuguese/int…
A tese de que o contágio da população ajudaria a alcançar a imunidade coletiva mais rápido, e que isso valeria a pena, não era inédita: no Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson chegou a querer botá-la em prática, mas foi demovido por um estudo. oglobo.globo.com/sociedade/estu…
Eu tenho preguiça das pessoas que insistem que não existe nenhum risco democrático porque, em primeiro lugar, a erosão democrática já aconteceu e segue a pleno vapor. Ninguém disse que com certeza teria um golpe, mas sim que um autoritário no Poder Executivo era um risco enorme.
Em relação a um golpe de estado propriamente dito, vale destacar que a literatura moderna sobre crises democráticas existe justamente porque uma ruptura abrupta é cada vez menos comum, perdendo espaço para os “autoritarismos competitivos” de países como a Hungria de Orbán.
Mesmo assim, ao contrário do que nos acostumamos no planeta, vimos golpes militares tradicionais acontecerem, nos últimos anos, na Bolívia e em Myanmar, por exemplo. Não quer dizer que vai acontecer aqui. Mas o risco voltou a existir, o que por si já mostra a erosão que ocorreu.
“Da China nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população pela sua origem. Esse é o pensamento nosso"
Por acaso parece a postura de um presidente que busca comprovação técnica? Pois é. Bolsonaro falou isso em outubro.
O contexto já é amplamente conhecido: João Doria, governador de São Paulo, assinou um acordo com o laboratório Sinovac para a produção de vacinas pelo Instituto Butantan. Bolsonaro proibiu a compra da “vacina chinesa do Doria”. Até ser forçado a mudar, mas já era janeiro.
Galera, não caiam na falsa dicotomia entre “privado” e “público”. A questão é a natureza do FUNDEB, que serve pra distribuir recursos à educação básica objetivando reduzir as desigualdades entre redes de ensino. O destaque tirado pelo Senado beneficiaria municípios mais ricos.
A redistribuição dos recursos é pelo número de matrículas. A questão aqui: quais são os municípios onde têm mais mercado para instituições privadas filantrópicas, comunitárias e confessionais? Os mais ricos. A regra aventada na Câmara tiraria dos mais pobres, com menor IDHM.
Para quem quiser saber mais, basta ler a thread do @callegaricaio, a quem não conheço, mas que deu uma verdadeira aula. Ele mostra até mesmo alguns exemplos: no Rio de Janeiro, a cidade de Belford Roxo perderia recursos para Niterói. Ouçam os especialistas, como @TodosEducacao.
RETROSPECTIVA DE UM GOLPE QUE POR POUCO NÃO FOI: a thread
Ninguém pode esquecer que, no ano de 2020, em meio à pandemia, o presidente da República tentou dar um golpe. Ele chegou a decidir intervir no STF, só desistindo após ser convencido do contrário. A democracia quase ruiu.
15/03/2020: Contrariando as recomendações médicas e o seu próprio ministro da Saúde, Jair Messias Bolsonaro prestigia um protesto a favor do Governo – e com teor antidemocrático –, sem máscara e promovendo aglomeração. Tinha até faixa de AI-5. E o país entrava em quarentena.
24/03/2020: Em pronunciamento na televisão, o presidente questionou as medidas de isolamento social adotadas por governadores – que tentou boicotar –, chamou a COVID-19 de “gripezinha” e – como mostra o vídeo – atacou a imprensa em rede nacional, diante de todos os brasileiros.
Vocês têm que entender que uma eleição pode ser injusta mesmo sem fraude. Afinal, democracia não se faz apenas através do voto. Um regime autocrático pode prender os líderes da oposição, por exemplo, ou minar a liberdade de expressão e o debate. Há meios de injustiça sem fraude.
A questão da Venezuela *normalmente* é de um ambiente autoritário que convive com eleições injustas, mas não fraudadas. As urnas eletrônicas de lá contam com um “recibo” para o eleitor conferir seu voto. Ele o deposita fisicamente na sua seção e tem-se dupla checagem: sem fraude.
Foi assim que, a despeito de um regime hostil à liberdade de expressão e de imprensa, uma Assembleia Nacional de maioria oposicionista saiu vencedora do pleito de 2016. Mas o autoritarismo não aceitou isso: o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) removeu os poderes do Congresso.