Tom é um homem de 58 anos que vivia uma vida desregrada.
Certo dia, teve dor torácica intensa irradiando para os dois braços. Como a dor não cessou espontaneamente, pegou um Uber até o hospital. Ao chegar lá, esse era o ECG:
Ao ver o ECG, o médico descartou Infarto com supra e indicou Dipirona.
Mal sabia o médico, mas Tom tinha uma oclusão coronária aguda total de uma das suas artérias epicárdicas. E o médico não considerou a hipótese de falso negativo.
Vamos aprender a nunca cair nessa armadilha?
Para a resolução desse caso, preciso lembra-los que a Medicina é uma ciência probabilística.
Ao entrar em um PS com dor torácica, a probabilidade de haver uma isquemia aguda (não necessariamente OCA) é de 25% (dados de estudos prévios).
Tom tinha uma dor que irradiava para os dois braços. Essa característica aumenta em 4,1x a chance de infarto agudo.
A probabilidade de infarto com essa informação foi para 58%.
Depois (com nova probabilidade calculada de 58%), Tom fez o ECG e foi negativo para a presença de supra. Qual a acurácia desse achado?
Bem baixa. Sabemos que até 30% dos pacientes podem ter OCA sem supra de ST.
Ioannidis já fez uma bela meta-análise para detectar a acurácia do ECG. Desse estudo, saiu o melhor dado que temos até hoje:
Como o ECG foi negativo, usamos a RV- de 0,33, e isso fez com que a probabilidade caísse para 31%.
Ainda há 31% de probabilidade calculada de que Tom esteja AGORA com uma oclusão coronária aguda.
O protocolo de atendimento de infarto baseado por diretriz (paradigma "supra" x "sem supra") não é capaz de detectar casos assim porque ele é uma super-simplifcação didática.
Precisamos ir além dele. É por isso que eu defendo o uso do paradigma OCA x NOCA ao invés.
Por protocolo, esse paciente faria ECGs seriados que poderiam ficar sempre negativos como estão.
E também faria uma troponina, que, em alguns serviços, demoram até 2 horas para o resultado.
Não dá pra ficar 2 horas com OCA sem tratamento definitivo.
A ausência de melhora da dor com Nitratos (não com dipirona, muito menos com morfina, que ilude o paciente e o médico) fala a favor de uma das seguintes hipóteses:
- Falso negativo
- Outro diagnóstico que não responde a nitratos (dissecção, TEP...)
O legal disso é que pra aprender a manejar um caso assim, precisa saber e correlacionar:
- ECG
- Condução clínica
- Raciocínio probabilístico
E em um curso inédito no Brasil, eu discuto ECG, mas não só suas alterações. Vamos além:
- A aplicação clínica
- O raciocínio bayesiano pelo ECG
Em turmas pequenas, privadas e com casos da vida real.
É o ECG Private Class. Pra conhecer um pouco mais dele: ecg.sanarmed.com
- ECG em alto nível NA PRÁTICA
- Abordagem sistemática do paciente grave
- MBE em alto nível
- Raciocínio probabilístico
- Casos da vida real.
Esse é o Private Class.
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Pra coroar o lançamento do livro “Manual de MBE”, eu e a Sanar montamos uma jornada IMPERDÍVEL com muita gente boa pra falar de ciência, evidência científica de qualidade, comunicação em ciência e tentar traçar alternativas pra melhora do nosso ensino. Segue o fio:
A live com a @TaschnerNatalia (Natalia Pasternak) já passou (foi dia 31/05, mas você pode rever em meu IGTV). Falamos sobre incerteza, evidências boas e evidências ruins..
No dia 04/06/2021, receberei a querida @luizacaires3 (Luiza Caires), jornalista e editora do Jornal da USP.
Vamos falar de jornalismo de ciências e divulgação de evidências científicas com responsabilidade.
Marca aqui seus amigos jornalistas!
Com o anúncio do estudo ACTION, tivemos a confirmação que médicos de todo o mundo caíram mais uma vez no canto do mecanicismo. A anticoagulação é a "cloroquina socialmente aceita".
Vamos entender a razão pela qual tantos médicos e leigos caíram nessa pegadinha cognitiva.
1. É plausível, mas nem tanto.
A anticoagulação profilática ou terapêutica é uma das terapias mais difundidas da Medicina. Tão difundida que parece ter fortes evidências do seu uso.
Mas não é bem assim.
1.1 O pontapé inicial da anticoagulação para TEV/TEP veio em 1960 com um estudo não-cego, não-randomizado, sem confirmação diagnóstica, interrompido precocemente.
"Ah, mas há outros trials depois desse..." você diria.
Seu Ednaldo, 58 anos, funcionário de uma emissora de TV, dá entrada no PS por "síncope".
Foi solicitado um CATE e o paciente recebeu um stent (lesão entre 70 - 90% na DA).
Mas ele não infartou e o stent foi mal indicado. Quais erros e vieses cognitivos foram cometidos aqui?
1o erro: "garbage in, garbage out". Assim como em uma meta-análise, se os dados que você recebe são lixo, sua interpretação também será um lixo.
Em uma conversa mais detalhada, Ednaldo conta que teve uma sensação que ia desmaiar e ficou fraco. Não perdeu a consciência.
2o erro: "negligência da taxa base". É o viés cognitivo presente quando o médico não pratica o raciocínio clínico bayesiano. Isso se faz quando o médico ignora o paciente, passando a interpretar apenas o exame.
Meta-análise da Nature conclui que a Hidroxicloroquina pode estar associada a uma maior letalidade e Cloroquina não tem efeito.
E por que devemos acreditar nela e não na c19study? Por que acreditar nela e não no seu médico leigo? Segue o fio.
A meta-análise, de acordo com o novo conceito de pirâmide fluida da MBE, é como uma lupa. Ela é usada para amplificar o resultado de diversos estudos. Quando apontamos uma lupa para o lixo, amplificamos lixo. Quando apontamos uma lupa para estudos de qualidade, obtemos respostas.
Matemáticos e médicos sérios não precisam usar de métodos estatísticos não aplicáveis para convencer ninguém. Não há paixão por uma causa, nem viés político ou financeiro. Há sim a busca pela melhor evidência. Agora vejamos como alguém sério faz uma meta-análise.
Qual RCT testou maracugina em dias de lua cheia, com desfechos duros, que tinha RT-PCR...?
Achou estranha a analogia? Então você precisa conhecer a "inversão do ônus da prova" contido nesse print.
Isso contribui para que as falsas narrativas conspiratórias nunca morram.
Quando uma ideia nasce, ela precisa ter uma plausibilidade pra ser testada. Com a plausibilidade, temos:
- Uma pequena probabilidade que seja realmente eficaz.
Não temos: prova que funcione.
O maracujá, por exemplo, tem ação antiviral
Como deve ser interpretado um dado plausível em Medicina?
- Precisamos fazer estudos para testar se Maracugina funciona mesmo no mundo real.
O que não deve se fazer?
- Não se deve pedir provas de ineficácia de algo que nunca comprovou eficácia em primeiro lugar.
A nossa sociedade está pronta para uma Medicina Baseada em Evidências?
Não médicos respondem:
a) “Vou passar esse remédio pra você e pra outras 24 pessoas para que 1 delas não tenha um AVC. 1 delas também terá hemorragia”
b) “Se você tomar esse remédio certinho, não terá AVC”
Na minha opinião, o modo B de informar, apesar de parecer inócuo, leva a uma super-simplificação dos tratamentos médicos.
Ao apertar a mão do paciente, informando que ele não terá um AVC, o médico omite fatos importantes:
Quando um médico prescreve algo (ou intervém em algo), ele oferece probabilidades:
- De melhorar
- De piorar
O médico baseado em evidências também reconhece o papel da história natural das doenças.
Então os 25 pacientes devem ser interpretados assim: