A quarta eliminação do Palmeiras numa disputa de pênaltis em 2021 é sinal de uma dificuldade cada vez mais aparente: criar contra defesas fechadas.

Pode parecer que o problema está no elenco.

Não é isso. O desafio é mais difícil: mudar o modelo para novos desafios. Vem no fio👇
Primeiro de tudo: criar jogo é um mecanismo coletivo. Não depende de um camisa 10 com poderes mágicos, como diz o imaginário popular.

É um engrenagem que envolve movimentos sem a bola para tirar o adversário do lugar e abrir espaço para alguém, como o volante ou o camisa 9.
Abel Ferreira opta por criar espaço a partir de um jogo direto. Veja bem: não é chutão, não é bagunça, é direto. Rápido, sem firula, com passes para frente e agilidade pra chegar ao gol.

Esse jogo direto tem dois mecanismos claros: a saída de três e infiltrações dos atacantes.
Com a saída de três, o Palmeiras coloca seus jogadores mais rápidos perto da defesa do rival, e explora o potencial de condução de bola do Gómez ou do Luan. É como se a zaga tivesse o papel de levar a bola até perto da área, e aí é correria e tabela pra chegar no gol.

Veja.
Veja que esse desenho permite que Rony, Wesley ou outro atacante não fique restrito à ponta, mas possa jogar mais por dentro, próximo dos zagueiros que costumam ser mais lentos.

Quem aproveita isso é Rony, principal jogador do Palmeiras com Abel.
Rony virou artilheiro porque saiu do lado e colocou sua velocidade para explorar as costas da defesa, correndo o tempo todo para receber em profundidade.

Não apenas ele: Veiga cresceu assim, Luiz Adriano cresceu assim, o time todo cresceu com esse jogo direto.
Essa matéria explica bem como Rony se transformou com Abel. globoesporte.globo.com/futebol/times/…
Pode parecer irônico, mas o Palmeiras vai tão bem nesse tipo de jogo direto e vertical que quando enfrenta um cenário diferente, entra em pane.

Que cenário é esse?

Justamente o que o CRB fez no Allianz Parque: uma defesa colada na área e zero espaço para correr atrás dela.
O CRB marcou com duas linhas de quatro, bem compacto, com a defesa bem alinhada. Nada de novo até aí.

O que muda é que essa linha de defesa foi tão baixa e estreita que tirou o campo do Palmeiras jogar em profundidade.

Podia ser outro time: o que importa é o contexto.
Olha aí a saída de três, com o Luan conduzindo e um lateral, Victor Luis, por dentro. É o mesmo modelo de sempre, com o Wesley e o Mayke dando amplitude, bem abertos, para que Rony, Luiz Adriano, Veiga e Scarpa pudessem "bagunçar" a defesa do CRB.
Depois da saída de três, o Luiz Adriano saía da área, o Rony trocava com o Mayke e a ideia era que esses três jogadores pudessem levar a defesa para a frente e criar espaço para Rony ou Wesley correrem.

Só que o CRB não caiu na armadilha e deixou a defesa sempre baixa.
Essa defesa mais atrás tirava o campo do Rony. Olha ele aí, fazendo a mesma coisa de sempre. Mas a distância que tem para correr (e distância significa tempo) é muito menor que outros cenários.
Quando ficou claro que o jogo por dentro não fluiu, o Palmeiras tentou acionar os lados. E novamente encontrou um cenário que não domina: uma defesa baixa, neutralizando quem vem de trás e cobrindo as descidas do lateral para marcar quem recebe a bola.
Furar uma defesa dessas é um dos desafios mais ingratos do futebol. É o típico "falso" jogo fácil, como o Barreto me disse um dia no SporTV.

Não precisa só de talento, de calma ou de tática.

Precisa de uma concentração absurda para aproveitar as poucas chances criadas.
E como quebrar essa retranca?

1) Gira a bola de um lado para o outro até abrir espaço no lado oposto.
2) Posiciona jogadores nos espaços vazios, como aqui. Assim, quem recebe "chama" um marcador e abre espaço no campo.
3) Aposta nos cruzamentos ou na bola parada.
O Palmeiras até seguiu essas "receitas", mas o que faltou foi coordenação. Quem se posicionava nos espaços recebia a bola, mas não girava a tempo de tocar para quem aproveitou o espaço vazio. E de novo, o CRB cobrindo qualquer lacuna.
Não é fácil criar jogo contra defesas fechadas. Para o Palmeiras, fica ainda mais difícil porque o forte do time, o que potencializa o elenco, é ter espaço para acelerar.

Não dá pra mudar modelo como se troca de cueca.

Leva tempo, treino..e sim, novos jogadores também.
Ser eliminado pelo CRB é péssimo.

Mas não são surtos como "tira o Abel", "troca o elenco" ou "joga de outra forma" que vai resolver.

O Palmeiras precisa evoluir seu modelo de jogo. O que leva tempo e a permanência de um treinador que já mostrou capacidade.

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