THREAD: Congresso e o Hiperpresidencialismo

O Congresso está cada vez mais independente e autônomo, capitaneando grandes temas e formulando políticas públicas. Olhando o passado recente, há inúmeros motivos e variáveis que transformaram o modo de ser do Parlamento.
Em 2009, com Michel Temer na Presidência da Câmara, uma mudança importante. Propostas de emenda à Constituição, projetos de lei complementar, decretos e resoluções foram autorizadas a serem votadas mesmo que a pauta ordinária estivesse trancada por Medidas Provisórias.
Foi uma vitória do Parlamento. Temer argumentou que "se a Câmara não encontrar meios que permitam o destrancamento da pauta, deputados irão passar “praticamente o ano todo sem conseguir levar adiante as propostas que tramitam por esta casa que não sejam as medidas provisórias”.
Celso de Mello afirmou que as razões dadas por Temer põem em evidência a crescente apropriação institucional do poder de legislar por parte do Executivo, "causando profundas distorções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo”.
Com a chegada de Dilma a relação entre Executivo e Legislativo deteriorou muito. Esse confronto quase permanente gerou algumas mudanças regimentais e legislativas importantes, que fortalecerem o Congresso e enfraqueceram o hiper-presidencialismo.
Em seu primeiro mandato, Henrique Eduardo Alves, então Presidente da Câmara, alterou a tramitacão de vetos presidenciais. No Brasil o presidente tem o poder de vetar leis aprovadas no Parlamento, mas a última palavra é dada pelo Congresso.
Historicamente governista o Congresso acabava aceitando os vetos como naturais. Na tensa relação entre Dilma e Congresso, isso mudou. Vetos presidenciais não analisados começaram a trancar pauta. O Congresso entendeu o poder do veto e ainda hoje o utiliza como forma de barganha.
O Orçamento Brasileiro é votado pelo Congresso e executado pelo Poder Executivo. Até pouco tempo, todo parlamentar apresentava emendas ao orçamento, propondo recursos a serem gastos em determinado projeto ou local de sua preferência.
O presidente tinha a palavra final e a usava disso politicamente. Parlamentares leais eram mais beneficiados. Em 2013 e 2015 o Congresso aprovou o “Orçamento Impositivo”, que obriga o Poder Executivo a executar emendas propostas por Deputados e Senadores. Foi uma revolução.
Os parlamentares não precisariam mais demonstrar lealdade para ver seus recursos executados no Orçamento Federal. O tempo de "pires na mão" e romaria ao Palácio em temos de orçamento diminuiu drasticamente. Claro, o Executivo tem maneiras de acelerar ou segurar algumas emendas.
Durante o governo de Jair Bolsonaro essas variáveis estruturais foram recebidas por um presidente que, a princípio, não quis seguir a receita do presidencialismo de coalizão. A realidade rapidamente se impôs.
Com medo de ver a história se repetir Bolsonaro tentou criar uma base aliada, trazendo para dentro de seu governo os partidos de centro que ele outrora criticava.
Isso o ajudou a vencer batalhas políticas significativas e deu-lhe uma camada extra de proteção em um país onde o impeachment é historicamente comum, além de ser aberto e votado exclusivamente pelo Congresso.
Mas mesmo em seus esforços para criar uma base aliada e seguir a receita do presidencialismo de coalizão, as coisas não são as mesmas de antes, e muito provavelmente nunca serão. Por exemplo, o presidente Bolsonaro viu vários de seus vetos serem anulados pelo Congresso.
Diversas propostas consideradas ideologicamente distantes de um Congresso mais centrista que ele nem sequer são analisadas. Ministros polêmicos como Abraham Weintraub (Educação) e Ernesto Araujo (Relações Exteriores), criticados pelo Congresso, perderam o cabo de guerra e caíram.
A recente mudança no "Kit Obstrução", feita por Arthur Lira foi vista como uma vitória do Governo. No cenário atual, sim. Mas estruturalmente é uma vitória dos caciques do Congresso. "Kit Obstrução" não é apenas usado pela oposição, mas também pelo Governo.
Fazer parte da base aliada do governo ainda é bom negócio, mas não mais com a intensidade do passado. O governo ainda tem MUITOS meios de atrair o Congresso para o seu lado, mas não é mais uma discussão unilateral.
O Congresso agora é um fórum com um nível significativamente maior de autonomia e independência. E se sentem confortáveis assim. Eles não esperam mais que o Poder Executivo apresente suas idéias.
Propõem e discutem de forma proativa temas que antes eram naturais que fossem iniciadas pelo Executivo, como a Reforma Tributária. Essa autonomia recentemente conquistada do Congresso impeachou Dilma, mudou Bolsonaro e continuará ajustando o debate político no Brasil.

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24 Mar
Governadores enviaram carta aos presidentes da Câmara, Arthur Lira e do Senado, Rodrigo Pacheco, pedindo auxílio emergencial de R$ 600.

A Emenda Constitucional que abriu caminho para o pagamento do auxílio limita os recursos a R$ 44 bilhões.
Além disso, a MP com a nova rodada de pagamento já foi publicada.

No momento, é muito baixa a chance do pedido prosperar. No futuro, dependerá dos desdobramentos da pandemia e do ritmo de vacinação.
Por outro lado, a pressão pode fazer com que novas medidas ganhem força como, por exemplo, um novo Refis.
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2 Feb
A vitória de Lira cria um bom ambiente para a agenda do Governo. Mas a base aliada, potencialmente imaginada, ainda não foi formalmente criada nem testada. Quais os dois riscos no curto e médio prazo?
1. Que acordos não sejam mantidos. Para isso, Planalto e Líderes precisam ser metódicos, organizados e rápidos. O Centrão pode ser fiel, mas é, em primeiro lugar, fiel a ele mesmo.
2. O segundo risco é mais subjetivo e imprevisível. Eventualmente Lira irá apoiar ou avançar pautas que o Governo é contra. Ou simplesmente não conseguirá segurar um consenso em torno de um assunto. Mesmo que raro, isso acontecerá. Como o Governo vai reagir?
Read 5 tweets
1 Feb
Nosso último levantamento semana passada apontou Lira eleito no primeiro turno com 288. Bom p/ reformas? Sim. Reformas são maratonas, vitória de Lira é sprint inicial. Não confundir voto em Lira c/ apoio incondicional às reformas. Gov terá que priorizar, comunicar e trabalhar.
Se não tratar reformas como prioridades, serão sugadas pelo pântano de Brasília. Achar que Congresso vai digerir reformas naturalmente só pq Lira ganhou é wishful thinking. Caso Lira vença, governo terá outros desafios.
Comunicar reformas de maneira eficiente. Evitar atritos desnecessárias com Congresso. Escolher suas batalhas. Mapear cuidadosamente sua base aliada.
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19 Jan
Auxílio Emergencial // Arko Advice

1. Mantemos nosso call: extensão do auxílio emergencial é improvável. Se for proposto por Parlamentares, por estarmos fora do estado de calamidade, precisa indicaria fonte de recurso. Poderia ser por MP? +
2. O § 3º, Art. 167 da Constituição diz:§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.
3. Há duas leituras sobre o artigo. Uma delas é de que haveria necessidade de um novo estado de calamidade pública vigente, reconhecido pelo Congresso, tal qual ocorreu na primeira concessão do auxílio. A mais aceita, inclusive por consultores legislativos, pensa diferente +
Read 8 tweets
17 Jan
1. A discussão do impeachment de um Presidente, justa ou não, com mérito ou sem, precisa ser avaliada a partir de algumas variáveis. Impeachment não tem receita de bolo, mas tem algumas pistas históricas, institucionais e comportamentais que precisam ser levadas em consideração.
2. É um processo mais político que jurídico. Claro, precisa de um mínimo de recheio, mas a decisão é aberta pela Câmara e julgada pelo Senado. Ou seja, motivações políticas, sejam elas por sobrevivência, pressão ou interesse, são o carro chefe do processo.
3. Impeachment é primeiro motivação, depois motivo. Essa é a verdade. Claro, podemos ter situações onde o motivo seja tão forte que a motivação é gerada por consequência. A motivação, repito, é criada por algumas variáveis, como expliquei no tweet anterior.
Read 9 tweets
6 Jan
Formalização dos votos do colégio eleitoral. Passo a passo e pontos chaves:

- Câmara e Senado se reúnem para formalizar os votos nos estados. O VP Mike Pence é preside a sessão.

- Pence irá abrir os envelopes dos estados + DC, declarando o voto dos delegados daquele estado.
- O papel de Pence segundo a constituição é:

The President of the Senate shall, in the presence of the Senate and House of Representatives, open all the certificates and the votes shall then be counted.
- Contestações podem ser feitas e dependem de apenas um membro de cada casa. Isso deve acontecer. Neste caso, Câmara e Senado se reúnem de maneira independente e votam a contestação. Esse processo demora duas horas.
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