Fui chamado de ‘neoliberal’, ‘fascista’ e ‘minion’ por defender a privatização dos Correios.
Se ‘neoliberal’ quer dizer thatcherista, obcecado por uma fantasia de Estado mínimo, não sou.
Fascista? É só mostra de que gente demais não leva o termo com a seriedade que devia.
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Não sou economista. Não sou especialista em logística.
E não acho que preciso ser.
Isso tem a ver com visões de mundo, de papel do Estado, e é importante termos esta conversa.
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Das três repúblicas com eleição para presidente, esta Nova República foi a melhor. De longe. Estabilizamos a moeda e demos poder de consumo a um sem número de brasileiros.
Ainda assim, a gente tem de constatar que o Estado brasileiro fracassou no importante.
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Nossa educação pública é muito ruim. Não oferece nem de perto o que básico para que milhões de crianças tenham uma chance na vida. Isso é de uma crueldade ímpar.
Temos polícias que atuam nas favelas e periferias como capitães do mato.
Nossa segurança pública é barbárie.
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A Saúde pública é melhor, mas tem problemas sérios.
Fomos capazes de preservação ambiental em vários momentos, mas incapazes de gerar uma economia verde. Logo nós que temos um potencial raro no mundo para fazê-lo de forma barata.
Somos irrelevantes em ciência no mundo.
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Consertar esses problemas, na minha opinião, são a prioridade do Estado.
O que nosso passado diz, não importa se com petistas ou tucanos no governo, é que resolvê-los exige mais do que a máquina do Estado hoje é capaz de entregar.
Ao mesmo tempo, temos um apagão de gestores.
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Há simplesmente menos gente com alta capacidade na gestão pública. Os que aparecem, secretários disso e daquilo, ficam girando e estão sempre empregados nos estados.
Há poucos. Precisamos de todos, focados, concentrados.
E ainda vamos precisar tirar gente do privado.
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Isto quer dizer, sim, ter um serviço público que paga mais, que faz ofertas. Isto quer dizer, sim, ter um funcionalismo eficiente e dedicado. Em inúmeros casos, sim, com estabilidade.
Muitas funções requerem benefícios do tipo.
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Mas isso também quer dizer constatar que o Estado, como funciona hoje, não funciona.
Quem diz que funciona precisa explicar os números no Pisa. Precisa explicar as cadeias cheias de jovens negros de quem foi arrancara uma chance de futuro. A polícia que mata.
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Um dos resultados deste Estado disfuncional é que ficamos à mercê de demagogos que reforçam preconceitos para vender soluções fáceis.
Não bastasse os problemas que devíamos ter resolvido no século 20, há os do século 21.
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Estamos entrando numa era em que cérebro = PIB. Tecnologia = PIB.
Não cultivamos os cérebros que nasceram nos últimos trinta anos como devíamos ter feito. Vamos precisar importar — na China e na Índia certamente há gente que topa imigrar.
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Automação vem aí. Pesadamente. Quem não automatizar vai ver seu negócio quebrar. Má ideia. Precisamos de negócios pagando impostos para sustentar o Estado.
Mas isso quer dizer, também, que o Estado precisará de programas de renda mínima. Pois é. Suplicy estava certo.
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Quer dizer, também, que nesta fase de transição precisaremos de um Estado dedicado a garantir dignidade para todos. Liberdade vem junto com Igualdade de oportunidades e, o que dá liga à mistura, Fraternidade.
Foco. Foco. Foco.
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Quanto maior o setor privado no país, mais capaz será o Estado de se financiar para a empreitada que tem pela frente. Impostos.
Setor privado grande não quer dizer vinte multinacionais. Quer dizer milhões de empresas de dez funcionários.
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As periferias do Brasil já são, na informalidade, um boom de gente cheia de ideias, ambições, que se burocracia fosse um pouco mais simples, tributação idem, formalizava num tempo.
Isso envolve um baita programa de titulação e regularização de imóveis.
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Este não é um país que ajuda as pessoas a crescerem. Precisa ser. É para isso que Estado serve: para garantir o necessário para que cada um seja seu melhor.
Então a questão não são os Correios. A questão é que o Estado gere empresas demais. Em geral, muito mal.
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Quem acredita que os Correios são bem geridos porque num ano de boom de ecommerce teve lucro, uma empresa que não paga impostos, perdoem.
Os Correios estão na Idade da Pedra da tecnologia.
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Por que a Amazon se tornou dominante no ecommerce americano?
Porque lá não havia uma estrutura de entregas eficiente e a Amazon criou a sua. Virou monopólio.
A mesma coisa vai acontecer no Brasil brevemente. Teremos monopólios de ecommerce pq as gigantes já estão se mexendo.
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Se tivéssemos uma infraestrutura de entregas nacional, barata e com eficiência necessária, qualquer um poderia entrar na briga.
Estamos chegando na era dos drones e veículos autônomos e a ECT chama seu chatbot de inteligência artificial.
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Esse debate, de qualquer forma, é acessório.
E se o projeto de privatização dos Correios tiver o quilate do apresentado para a Eletrobrás, melhor mesmo que não seja feita por este governo.
O importante não é este debate. O importante é o debate sobre o Estado que queremos.
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Precisamos parar de ter essas discussões com o maniqueísmo de Thatcher de um lado e Getúlio do outro.
São figuras velhas, do século passado, com filosofias ultrapassadas. A realidade mudou. Os desafios são outros.
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Estamos perante uma nova Guerra Fria entre EUA e China, com matemática, digital e biotecnologia no centro, os combustíveis fósseis rumo ao seu fim, e mesmo na esquerda o futuro da Petrobras mobiliza mais do que o futuro da Amazônia.
Estamos com o foco errado, gente.
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O pesadelo Jair Bolsonaro vai passar.
A gente precisa reconstruir os discursos.
Vamos discutir o que é estratégico para o país? Simbora.
Ajuda se começarmos olhando para a geopolítica do século 21, não a do 20.
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A nota das Forças Armadas contra a CPI da Covid é completamente descabida, é uma ameaça ao Senado da República que não tem espaço numa democracia.
Forças Armadas não devem se manifestar politicamente. Ponto.
Mas há nuances que precisamos levar em consideração.
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Houve Golpes de Estado com envolvimento militar em 1889, 1891, 1930, 1937, 1945, 1955 e 1964. Só um fracassou.
O Brasil tem pleno direito de olhar para as Forças Armadas com uma profunda desconfiança de suas convicções democráticas.
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São os militares que precisam provar que mudaram, não o contrário.
Com gestos como o do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas, que ameaçou o STF, ou com esta nota, o que os militares fazem é reforçar a impressão de que ainda entenderam seu papel numa democracia.
O problema de Jair Bolsonaro não é que ele é de direita.
O problema é que, sendo presidente, ignora ciência no meio de uma pandemia.
Não comprou vacinas porque lidera um governo onde inteligência e método de gestão são vistas com desconfiança.
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O problema de Jair Bolsonaro é que ele é um poço de preconceitos: contra mulheres, LGBTQ+, negros, indígenas.
Seu problema é que, sendo ignorante, não percebeu ainda que a Amazônia é o bilhete premiado de entrada do Brasil no século 21. Inclusive economicamente.
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Ele é autoritário. Não deseja um sistema com divisões entre três poderes independentes que se vigiam e se contrapõem uns aos outros — quer mandar em tudo.
É bárbaro. Defende que polícia deve ter poder de execução sumária bastando para isso a opinião do policial na hora.
Um problema é legal, por dois ângulos. Pela Constituição e pela LGPD.
Todos nossos direitos políticos — livre expressão, livre assembleia, livre manifestação — são garantidos com uma ressalva explícita. É vedado o anonimato.
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Há um motivo para isso.
A conversa sobre política na sociedade tem de ser aberta.
É assim que democracias sobrevivem.
É duro se opor à onda bolsonarista com cara aberta?
Acreditem. É.
Muita gente o faz.
Mas os direitos políticos no Brasil estão ancorados na identidade.