Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
O médico que só trabalha com esses valores está despreparado para exercer raciocínio clínico.
Vamos a uma enquete em que isso se provará verdade:
1. Sabendo que a especificidade do ECG para diagnosticar oclusões coronárias agudas é 97%, qual a probabilidade de uma pessoa aleatória ter supra de ST e não ter infarto?
A resposta correta a essa pergunta é “impossível saber” por conta de um simples fato:
- Sensibilidade e especificidade partem de um dado que o clínico, na maioria das vezes, não sabe:
Quem é doente? Quem não é doente?
Está em dúvida? Vamos revisar a definição desses dois parâmetros:
Por necessitar de um dado que o clínico não possui (“quem tem a doença?”), então esses dados, sozinhos, não têm utilidade na prática clínica.
O dado que falta é a probabilidade clínica do doente individual ou prevalência da doença na população em que o doente está inserido.
É aquela velha máxima: “a clínica é soberana”.
Significa que sem clínica, os exames não servem de nada.
Na minha opinião, esse é um dos maiores problemas da formação médica atual.
A maioria dos médicos acha que sensibilidade e especificidade, sozinhas, são úteis para o raciocínio.
Uma boa parte sequer considera que exames podem ser falsos.
Isso cria uma bola de neve assustadora que envolve, inclusive, leigos.
É só ver os comentários desse post em que tentei explicar que exames sem clínica não servem:
Leigos (na maioria bem intencionados mas mal ensinados pelos médicos) confundiram o que eu falei com:
- Exames não servem
- Um exame nunca foi bom pra você
- Exames são melhores do que médicos (??)
Existe um viés cognitivo para aqueles que não consideram a clínica ou a epidemiologia na leitura de um exame:
- Viés da negligência da taxa base.
Um médico que se forma sem ouvir falar da palavra “bayesiano” está fadado a cometer esse viés em cada exame que avaliar na vida.
Tomando por base os seus conhecidos e seu próprio curso, você acha que quantos % dos médicos brasileiros ouviram falar em “Raciocínio bayesiano” na faculdade de Medicina?
Quantos livros de Medicina brasileiros trazem o valor preditivo positivo e negativo e também as razões de verossimilhança de um exame e não apenas a sensibilidade e a especificidade?
Toda essa questão está discutida aqui no capítulo 8 do meu livro de Medicina Baseada em Evidências:
E aí? Vamos nos juntar ao time daqueles médicos que evitam a negligência da taxa base e analisam corretamente os exames?
Ah e a resposta à enquete, agora usando o teorema de Bayes e partindo da soberana clínica.
Para uma pessoa com 0,1% de probabilidade de estar infartando, um ECG com supra vai errar em 97,81 dos casos.
Isso mesmo.
VOCÊ PRECISA APRENDER ISSO.
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Em Medicina, existe uma limitação poucas vezes confessada em consultório (porque isso quase que invariavelmente se traduz em demonstração de fraqueza): é que esse é um ofício de incerteza.
Nesse fio, eu discorro sobre a natureza probabilística da Medicina.
A Medicina é uma ciência da incerteza porque:
1. Trabalhamos com incerteza na interpretação de exames 2. Trabalhamos com incerteza na interpretação da resposta dos pacientes às terapias
Vou explicar ambos.
1. Incerteza na interpretação de exames:
Nas mãos de um médico minimamente bem formado, a interpretação de um exame não é “positivo x negativo”, mas “verdadeiro x falso positivo, verdadeiro x falso negativo”.
Só isso já acrescenta uma camada de dificuldade maior à profissão.
Um congresso on-line com várias autoridades discutindo diferentes aspectos da Medicina. Esse é o Sanarcon 2021. E vai acontecer esse sábado, 18 de setembro.
Vou elencar aqui algumas razões para você, médico ou estudante, não perder esse congresso de altíssimo nível. Segue o fio.
A querida Natalia Pasternak (@TaschnerNatalia) vai falar sobre "Ciência no cotidiano", tema que dá nome a um dos seus livros.
Ela vai trazer razões pelas quais nós devemos ser críticos e educados quando analisamos evidências científicas.
Seguindo a mesma linha, Luis Correia (@LuisCLCorreia), uma verdadeira inspiração para mim e muitos outros médicos, falará sobre a "Incerteza na Medicina".
Esse é um tema da maior importância, visto que nossa ciência é uma arte de probabilidades e não há como fugir disso.
- Para o clínico, sensibilidade e especificidade (essas duas informações apenas, e nada mais):
Ainda para a minha bolha:
- A maioria dos médicos:
E por último:
- O ensino médico, em geral, deixa claro o problema nessa questão e ensina método bayesiano probabilístico de interpretação de exames, dando ao aluno condições de perceber que está aprendendo algo insuficiente.
Imagine que você é convidado a participar como voluntário em um estudo científico sobre uma nova droga e, por alguma razão (em geral, fama ou dinheiro) os pesquisadores têm interesse em fazer esse remédio “dar certo”.
Um fio sobre o viés de alocação e sobre pensamento crítico.
Se fala aos quatro ventos que o padrão ouro da ciência é o estudo duplo-cego, randomizado, placebo-controlado.
O que não se fala é que não basta esse estudo existir que automaticamente deve ser aceito pela comunidade médica.
Ele precisa passar por avaliações metodológicas
Ser duplo-cego e randomizado significa que nem a equipe médica nem os pacientes sabem a que braço do estudo o paciente será alocado. Isso é feito para evitar subjetividades no processo, como a que eu citei no primeiro tweet.
Agora eu pergunto: você acredita em tudo que falam?
Uma das frases mais distorcidas por médicos leigos e charlatões é a máxima “a clínica é soberana”.
Essa frase deve guiar as atitudes de todos os médicos diariamente. E não é compreendida por muitos.
O que significa, então? Segue o fio.
1. Que a clínica é superior à cirurgia.
Não, cara pálida. (Para quem não é médico: existe uma implicância boba entre as duas especialidades).
Cirurgiões, obstetras, veterinários… todo mundo que lida com diagnósticos e tratamentos deve ser subordinado à clínica.
2. Que a clínica é superior à Medicina Baseada em Evidências.
Frases do tipo “quem sabe mais é quem tratou 300 pacientes ou quem tá sentado numa mesa avaliando estudos?” levam a crer que a ~atividade clínica~ é superior às evidências.
Também não é assim.