Por que tantos brasileiros acreditaram no conto de fadas de tratamentos que nunca foram sequer promissores? Por que vc ponderou se deveria tomar isso? Por que tantos médicos e convênios se aproveitaram de você para enriquecer?
Fiz esse fio com algumas razões dessa ilusão coletiva
1. Você acha que toda doença tem um remédio.
A famosa frase "esse doutor é ruim, não passa nada" leva médicos a prescreverem algo mesmo que não haja necessidade pra garantir satisfação. O paciente e o médico (leigo) acham que houve benefício mesmo que o nada já fosse suficiente.
2. Como os médicos (leigos) nunca ponderam que um exame pode ser falso positivo ou falso negativo, é passada a falsa impressão que sempre acertamos tudo.
Leigos têm facilidade de reconhecer os falso negativos. Quase nunca reconhecem os falso positivos, igualmente danosos.
3. Nós adoramos ser ou ter um bom paizão.
Médicos paternalistas, aqueles que tratam o paciente como um incapaz de compreender as questões envolvidas sobre sua doença têm vantagem por passar a impressão de domínio sobre a situação.
Falsa impressão.
4. Leigos e médicos leigos simplesmente não consideram o papel da história natural das doenças: como elas evoluem e com quais probabilidades os eventos ocorrem.
Para eles, Medicina é binária. Pegou doença, deve haver cura com remédio. Se não der remédio, então haverá a morte.
5. Você segue picaretas e charlatões que inventam doenças.
Veja lá se você segue algum médico que fala em:
- Modulação ou otimização hormonal
- Dosagem de testosterona em mulheres
- Soro da imunidade
- Dosagem de alumínio, cádmio, como check-up.
Se segue, você alimenta o sistema.
6. Você acha que médico bom é médico que pede logo um monte de exame.
E tem vontade de responder "prefiro vários exames a confiar no olho do médico" ao meu tweet.
Você e seu médico não sabem que quanto mais exames, maiores as probabilidades de resultados falsos. É matemático.
7. Você e o seu médico adoram uma boa explicação que faça sentido.
O problema é que o mecanicismo que você estimula (quando as coisas fazem sentido fisiológico) morreu.
Nosso corpo não está nem aí pra o que você acha que ocorre.
Vivemos a era das boas evidências clínicas.
8. Você faz questão de um bom check-up todos os anos. E só faz isso porque não sabe que em um check-up de saudáveis, a probabilidade de resultados falso positivos é invariavelmente maior que resultados verdadeiros.
E lá vai você passar por procedimentos desnecessários.
Viu só? Você deve ter recebido kit covid. E se não recebeu, foi por questões políticas ou porque teve sorte de acreditar em quem estava certo (desta vez). Mas sei que foi difícil.
Pra não ser um leigo ou médico leigo, sugiro meu livro, Manual de Medicina Baseada em Evidências.
Lá eu explico os fundamentos dessa nova forma de atuar como médico, como interpretar exames de maneira correta (sim, até isso é mal ensinado), e traço vários paralelos com a ultrapassada Medicina mecanicista e paternalista que vocês tanto admiram.
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Em Medicina, existe uma limitação poucas vezes confessada em consultório (porque isso quase que invariavelmente se traduz em demonstração de fraqueza): é que esse é um ofício de incerteza.
Nesse fio, eu discorro sobre a natureza probabilística da Medicina.
A Medicina é uma ciência da incerteza porque:
1. Trabalhamos com incerteza na interpretação de exames 2. Trabalhamos com incerteza na interpretação da resposta dos pacientes às terapias
Vou explicar ambos.
1. Incerteza na interpretação de exames:
Nas mãos de um médico minimamente bem formado, a interpretação de um exame não é “positivo x negativo”, mas “verdadeiro x falso positivo, verdadeiro x falso negativo”.
Só isso já acrescenta uma camada de dificuldade maior à profissão.
Um congresso on-line com várias autoridades discutindo diferentes aspectos da Medicina. Esse é o Sanarcon 2021. E vai acontecer esse sábado, 18 de setembro.
Vou elencar aqui algumas razões para você, médico ou estudante, não perder esse congresso de altíssimo nível. Segue o fio.
A querida Natalia Pasternak (@TaschnerNatalia) vai falar sobre "Ciência no cotidiano", tema que dá nome a um dos seus livros.
Ela vai trazer razões pelas quais nós devemos ser críticos e educados quando analisamos evidências científicas.
Seguindo a mesma linha, Luis Correia (@LuisCLCorreia), uma verdadeira inspiração para mim e muitos outros médicos, falará sobre a "Incerteza na Medicina".
Esse é um tema da maior importância, visto que nossa ciência é uma arte de probabilidades e não há como fugir disso.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
O médico que só trabalha com esses valores está despreparado para exercer raciocínio clínico.
Vamos a uma enquete em que isso se provará verdade:
1. Sabendo que a especificidade do ECG para diagnosticar oclusões coronárias agudas é 97%, qual a probabilidade de uma pessoa aleatória ter supra de ST e não ter infarto?
A resposta correta a essa pergunta é “impossível saber” por conta de um simples fato:
- Sensibilidade e especificidade partem de um dado que o clínico, na maioria das vezes, não sabe:
- Para o clínico, sensibilidade e especificidade (essas duas informações apenas, e nada mais):
Ainda para a minha bolha:
- A maioria dos médicos:
E por último:
- O ensino médico, em geral, deixa claro o problema nessa questão e ensina método bayesiano probabilístico de interpretação de exames, dando ao aluno condições de perceber que está aprendendo algo insuficiente.
Imagine que você é convidado a participar como voluntário em um estudo científico sobre uma nova droga e, por alguma razão (em geral, fama ou dinheiro) os pesquisadores têm interesse em fazer esse remédio “dar certo”.
Um fio sobre o viés de alocação e sobre pensamento crítico.
Se fala aos quatro ventos que o padrão ouro da ciência é o estudo duplo-cego, randomizado, placebo-controlado.
O que não se fala é que não basta esse estudo existir que automaticamente deve ser aceito pela comunidade médica.
Ele precisa passar por avaliações metodológicas
Ser duplo-cego e randomizado significa que nem a equipe médica nem os pacientes sabem a que braço do estudo o paciente será alocado. Isso é feito para evitar subjetividades no processo, como a que eu citei no primeiro tweet.
Agora eu pergunto: você acredita em tudo que falam?