Conforme prometido, vou fazer um fiozinho sobre luto - assunto sobre o qual falamos no @PodcastFinitude ao longo do ano todo, não só no #DiadeFinados - mas sabemos que datas assim podem nos deixar com as emoções mais afloradas 🧶
Uma pergunta filosófico-existencial-psicológica: luto acaba?
Existem leituras de que não. Algumas metáforas: "o luto não acaba, ele só muda de cor." / "Num determinado momento paramos de SER a dor para 'apenas' TER a dor." No entanto, a falta é permanente. +
A tendência é de que o 1º ano sem a pessoa querida seja o mais desafiador, pois passamos pelas 1ªs datas todas sem ela. O primeiro Natal, o primeiro Ano Novo, o primeiro aniversário da pessoa, o primeiro aniversário do enlutado sem o ente que partiu, o primeiro #DiadeFinados. +
Não é correto cravar, no entanto, que o luto terá acabado depois dali. E nem que seja uma regra que apenas o primeiro ano seja o mais desafiador.
Tudo depende de muitos fatores. O mais importante que a gente saiba é que o luto não tem regra, régua, métrica. +
O luto não é só tristeza, embora também. O luto é uma série de sentimentos e sensações, ora orientadas pra perda, ora orientadas para a restauração. E ta tudo certo.
Mandar alguém "superar" o luto é uma das coisas mais insensíveis que podemos fazer.
Existem as chamadas 5 fases do luto, né?
Negação, raiva, depressão, barganha, aceitação.
Sim, segundo Elizabeth Kübler-Ross. Porém, não é correto afirmar que essa vivência seja linear e nem que, com a chegada da aceitação, tudo acabe.
O luto é o amor possível depois da perda.
Não existe fórmula nem receita de bolo para lidar com alguém em luto. No entanto, precisamos partir do fato de que: cada luto é único, é uma impressão digital.
Não é pq eu já perdi meu pai que eu sei como é pra todo filho que já perdeu o próprio pai. +
A minha vivência pode, sim, acrescentar em algo, mas essa é a hora de mais ouvir do que falar. Não chegar com conselhos ou frases prontas de quem quer fugir da situação é o melhor caminho "supera" / "ele está num lugar melhor" / "mas já era velhinho, né?" são as piores coisas +
Claro que tudo isso é com o intuito de ajudar, mas mostra o quanto somos deseducados a lidar com a morte e com o luto e podemos acrescentar uma nova camada de dor a quem já está com a dor principal, que é a da perda +
Mais do que o que dizer, é se mostrar presente para a escuta sem julgamentos. Se deixar à disposição. Ser uma boia em que a pessoa sabe que pode se apoiar.
Soluções práticas também podem ajudar: fazer as compras e entregar na casa da pessoa, mandar um almocinho, um doce. +
Muitas vezes o enlutado está tão sem forças que acaba largando mão de cuidados básicos consigo mesmo.
Às vezes não tocamos no assunto com medo de fazer o enlutado lembrar da pessoa que partiu, mas fato é que o enlutado não esquece da pessoa que partiu +
Não raramente o enlutado está ANSIOSO pra poder falar da pessoa que partiu, rememorar histórias, contar sobre a saudade, e não há ambiente social que queira ouvi-lo. Falar em voz alta o nome da pessoa ou sobre as lembranças é um jeito de mantê-la viva de outra forma +
Contudo, precisamos estar preparados para qualquer tipo de reação de um enlutado. Se ele chorar, acolha. Se ele te pedir para ir junto a um show de rock, entenda que isso também é parte do luto. Mil coisas são. Precisamos sustentar o olhar e os ouvidos.
Temos este episódio do @PodcastFinitude chamado "Como lidar com alguém em luto":
O luto gestacional ou neonatal é considerado o que os psicólogos chamam de "luto não reconhecido".
Há uma série de lutos pouco ou nada validados socialmente, o que agrava ainda mais a condição dos enlutados. +
No caso da perda gestacional, por exemplo, a lista das frases ouvidas por pais e mães que perderam seus bebês é cruel DEMAIS.
"Você ainda é jovem, dá tempo de fazer outro."
"Ah, você ta grávida de novo, pode dar o mesmo nome!" +
Enfim, nem vou continuar reproduzindo as atrocidades.
Fato é que trata-se de uma morte sem contornos. Se uma avó morre, podemos perpetuar uma receita de família, uma roupa, um trejeito. Se um bebê que não havia nascido morre, de que vamos lembrar? +
É a morte das nossas expectativas, de uma vida sonhada, de uma família que iria crescer e não cresceu, dúvidas sobre o próprio corpo, culpa, infinitas sensações. Não são muitos os hospitais que têm um protocolo de acolhimento para pais e mães enlutados por perda gestacional +
Muitos impedem os pais de verem seus bebês... Ou entregam dentro de um saco, como se fosse um resto. Ou enfermeiras entram no quarto da maternidade perguntando sobre a amamentação, sem notar que aquela mãe acabou de ficar sem seu filho. +
Ter este luto pouco validade nos ambientes sociais é um agravante enorme. E ter uma expectativa social de superação, de choro demais ou de choro de menos, pode até mesmo gerar um desencontro entre o casal e, não raramente, há divórcios na sequência. +
Lembrei inclusive de um relato de um caso em que o bebê infelizmente nasceu morto. E, quando a mãe recebeu alta e o casal voltou pra casa, uma tia da família já havia desmontado o quartinho da criança e encaixotado tudo "pq ia ser melhor assim". Percebem o grau de violência?
No @PodcastFinitude temos dois episódios sobre o luto gestacional / neonatal:
Temos uma ansiedade em acabar, esconder, exterminar a tristeza. A ideia de que frases prontas podem 'resolver' a tristeza do outro. Não temos este poder. E talvez o outro não queira que aquela tristeza passe, ela precisa ser vivida. +
Assim como um turbilhão de outros sentimentos, de todos os gêneros, invadem um enlutado. E é isso aí mesmo.
Precisamos deixar o espaço aberto para que tudo isso seja vivido em sua amplitude e não tentar sufocar as sensações não-socialmente bem-vindas.
Outros exemplos de lutos não reconhecidos:
- Perda de um cão ou gato;
- De uma viuvez de relacionamento LGBTQIA+ que não era validado socialmente;
- A de um bisavô muito idoso que morava em outra cidade.
+
Ou ainda por perdas que não são mortes efetivamente, mas que geram luto:
- Divórcio;
- Demissão;
- Mudança de país;
- Um diagnóstico de uma doença grave;
- A perda de um dos sentidos ou de um movimento após doença ou acidente. +
Luto é tudo aquilo que quebra o mundo como conhecíamos. A nossa própria vivência com a pandemia, mesmo que não tenhamos perdido ninguém próximo, é um luto por si só.
Da rotina como tínhamos, dos lugares como frequentávamos, dos planos que precisamos interromper.
Régua. Termômetro. Relógio. Graus na escala Richter.
Nada disso pode normatizar o luto de ninguém. Não há uma ABNT do luto.
Não há choro demais ou choro de menos. Tempo demais ou tempo de menos. Risadas no velório não são condenáveis. +
Uma viúva não sofre mais do que os filhos diante da perda do pai da família. Viagens que não são desmarcadas após uma morte não são insensíveis. Virar uma cachaça 8 da manhã depois de passar a noite no velório ta tudo certo. +
O luto é um processo humano, natural e saudável de readequação de quem somos após a quebra do mundo como conhecíamos.
Claro: é preciso ficar atento aos sinais e avaliar se os sintomas podem se agravar e se transformar num diagnóstico (a ser dado por um profissional). +
Mas o luto por si só não é uma doença. É desejável e o único caminho possível diante de uma perda.
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1) Depois de quase 70 anos de carreira comprovadamente pautada pelos Direitos Humanos, pela defesa das minorias, pela cultura e pela educação, Audálio agora aparece em papel de vilão. ⬇️
2) Durante todo o tempo em que esteve vivo, permaneceu à disposição da sociedade para qualquer esclarecimento, palestra, aula, bate-papo para o qual fosse solicitado. A grandessíssima maioria, inclusive, de graça. +
3) Era procurado por estudantes dos Ensinos Médio e Superior, além de imprensa nacional e internacional.
Há três anos, ele partiu.
A última entrevista que ele deu sobre este tema foi literalmente do quarto de hospital onde viria a morrer. +
Nessa altura do campeonato, você consegue imaginar um hospital no Brasil onde o coronavírus NUNCA entrou?
Ele existe.
E por que estou falando disso hoje?
🧶Segue o fio:
Estamos às vésperas de completar um ano de uma iniciativa inédita que se tem notícia no mundo. No dia 25 de março de 2020 (14 dias depois de a OMS decretar pandemia), o hospital que é pioneiro a se dedicar integralmente aos cuidados paliativos no Brasil entrou em lockdown.
O objetivo? Impedir que o coronavírus entrasse e atingisse os pacientes, diagnosticados com doenças crônicas e com um estado de saúde especialmente frágil.
Naquela altura, eram 57 mortos pela Covid-19 no Brasil.
Exigir que esses profissionais, que já estão há um ano trabalhando com medo, à exaustão, e sem abraçar seus familiares, escolham para quem dar um leito, um respirador ou um medicamento, é contra todos os critérios científicos sobre o tema.
Trata-se de uma Escolha de Sofia, termo que ganhou fama após um filme clássico protagonizado por Meryl Streep, no qual "Sofia", uma mãe polonesa, filha de pai anti-semita, é presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra e é forçada por um soldado nazista a escolher +
Trata-se de uma morte cruel, desumana, indigna, por omissão de socorro, falta de atendimento ou falta de medicamento/leito/exame. Ou seja: morre-se numa fila de hospital, à espera de um medicamento, leito de UTI ou de um cilindro de oxigênio, por exemplo.
(3/11)
Na capital paulista, por exemplo, a Prefeitura confirmou, nesta semana, que já houve a primeira morte de uma vítima da doença sem atendimento adequado na rede pública.
Com todo o respeito pelo Ruy Castro e com todo o desprezo por Trump e Bolsonaro, me sinto no dever de escrever sobre isso.
Não sou psicóloga, sou jornalista. Já fiz reportagens sobre suicídio em grandes redações e atualmente cubro especificamente temas relacionados à morte. +
Antes de a gente seguir neste fio, vale lembrar que se você está passando por alguma situação delicada ou conhece quem está, o @CVVoficial é um atendimento sigiloso, gratuito e 24h. Pelo telefone 188 ou pelos canais de comunicação na internet. +
Também há o mapasaudemental.com.br, desenvolvido pelo Instituto Vita Alere - uma referência em prevenção e posvenção ao suicídio. Neste site há contatos de psicólogos e psiquiatras gratuitos em todo o Brasil, online ou presencial.
Nos últimos dias tive uma das experiências mais incríveis da minha vida.
Segue o 🧶
O Hospital Premier, o 1º do Brasil a se dedicar integralmente aos cuidados paliativos, esteve 100 dias em isolamento.
Metade da equipe escolheu ficar e a outra metade - por razões diversas - esteve do lado de fora, recebendo o salário integralmente.
A princípio, a quarentena+
duraria 45 dias. Mas, como sabemos, os números do coronavírus não param de subir. Para proteger os pacientes, em estado de saúde frágil, o único jeito era manter a medida - tão drástica quanto necessária. Se a Covid passasse por algum dos portões, poderia acontecer uma tragédia+