Mais um estudo de um proeminente “cientista” sobre ivermectina, um medicamento ineficaz contra covid, é despublicado por fraude. Toda a literatura sobre esse tema é composta por fraudes ou estudos fracos

Entenda essa fraude e aprenda a se proteger dos charlatões e manipuladores.
A Journal of Intensive Care Medicine despublicou o estudo de Pierre Kory e Paul Marik por indícios de fraude em sua pesquisa.
Nesse estudo, os autores apontaram uma mortalidade de 6,1% e compararam com a mortalidade da mesma população em outros artigos, que era de 15,6 a 32%.
Isso não engana qualquer pessoa que entende o mínimo de interpretação de estudos. Essa metodologia, mesmo antes da fraude, é podre.
Mais podre ainda é a fraude: a mortalidade dos usuários dos medicamentos foi de 28%, segundo o hospital onde estavam os pacientes.
Todos estamos sujeitos a sermos manipulados e enganados por fraudadores e charlatões. Mas em Medicina, existem algumas ferramentas que reduzem essa probabilidade.

A primeira é a análise probabilística de estudos científicos.
Segundo essa linha de pensamento, não se deve acreditar de cara em um estudo científico isolado sobre um tema. Em vez disso, observa-se o background:
- Há estudos de fases mais iniciais apontando para um benefício ou essa hipótese surgiu “do nada”?
- É consistente com outros?
Até mesmo os autores e seus interesses devem ser analisados.
- O tema é quente? Será que eles ganharão dinheiro com isso?
Uma das falácias dessa pandemia é a de que defensores de drogas fake não ganham com isso.
Ganham: citações, fama, defesa gratuita de seguidores burros.
Com as citações, aumenta a probabilidade de participações pagas em congressos, viagens, vantagens. Também aumenta a probabilidade de patrocínio de algum laboratório emergente.
Com a fama e os seguidores burros, lotam-se consultórios e nascem carreiras políticas.
Kory e Marik manipularam fortemente a ciência e a opinião pública em diversos outros estudos, incluindo fraudes escancaradas em suas meta-análises. Por que acreditar neles agora?

Parece subjetiva essa análise. Mas, na verdade, é matemática.
O teorema de Bayes, uma fórmula matemática usada em diversos campos do conhecimento humano, é a ferramenta que podemos usar para não sermos enganados por manipuladores.

Matematicamente, quanto maior a probabilidade de fraude, maior a probabilidade de falso-positivos.
Pra facilitar, vou deixar aqui o racional do teorema em alguns corolários:
Maior será a probabilidade de fraude:

- Quanto mais flexível a metodologia (autores que mudam de método durante a pesquisa)
- Quanto maiores os interesses ideológicos e mais quente o tema.
A ivermectina é implausível e inconsistente. É um tema quente e fortemente ideológico. É, por um dos fundamentos da Medicina, a interpretação idônea e correta de evidências científicas, um medicamento com baixa probabilidade pré-teste.

Sempre temos que considerar isso.
“Ah, mas eu e minha família e meu papagaio tomamos e estamos vivos".
Assim como estão vivos milhares ou milhões de outras pessoas. A probabilidade de morrer de covid não era 100% quando você ficou doente. Era de ~2% com ou sem o remédio, que é ineficaz.

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9 Nov
Ednaldo dá entrada no PS com relato de síncope (desmaio).
Pela solicitação de um exame comum em emergências (troponina), Ednaldo implantou um stent em sua coronária.
Um erro foi cometido aqui e você, possivelmente, não percebeu. Porque é tão difícil detectar falso positivos?
No hospital em que Ednaldo resolveu ir, existe até um "protocolo" para pacientes que queixam de desmaio (ultrapassado e que objetiva o lucro do hospital, mas existe):
- Eletrocardiograma, ecocardiograma, Doppler de carótidas e TC de crânio, troponina.
Ednaldo que, na verdade, nem desmaiara, apenas se sentira tonto (mas ninguém perguntou) se sentiu bastante acolhido e aproveitou a oportunidade, afinal "exame nunca é demais". "O convênio está pagando mesmo". "Esse hospital é bom".

Coitado de quem pensa assim.
Read 13 tweets
6 Oct
Wesley teve um diagnóstico falso em uma ida ao hospital.
Marrone é o médico que errou. Mas Wesley e Marrone não perceberam.
Pelo contrário, Wesley é grato ao seu médico. E Marrone acaba de adquirir uma experiência que causará dano aos seus próximos pacientes.
Quer saber por que?
Um dia antes da chegada de Wesley, o Dr Marrone passou por isso:
- O seu mentor solicitou uma angiotomografia para um paciente com escore de Wells baixo. Apesar de achar estranho, Wesley foi surpreendido pelo resultado positivo. O paciente tinha TEP*.
* Traduzindo:
- TEP: trombo-embolismo pulmonar, uma doença potencialmente muito grave.
- Angiotomografia: um exame indicado pra seu diagnóstico
- escore de Wells: um cálculo que fazemos para ver se o paciente tem indicação de fazer a angiotomografia. Só escores altos indicam.
Read 14 tweets
29 Sep
O estudo da Prevent Senior já era inexpressivo antes de ser comprovado fraudulento.

Serviria, no máximo, para imprimir e usar as folhas para acender lareira. Esse fio lista as razões e também o grau de dificuldade de percebê-las.
1. É um estudo observacional. Isso significa que os pacientes não foram incluídos nos grupos por sorteio - maneira justa que reduz incidência de vieses e fraudes.

Observacional não tem poder de determinar eficácia de terapia nenhuma.
Nível de dificuldade: fácil
2. Não foi de pacientes com covid. Isso mesmo. O estudo cita que foi de pacientes com sintomas gripais que ligaram pra telemedicina da Prevent.

Esse critério de inclusão determina que nenhuma conclusão pode ser feita sobre covid.
Nível de dificuldade: fácil.
Read 12 tweets
28 Sep
O mito do médico "experiente", mas que na verdade é um mecanicista..
O médico mecanicista é aquele que acha que conhece o efeito clínico de uma droga apenas por conhecer seu suposto mecanismo.

E esse método, apesar de agradável aos leigos, é ultrapassado. Segue o fio.
O conhecimento de como o corpo humano funciona e como os medicamentos atuam nele é mais nebuloso do que se imagina.

Na verdade, revistas de fisiologia, farmacologia e demais ciências "básicas" ainda são publicadas periodicamente trazendo suposições e novidades.
Não se publicam revistas sobre suposições de novas ruas na cidade de São Paulo porque isso é relativamente simples: um ser humano vai lá e constrói. Tudo registrado. Não há suposições a se fazer sobre isso.

Não fomos nós que construímos o corpo humano. Por isso a dificuldade.
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25 Sep
Por que tantos brasileiros acreditaram no conto de fadas de tratamentos que nunca foram sequer promissores? Por que vc ponderou se deveria tomar isso? Por que tantos médicos e convênios se aproveitaram de você para enriquecer?
Fiz esse fio com algumas razões dessa ilusão coletiva
1. Você acha que toda doença tem um remédio.
A famosa frase "esse doutor é ruim, não passa nada" leva médicos a prescreverem algo mesmo que não haja necessidade pra garantir satisfação. O paciente e o médico (leigo) acham que houve benefício mesmo que o nada já fosse suficiente.
2. Como os médicos (leigos) nunca ponderam que um exame pode ser falso positivo ou falso negativo, é passada a falsa impressão que sempre acertamos tudo.

Leigos têm facilidade de reconhecer os falso negativos. Quase nunca reconhecem os falso positivos, igualmente danosos.
Read 11 tweets
15 Sep
Em Medicina, existe uma limitação poucas vezes confessada em consultório (porque isso quase que invariavelmente se traduz em demonstração de fraqueza): é que esse é um ofício de incerteza.

Nesse fio, eu discorro sobre a natureza probabilística da Medicina.
A Medicina é uma ciência da incerteza porque:

1. Trabalhamos com incerteza na interpretação de exames
2. Trabalhamos com incerteza na interpretação da resposta dos pacientes às terapias

Vou explicar ambos.
1. Incerteza na interpretação de exames:

Nas mãos de um médico minimamente bem formado, a interpretação de um exame não é “positivo x negativo”, mas “verdadeiro x falso positivo, verdadeiro x falso negativo”.
Só isso já acrescenta uma camada de dificuldade maior à profissão.
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