O estudo da Prevent Senior já era inexpressivo antes de ser comprovado fraudulento.
Serviria, no máximo, para imprimir e usar as folhas para acender lareira. Esse fio lista as razões e também o grau de dificuldade de percebê-las.
1. É um estudo observacional. Isso significa que os pacientes não foram incluídos nos grupos por sorteio - maneira justa que reduz incidência de vieses e fraudes.
Observacional não tem poder de determinar eficácia de terapia nenhuma.
Nível de dificuldade: fácil
2. Não foi de pacientes com covid. Isso mesmo. O estudo cita que foi de pacientes com sintomas gripais que ligaram pra telemedicina da Prevent.
Esse critério de inclusão determina que nenhuma conclusão pode ser feita sobre covid.
Nível de dificuldade: fácil.
3. O estudo não foi cego e teve um desfecho "mole": hospitalizações.
Um médico que, por pressão da empresa ou do Governo, quer provar na marra que a Cloroquina funciona pode internar propositalmente os pacientes que não usaram e mandar para casa os que usaram.
Dificuldade: média
4. Se o resultado fosse confiável (não é), a cloroquina teria que ser prescrita para 28 pacientes para prevenir 1 hospitalização.
Bem diferente do milagre em que acreditam os leigos e médicos leigos.
Obs: isso não é um viés. É algo inerente a qualquer medicamento e pesquisa.
O fato de o estudo ser péssimo impediu que ele fosse usado por outros autores para manter viva a narrativa?
Claro que não. A narrativa pagava bem, aparentemente.
Segue lista dos "eminentes" pesquisadores que o citaram, mesmo sendo um lixo.
1. Harvey Risch - 10.1101/2020.09.30.20204693
Se esse estudo é relevante, então eu não sei o que é irrelevante.
2. Didier Raoult - 10.1016/j.nmni.2020.100709
Harvey Risch de novo - artigo no medrXiv - 10.1101/2020.09.30.20204693
Claro que não podia falar o c19 study - aquela bizarrice metodológica feita pra enganar bobo
Ao total, esse "artigo" - entre aspas porque já era péssimo, agora é fraude, teve 33 citações.
33 colegas não apenas não viram ou fecharam os olhos pra sua péssima qualidade, como repassaram suas informações adiante, usando elas para fundamentar suas próprias narrativas.
Como você viu, o nível de dificuldade para perceber que esse estudo não serve para nada não é alto.
Mas existem médicos leigos e existem médicos charlatões.
E eles ajudaram a construir e fortalecer essa narrativa que agora ganha traços macabros.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
O mito do médico "experiente", mas que na verdade é um mecanicista..
O médico mecanicista é aquele que acha que conhece o efeito clínico de uma droga apenas por conhecer seu suposto mecanismo.
E esse método, apesar de agradável aos leigos, é ultrapassado. Segue o fio.
O conhecimento de como o corpo humano funciona e como os medicamentos atuam nele é mais nebuloso do que se imagina.
Na verdade, revistas de fisiologia, farmacologia e demais ciências "básicas" ainda são publicadas periodicamente trazendo suposições e novidades.
Não se publicam revistas sobre suposições de novas ruas na cidade de São Paulo porque isso é relativamente simples: um ser humano vai lá e constrói. Tudo registrado. Não há suposições a se fazer sobre isso.
Não fomos nós que construímos o corpo humano. Por isso a dificuldade.
Por que tantos brasileiros acreditaram no conto de fadas de tratamentos que nunca foram sequer promissores? Por que vc ponderou se deveria tomar isso? Por que tantos médicos e convênios se aproveitaram de você para enriquecer?
Fiz esse fio com algumas razões dessa ilusão coletiva
1. Você acha que toda doença tem um remédio.
A famosa frase "esse doutor é ruim, não passa nada" leva médicos a prescreverem algo mesmo que não haja necessidade pra garantir satisfação. O paciente e o médico (leigo) acham que houve benefício mesmo que o nada já fosse suficiente.
2. Como os médicos (leigos) nunca ponderam que um exame pode ser falso positivo ou falso negativo, é passada a falsa impressão que sempre acertamos tudo.
Leigos têm facilidade de reconhecer os falso negativos. Quase nunca reconhecem os falso positivos, igualmente danosos.
Em Medicina, existe uma limitação poucas vezes confessada em consultório (porque isso quase que invariavelmente se traduz em demonstração de fraqueza): é que esse é um ofício de incerteza.
Nesse fio, eu discorro sobre a natureza probabilística da Medicina.
A Medicina é uma ciência da incerteza porque:
1. Trabalhamos com incerteza na interpretação de exames 2. Trabalhamos com incerteza na interpretação da resposta dos pacientes às terapias
Vou explicar ambos.
1. Incerteza na interpretação de exames:
Nas mãos de um médico minimamente bem formado, a interpretação de um exame não é “positivo x negativo”, mas “verdadeiro x falso positivo, verdadeiro x falso negativo”.
Só isso já acrescenta uma camada de dificuldade maior à profissão.
Um congresso on-line com várias autoridades discutindo diferentes aspectos da Medicina. Esse é o Sanarcon 2021. E vai acontecer esse sábado, 18 de setembro.
Vou elencar aqui algumas razões para você, médico ou estudante, não perder esse congresso de altíssimo nível. Segue o fio.
A querida Natalia Pasternak (@TaschnerNatalia) vai falar sobre "Ciência no cotidiano", tema que dá nome a um dos seus livros.
Ela vai trazer razões pelas quais nós devemos ser críticos e educados quando analisamos evidências científicas.
Seguindo a mesma linha, Luis Correia (@LuisCLCorreia), uma verdadeira inspiração para mim e muitos outros médicos, falará sobre a "Incerteza na Medicina".
Esse é um tema da maior importância, visto que nossa ciência é uma arte de probabilidades e não há como fugir disso.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
Sensibilidade e especificidade não são úteis para o médico.
O médico que só trabalha com esses valores está despreparado para exercer raciocínio clínico.
Vamos a uma enquete em que isso se provará verdade:
1. Sabendo que a especificidade do ECG para diagnosticar oclusões coronárias agudas é 97%, qual a probabilidade de uma pessoa aleatória ter supra de ST e não ter infarto?
A resposta correta a essa pergunta é “impossível saber” por conta de um simples fato:
- Sensibilidade e especificidade partem de um dado que o clínico, na maioria das vezes, não sabe: