O sexo anal sem preservativo (bareback) continua sendo o de maior risco para transmissão de HIV e ISTs. Mas se você deseja fazer, saiba que é possível minimizá-los com a prevenção combinada.
Leia com atenção as 10 dicas que preparei com carinho e muita ciência.
❤️‍🩹
Pensei muito antes de fazer este post. Porque como meu alcance tá cada vez maior sempre aparecem uns desaplaudidos vindo polemizar sem entender o tipo de trabalho que faço há 7 anos.
Muito da ‘demonização’ do sexo anal sem preservativo vem do estigma que a Aids trouxe e
ainda traz, junto da LGBTfobia. Mas agora com 40 anos de pandemia e muita ciência produzida com seriedade, podemos rever alguns discursos e tentar individualizar o cuidado, em vez de generalizar.

Por que só o sexo sem preservativo praticado por gays e travestis choca tanto?
Homens héteros transam sem preservativo culturalmente como se fossem imunes a tudo há décadas e ninguém diz nada. Tenham autocrítica, né.
E procurem se atualizar com o que existe de novo.
1 - O sexo anal penetrativo sem capa, ‘no pelo’ ou bareback (cavalgar sem sela) já acontece entre várias pessoas independente de eu fazer este post ou não. Então não venha com desculpa esfarrapada de ‘apologia’ porque sexo não é droga ser estimulada e muito menos dizer
que esse post contribuiu para isso. Sempre trabalho no horizonte da redução de danos, redução de riscos e informação, para que as pessoas tomem escolhas de maneira consciente. Inclusive estou no escrevendo um livro bem bonito sobre isso.
2 - Sim, devido à presença de microssangramentos, mucosa extremamente sensível, presença de muitas bactérias e ausência de lubrificação, a taxa de transmissão HIV e IST’s no sexo anal é a mais alta dentre os três (anal, vaginal, oral) , tanto para a pessoa ativa quanto passiva.
Mas a pessoa passiva é particularmente ainda mais vulnerável (cerca de até 25X mais que ativo), da ordem de 1 transmissão em cada 72 exposições (para HIV, no caso). Portanto tudo que possa ser feito para minimizar riscos, deve ser feito.
3 - Teste-se para HIV e IST’s e falem sobre seus status sorológicos.
O mais importante para qualquer pessoa que queira praticar sexo anal sem preservativo é criar uma rotina de testagem mais frequente possível, 3 a 4x ao ano (a cada 3 ou 4 meses). Porque tendo um
diagnóstico de IST’s ou HIV, ela vai iniciar o tratamento de pronto e interromper a cadeia de transmissão.
A sífilis por exemplo (transmissão de 20 a 30% por ato)muitas vezes não é percebida clinicamente (não conseguimos localizar a úlcera inicial, principalmente quando é
interna) e só vamos descobrir através do exame laboratorial. E ela fica lá dentro então semanas transmitindo sem a pessoa bem saber. O mesmo com gonorreia e clamídia, que a pessoa pode ter dentro do reto ou até no pênis/garganta sem sentir nada.
Portanto recomendo que todos se testem para HIV, sífilis, hepatite C e hepatite B (todos disponíveis no SUS), HTLV 1 e 2 e façam PCR para gonorreia, clamídia e, dependendo do caso, mycoplasma genitalium em raspado anorretal e pênis (urina primeiro jato), no mínimo 2x ao ano.
Se algo vier positivo, tratar imediatamente e esperar o período para parada de transmissão.
Uma pessoa vivendo com HIV em tratamento com carga viral indetectável há pelo menos 6 meses não transmite o vírus por sexo anal, seja ativo ou passivo.
Portanto pessoas vivendo com
HIV indetectável são as mais ‘seguras’ neste aspecto no que concerne à possibilidade de transmissão deste vírus.

4 -Considere seriamente a Profilaxia Pré-Exposição para o HIV (PrEP): um comprimido ao dia que confere cerca de 99% de proteção contra o HIV em sexo anal.
Mas apenas para o HIV.
A PrEP já é uma política pública via SUS e pode ser encontrada em várias cidades (link aqui) e até comprada em drogarias.
Importante lembrar que PrEP pode sim ter efeitos colaterais e riscos, portanto precisa de acompanhamento médico: testagem frequente
para HIV, função renal, função hepática, massa óssea e testagem de ISTs.
Existe um protocolo de PrEP sob demanda (2+1+1) que já falei aqui e, por enquanto, é validado apenas para homens gays cis e apresenta eficacia de 97%. Na minha opinião, entre homens gays e bi sem
parceiro fixo monogâmico, acho que PrEP é essencial para quem quer praticar bareback. Pois a prevalência de HIV entre nós ainda é concentrada e o risco seria muito alto. Então confiar apenas em acordos é algo bem temerário.
5 - Lubrifique-se o máximo possível com lubrificante a base d’água e vá com calma. Lembre-se: quanto menos traumático e agressivo for o sexo anal, menos sangramento, menos machucado, menos fissura havera menos chance de transmissão. Mas pode ocorrer mesmo assim. Além disso, se
você estiver com algum ferimento (fissura) ou lesão de herpes genital ou sífilis, o ideal seria esperar cicatrizar pois funcionam como porta de entrada.
Não utilize cuspe como lubrificante pois além de funcionar mal, leva gonorreia da boca para o ânus e vice-versa.
6 - Vacine-se. Hepatite B tem uma transmissão sexual até 100x mais fácil que o HIV, o HPV é a IST mais comum de todas e pode ser transmitida mesmo quando se usa preservativo, a Hepatite A tem transmissão importante no beijo grego (sexo oral no ânus).
Tome todas as três, o quanto antes. E no caso da hepatite B confira se a vacina ‘pegou’ através de um exame de anti-Hbs se você estiver utilizando PrEP.
Todas existem pelo SUS mas possuem critérios específicos que já falei aqui: instagram.com/p/CbqauReviZ7/…
Recentemente um estudo demonstrou que a vacina Meningo B possui uma proteção de 30-40% contra gonorreia, uma IST que tem nos preocupado devido à crescente resistência da bactéria. Portanto tenho passado a recomendá-la para quem tem condição de pagar.
7 - Evite ou minimize o uso de drogas ou chemsex. Uma pessoa sob efeito de substâncias geralmente altera o limiar de dor (pode transar por mais tempo, com mais parceiros e se ferir mais, aumentando a taxa de transmissão de hepatite C por exemplo) e geralmente fica
menos atenta às medidas de prevenção.
Inclusive o poppers pela vasodilatação pode aumentar a transmissão do HIV em até 4 vezes.
Crystal metanfetamina nem pensar, pelo alto risco de dependência e destrutibilidade.
Pessoas que usam drogas injetáveis também tem indicação
de PrEP pela proteção contra HIV em torno dos 70% também.

8 - Crie uma rotina de rastreio para HPV anal. Embora a maior evidência atual seja apenas para pessoas vivendo com HIV, pois a taxa de câncer anal na população geral é bem baixa, pessoas que
praticam sexo anal desprotegido podem fazer esse rastreio com uma médica coloproctologista (escovado anal) de tempos em tempos, para avaliar existência de lesões. A vacina contra HPV é indicada para praticamente todo mundo, e deve-se tomar o mais cedo possível,
de preferência antes de iniciar a prática sexual.

9 - Converse com seus parceiros e parceiras. Crie intimidade, vínculo e falem sobre prevenção.
É muito arriscado ir na ‘sorte’, achando que tá tudo bem e não está. Sexo anal sem preservativo é muito íntimo, não é algo para se
fazer com ‘todo mundo’, pois a chance de ocorrer algum imprevisto é bem grande. Tenha parceiros de confiança com os quais o diálogo seja aberto.
Façam autotestes para HIV, utilizem PrEP sob demanda, compartilhem exames entre vocês (respeitando o direito ao sigilo) e
procurem ter orientação de um infectologista. Não vá por ‘achismo’ ou por coisas que você leu no Google.
Cada pessoa tem comportamentos e práticas específicas, e só um profissional pode entender e minimizar os riscos de maneira individualizada. Sem julgar.
10 - Se você fez Sexo anal sem preservativo de maneira casual e não pretende repetir, você tem até 72h para procurar a PEP (profilaxia pós-exposição) vía SUS. Utilizada nas primeiras 24h, chega a quase 100% de eficiência. Se você pratica sexo desprotegido de maneira
recorrente, é melhor já utilizar a PrEP que ficar emendando PEP atrás de PEP.

Enfim, sexo anal sem preservativo não é errado. Nem certo. É uma escolha. Como qualquer sexo.
Portanto certifique-se de se proteger de todas as maneiras possíveis para contrabalancear o não-uso do preservativo.
Tenha um infectologista de confiança e converse sobre sexualidade de maneira honesta, sem preconceito e respeitosa. Espero realmente ter ajudado. 🏳️‍🌈🏳️‍⚧️❤️‍🩹
Compartilhe para chegar ao máximo de pessoas que precisem. Nosso país carece muito de educação sexual.
Muito obrigado por todos elogios no inbox!
Fico feliz que tenha alcançado o objetivo.

Um grande beijo e ótimo FDS 🥰🏳️‍🌈🏳️‍⚧️

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More from @DoutorMaravilha

Apr 26
Toma papudo

Sorofobia não passará
Relacionar-se com alguém vivendo com HIV não é um risco, muito menos um esforço.
É natural, seguro e saudável.

Já está provado que alguém em tratamento e indetectável (vírus tão baixinho no sangue que o exame nem pega), há pelo menos 6 meses, não transmite o vírus por via
sexual. Seja anal, vaginal ou oral. Mesmo se ejacular, sangrar ou tiver outra IST no momento.

A cada dia eu conheço mais pessoas em relacionamentos sorodiferentes. Em que uma pessoa vive com HIV e a outra não. Vivendo muito bem, casando, tendo filhos. Tudo que têm direito.
Read 12 tweets
Apr 23
Pessoal, um pedido:

EVITEM o uso de Crystal sempre que puderem. Nem experimentem se possível.

O Brasil não tem um plano de contingência dessa substância e até nós profissionais ainda estamos aprendendo a lidar.

Peça ajuda sim, não se envergonhe.
E se puder, evite.
Odeio fazer post alarmante assim. Mas se for pra defender os meus pares eu faço sim.
🏳️‍🌈 🏳️‍⚧️
Não é porque uma droga bem cara, que no Brasil afeta principalmente minorias já estigmatizadas como homens gays e bissexuais que não merece ser tratada como questão de saúde pública.

Porque é.

Sofrimento é sofrimento.

Precisamos agir rápido com política pública e informação.
Read 17 tweets
Apr 23
Yo tengo un fetiche con tu voz, Paulina 🌹🥵
El vídeo completo
@eduhonorato para tú, wey
Read 4 tweets
Apr 23
‘Até tem tratamento, mas não adianta. Quem tem HIV vive menos.’

‘Quem usa PrEP vai sobrecarregar o rim e o fígado’

‘O corpo muda. Vai ficar magro e com cara de doente.’

Todo mundo já ouviu isso. Mas não é o que a ciência diz. Entenda. ❤️‍🩹
Os benefícios de fazer o tratamento para o HIV e usar PrEP superam em muito os riscos, mas alguns tratamentos têm sido associados a um risco aumentado de desenvolvimento de efeitos colaterais a longo prazo. Estes incluem problemas ósseos, hepáticos e renais
PrEP e tratamento para HIV), e doenças cardíacas e alterações metabólicas (apenas tratamento para HIV). Os efeitos colaterais de longo prazo são menos comuns do que os efeitos colaterais de curto prazo (diarreia, gases, náuseas, distúrbios do sono).
Read 14 tweets
Apr 22
Se você faz uso de PrEP sob demanda (que ainda não está no PCDT do SUS, mas sim: funciona)

Tente tomar com comida (pão, arroz, macarrão), porque 2 comprimidos de uma vez às vezes dá náusea 🌀

Precisa esperar duas horas pro efeito. Então dance muito, beije, antes de macetar. 🔥
Válido apenas para homens gay cis (sexo anal e oral).
Não esqueça das doses de 24 e 48h após.

Combine o preservativo para evitar as demais IST’s.
Se não tem prep sob demanda no SUS, lutemos pra ter! Temos apenas a diária. O comprimido é o mesmo. Muda o jeito de tomar. Tome APENAS como seu infectologista orientou.

O Carnaval atrasou, mas chegou:
Read 11 tweets
Apr 14
Etiqueta no sexo oral:

Avisar quando vai gozar.

Esperma na boca não é fetiche de geral e pode trazer riscos.
Respeitar o corpo alheio sempre.
Sexo oral é muito bom, mas chega a hora em que a decisão deve ser tomada: cuspir ou engolir, isso se você quiser que sua parceria goze na sua boca, claro. Sempre com autorização.
O sexo oral não costuma ser de alto risco quando se trata de transmissão do HIV porque o revestimento da boca é mais espesso e a saliva também contém propriedades protetoras.
Mas o risco aumenta se houver ejaculação, carga viral alta, presença de úlceras,
Read 8 tweets

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