Thread by @lucasmafaldo

Sei que isso vai prejudicar ainda mais imagem com vocês, mas entendo quem se chateia com os isentões.

(embora eu frequentemente seja também acusado de ser um deles, mas isso é outra história)

O que irrita no isentão é o seguinte: ele cria uma falsa equivalência e sobe para cima de um princípio abstrato. Aí fica muito difícil discordar dele (porque é sempre fácil defender um princípio) ao mesmo tempo que ele está cometendo uma mega-injustiça.

Por exemplo, peguemos duas situações: (i) fulano deu um soco em sicrano porque ficou puto por ter sido chamado de burro; (ii) beltrano deu um soco em sicrano como parte parte do plano para invadir sua casa e matar sua família.

Diante disso, o isentão declara solenemente que "os dois estão errados, porque nenhum dos dois casos justifica a violência".

Aí você fica em uma situação complicada: Fulano realmente errou, mas em um nível bem menor do que Beltrano. Um cara é esquentado, o outro é um criminoso.

Mas o isentão não quer saber disso. Ele continua se elogiando: "sou contra a violência em todos os casos", insinuando que você é pró-violência. E ainda fica compartilhando todas as notícias contra Fulano, dizendo que é um grande absurdo ser amigo de um cara desses.

Ou seja, embora esteja corretamente no planos os princípios, o isentão está sendo injusto na prática, e ainda sendo escroto com você, que está apenas descrever corretamente a situação.

Para complicar, as redes sociais e o nível educacional não permitem essa análise que estou fazendo. Logo, a tendência é que o amigo de Fulano vai ficar puto com o isentão e partir para o xingamento -- outro erro, é claro, mas algo que também é humano e compreensível.

É por isso que, embora eu concorde que existe uma direita jacobina, eu entendo o que a alimenta: é tanta distorção para um lado que a galera começa a achar que o jeito de acertar as coisas é distorcer para os outros.

Estou pensando nisso também -- mas não apenas -- por causa do caso da funcionária de Bolsonaro. É claro que ele errou, mas deveria ser ainda mais claro que a Folha está inflando a coisa para parecer maior do que é (por exemplo, somando os vencimentos de vários meses na manchete).

Ao insistirem no bordão de que Bolsonaro é "mais do mesmo", é um "Lula de sinal trocado", os isentões estão justamente destruindo o senso de proporções de que falei lá atrás. Você tem o direito de desgostar pessoalmente dos dois, mas um era um deputado do baixo clero, enquanto...

... o outro era o chefe de um esquema de poder multi-bilionário. Não apenas foi no governo do PT que se desviou bilhões da Lava Jato, mas o cara continua, desde de dentro da cadeia, comandando uma campanha presidencial ilegal.

Ou seja, não é apenas uma questão de ter roubado mais ou menos, mas comparar uma pequenez administrativa com a criação de uma máfia com o objetivo expresso de subverter as instituições nacionais.

O isentão olha para Al Capone e diz: "quem não comeu um brigadeiro antes da hora dos parabéns?"

E, ao ver Al Capone prestes a assumir a presidência, se elogia: "ao menos eu fiz minha parte dando uns cascudos em quem comeu doces na hora errada!"

Essa falta de atenção ao essencial, de senso de proporção, acompanhada por uma verocidade implacável de contra-argumentar é quase tudo que ocorre nas mídias sociais.

Deveria ser desnecessário dizer, mas... obviamente nada disso significa que eu ache que há um partido, grupo político ou ideologia que esteja totalmente certo.

Todo mundo erra, mas, como diria Roberto Jefferson, há quem erre menos. É preciso manter as duas coisas em mente.