Segue uma análise jurídica da polêmica decisão do Marco Aurélio. Farei fugindo dessa polarização burra que resume a importantíssima questão, que tem reflexos no mundo jurídico como um todo, a “Lula preso” ou “Lula livre”.
De início, é a conta sendo cobrada do casuísmo judicial.
De início, é a conta sendo cobrada do casuísmo judicial.
Carmen Lúcia pessoalizou, jogando institucionalmente p/ o público, todo o importante julgamento objetivo da execução provisória da pena em 2ª instância (constitucionalidade do art. 283 do CPP, maior entrave da tese), jogando o HC do Lula à frente dos ADCs, que pacificariam o tema
Assim, conseguiu manter Lula preso, sem comprometer a imagem do STF, ao passo que deixou a polêmica questão em aberto. Preferiu se livrar do caso Lula rapidamente ao invés de resolver o tema para todos. O jurisdicionado continuou refém de quem será o relator sorteado em seu HC.
Esse casuísmo absurdo gerou uma insegurança jurídica lamentável. Se o HC cai com Marco Aurélio, Gilmar... É solto. Se o relator for Fachin, Fux... Mantém-se preso. Enquanto isso, Marco Aurélio já pediu pauta para as ADCs há MUITO tempo. Carmen Lucia embarrigou e não pautou.
Muito tempo se passou, Dias Toffoli assumiu. As ADCs, inclusive com pedido de pauta de Marco Aurélio, continuavam aguardando data pra julgamento. O que fez Toffoli? Pautou lá para abril! Os relatores e os jurisdicionados são reféns do presidente do STF, que pauta quando quer.
Aí, Marco Aurélio se emputece e solta essa liminar monocrática em seguida, em plena ADC, nas vésperas do recesso. Péssimo para a imagem do STF, especialmente quando dependemos quase que exclusivamente do mesmo contra o autoritarismo populista de Bolsonaro. No mérito, irretocável.
A ideia é pressão político-institucional: pressionar o presidente do STF a adiantar o julgamento das ADCs, o que seria correto. Mas a forma é péssima. Dá margem para ignorantes resumirem a seriíssima questão, que transcende a política partidária, à prisão de Lula. A mídia abraçou
É certo que Marco Aurélio não está pautando sua decisão na situação de Lula, mas no surrealismo de o STF (com a mudança de Gilmar) ter maioria já composta e declarada contra a prisão em segunda instância, mas graças a manobras de pauta dos presidentes isso não ser concretizado.
Quem está por dentro dos julgamentos tem isso como certo. Acompanho desde o início todo o trâmite e notei a indignação de Marco Aurélio com a pauta individual do HC de Lula. Com a embarrigada dos ADCs de que pediu pauta, idem. Tudo piorou com o voto surreal da Rosa Weber.
A ministra deixou claro que votou contra no HC de Lula pra respeitar colegialidade prévia, mas que na decisão vinculante das ADCs votaria a favor ao formá-la, voltando ao entendimento que vigorou até recentemente e desde 2009. Ou seja, a maioria existe, só aguarda pauta há tempos
Vendo a maioria já formada no STF, que na análise de Marco Aurélio retomaria o entendimento que julga correto e constitucional, mas ao mesmo tempo uma inconstitucionalidade perpetuando-se no tempo apenas por manobras de pauta e demora de julgamento, deu a liminar. Tocou o foda-se
Cálculo político-institucional nunca foi preocupação de Marco Aurélio e, sinceramente, eu já esperava alguma liminar há muito tempo. Até comentei aqui, inclusive logo após a decisão do HC. No fim, ele foi paciente e aguardou a pauta do novo presidente. Ser só em abril foi estopim
No mérito, impecável. Motivos, louváveis. Forma, péssima. Reflexos, os piores. Ministro n tem que fazer cálculo político quando se tratam de direitos constitucionais (mesmo quando dependemos do STF para frear autoritarismo), mas respeito à forma é essencial pra segurança jurídica
No fim, o casuísmo político-institucional no julgamento/pauta do HC de Lula e na manipulação de pauta das ADCs é combatido com outro casuísmo em liminar. Quando defendo aqui que isso sempre cobra seu preço no futuro é por isso. E quem paga a conta somos todos nós jurisdicionados.
