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Edgard Freitas @edfreitasneto
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1/25 Me pediram para explicar prum afegão médio que bagunça foi essa que aconteceu hoje. O problema é que a discussão é tão longa, antiga e técnica que resumir em tuítes é complicado
2/25 Existe um conceito bem instalado nas tradições jurídicas ocidentais chamado "presunção de inocência". Significa, basicamente, que toda pessoa acusada (em qualquer crime) deve ser considerada inocente até que seja condenada
3/25 Contra uma decisão judicial (via de regra) podem ser interpostos recursos. Existe uma razão óbvia para isso: juízes podem errar. O recurso sobre para uma instância superior, normalmente colegiada, composta (teoricamente) por juizes mais experientes
4/25 Só que também eles podem errar, razão pela qual a lei prevê também recursos contra a decisão deles. E assim sucessivamente, subindo o Olimpo como os cavaleiros de bronze subiram as doze casas
5/25 Mas alguém tem que ter a prerrogativa (ou privilégio) de errar por último, esgotando assim as possibilidades de recursos. Quando isso acontece temos o famoso "TRÂNSITO EM JULGADO".
6/25 Na maior parte dos países do mundo a condenação em segunda instância possibilita o cumprimento (execução) da pena. Esta é uma interpretação possível do princípio da presunção da inocência. Caso dos EUA e França. Alemanha espera o trânsito em julgado
7/25 Assim era no Brasil em todos os regimes constitucionais anteriores (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969), até que em 73 a lei foi modificada para proteger o delegado Fleury, simpático chefe do Esquadrão da Morte, que havia sido condenado em segunda instância
8/25 Mas mesmo com a lei a possibilidade de prisão com a condenação em segundo grau continuou sendo considerada constitucional
9/25 Mas aí veio a Constituição de 88 e colocou a coisa nos seguintes termos: "Art. 5º LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"
10/25 Em 2011 a Lei 12403 alterou o Art. 283 do Cod. Processo Penal para a seguinte redação: "Ninguém poderá ser preso senão (...) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado (...)".
11/25 Tudo bonito, tudo legal, mas tem um porém: nosso sistema recursal é vasto. Na prática, é possível recorrer até a prescrição da ação. E enquanto tivesse recurso rolando, o condenado não poderia começar a cumprir pena.
12/25 Em 1991 o STF julgou o HC 68.726 e entendeu por unanimidade que era constitucional a execução provisória da sentença condenatória. Marco Aurélio já era Ministro, mas não participou deste julgamento.
13/25 Já em 2009 o STF, por 7x4, entendeu que era INconstitucional executar provisoriamente a pena. Marco Aurélio se alinhou na tese da inconstitucionalidade (HC 84.078)
14/25 Em 2016, entretanto, o STF, também por 7x4, julgou o HC 126.292 e voltou à tese da CONSTITUCIONALIDADE. Marco Aurélio manteve o mesmo posicionamento de 2009. Observe que isso foi ANTES de vocês-sabem-quem se tornar réu na Lava Jato
15/25 A questão continuou sendo debatida pelos juristas, pois é uma questão eminentemente técnica. Todavia, a condenação de um certo alguém fez nascer uma nova urgência para a matéria
16/25 Por isso que existem alguns procedimentos no STF para rediscutir a questão da prisão em segunda instância. dentre eles, a ADC 54, protocolada pelo PC do B em abril deste ano no mesmo dia em que o TRF4 (segunda instância) condenou Lula
17/25 Idealmente Cortes como o STF deveriam manter a estabilidade e a coerência de sua jurisprudência pois nós, meros mortais, dependemos desta establidade.
18/25 Na prática cada Ministro é um mini-Supremo. Isso fica evidente nas chamadas "decisõs monocráticas", quando o relator de um processo pode tomar uma decisão urgente sozinho
19/25 "Vamos acabar com isso então", não é bem assim. Como o STF recebe centenas de milhares de processos por ano leva-se muito tempo para um processo ser julgado pelo colegiado. Nesse meio tempo as questões urgentes são decididas pelo relator, sozinho
20/25 E foi isso o que aconteceu: dois dias após se anunciar o julgamento colegiado da ADC 54 para abril/19, e no ULTIMO DIA de funcionamento normal do judiciário antes do recesso o Min. Marco Aurélio, relator, decidiu monocraticamente suspender as execuções provisórias.
21/25 Isso significaria saída automática do bonde do Lulão? Não: cada preso tem que requerer ao juiz da sua execução, e cada caso seria decidido individualmente.
22/25 A defesa de vcs sabem quem fez isso 40 minutos depois da decisão ser publicada. Em SC um juiz chegou a soltar um preso. A juíza da execução de Lula não chegou a decidir, pediu um parecer do MP.
23/25 Tudo isso para que? Para nada, pois Dias Toffoli, como presidente & plantonista, já suspendeu a decisão.
24/25 Na prática o que se tem é um dilema de ter que escolher entre um sistema jurídico funcional e um sistema jurídico rigorosamente constitucional, mas disfuncional.
25/25 Pessoalmente eu acho a proibição da execução provisória uma ideia estúpida, mas é uma estupidez coerente com o texto da Constituição. E eu entendo que Constituições devem ser obedecidas (a menos que se tornem pactos suicidas, mas aí é outra historia)
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