Thread by @agsportlight

Jornalismo é dar um pé na porta atrás da qual alguém quer esconder algo. É o que sempre falo em palestras e afins quando perguntado.
E no jornalismo esportivo, isso quer dizer necessariamente mostrar as entranhas do negócio futebol.

Negociatas, cartolagem e ter obrigatoriamente o foco nas
categorias de base. É a face mais cruel e suja desse negócio. Portanto,
obrigatório.

Nesses anos de profissão, dediquei boa parte da carreira a isso. Sem maior mérito. Por obrigação. Por isso essa sensação de fracasso agora. Os fracassos de Darcy Ribeiro.

Acho fundamental lembrar algumas dessas histórias e também creio ser obrigatório aqui contar resumidamente episódios sobre como esse jornalismo não interessa, salvo quando as portas são arrombadas. Começo com breve retrospectiva:

Em 2003, em parceria e muitas vezes carregado pelo imenso repórter @FellipeAwi, fizemos no jornal O Globo a série “Nos Porões do Futebol”, premiada no Brasil e no mundo.

"Nos Porões do Futebol" Mostrava pedofilia nas categorias de base, ação ilegal de empresários com meninos, desrespeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tráfico internacional de menores via futebol.

Segui fazendo diversas reportagens sobre o tema. Destaco em 2008 o documentário sobre ‘Infância x Futebol”. Está tudo lá. Muito do que falam agora. 3 meses rodando todas as regiões do Brasil vendo as sub-humanas condições de alojamentos de menores em categorias de base.

Em parceria com o gigante do jornalismo @groseguini que também me
carregou muito nessa. Deixo o link, dividido em 4 partes do documentário, que era parte do Sportv Repórter:

Links documentário "Infância x Futebol", Lúcio de Castro e @groseguini (sportv repórter):

1-


2-



3-


4-

Pouco tempo depois, mudou a direção. O novo diretor, que tinha na parede da sala uma foto autografada de Nuzman, falava com orgulho de que o plano dele era um programa com cartolas do esporte pra eles falarem dos seus planos.

Um dia me chamou e disse que não gostava do “jornalismo ideológico” desse mesmo Sportv Repórter que fazia programas como esses da base.

Respondi que desconhecia o que era “jornalismo ideológico” e que sabia o que era bom jornalismo ou mau jornalismo. E que tinha certeza do que fazíamos no “Sportv Repórter”.

Nem precisa dizer que o espaço que existia pra esse tipo de programa, investigações na base, etc, foi destruído. Deram lugar a destruição do que existia de jornalismo ali e abriram-se tempos de marquetagem tão pueril com estagiários lendo jornal ao redor do mundo.

Também o “Encontros Para a História” foi tirado do ar. Foi melhor.
O tal diretor (agora ex, que venham novos tempos...) já tinha me perguntado
quem era Eduardo Galeano, Ferreira Gular e Miguel Nicolelis.

Acho graça em alguns que estão dentro questionando não se fazer esse jornalismo. Poderiam ter feito tal questionamento quando tinha isso e deixou de ser feito no lugar de estarem acoplados servilmente a essas chefias.

Quem puder ver os links, dê essa honra. O que encontramos em alojamentos de base Brasil afora era assustador. Chamamos de “granjas humanas” e criadouros”.

Poucos se lembram, mas de forma inédita, após o documentário, fizemos um debate ao vivo, edição especial, com Milton Leite ancorando, sobre as aberrações em categorias de base no Brasil. Realmente era muito ideológico esse jornalismo e não podia seguir.