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A Reforma da Previdência apresentada ontem é um retrato cabal de algo explicitamente brasileiro: aqui, é impossível fazer algo que ferre só os ricos. Quer fazer algo que ferre só os pobres? Fique à vontade, puxe uma cadeira, é pra ferrar só os pobres ou os miseráveis também?
O teto de gastos não ferrou um mísero rico. Depois dele ser aprovado em 2016, o Congresso aprovou Refis atrás de Refis, que servem exclusivamente para beneficiar rico sonegador - em geral, rico sonegador contumaz. Enquanto isso, o orçamento de áreas como educação era achatado.
O episódio mais recente que ferraria só os ricos foi a queda do auxílio-moradia, que deveria ter acontecido em 2014 se o Fux não tivesse sentado em cima. E que só saiu combinado com reajustes, de modo a garantir que os ricos não fossem prejudicados. Outra vitória dos ricos.
A previdência dos servidores públicos é um problema de décadas, mas é um problema de rico, então a gente foi levando até chegar em um nível insustentável. Vá na apresentação do governo sobre a reforma, aqui o link. Slide 6. economia.gov.br/apresentacoes/…
Juntando todos os aposentados privados do país, o déficit foi de R$ 82 bilhões em 2018. Com bem menos aposentados, o déficit dos servidores públicos da União foi de R$ 51 bilhões. As pensões de militares, que vão pra reserva na suavidade com 40 e poucos anos, custam R$ 19 bi.
"Ok, então precisamos ferrar os ricos. Mas se tentarmos ferrar somente os ricos, vai dar ruim. O que fazer então?" Pule para o slide 9, que mostra a economia que será gerada pela reforma. Em 10 anos, as mudanças nas regras da previdência dos servidores economizarão R$ 173,5 bi.
No mesmo slide, a economia de "assistência fásica e focalização do abono": R$ 182,2 bilhões. Assistência fásica foram as mudanças no BPC, pago só para idoso miserável e deficientes. Hoje, o idoso miserável recebe um salário mínimo a partir dos 65 anos. Com a reforma, isso muda.
O idoso miserável vai passar a receber R$ 400 a partir de 60 anos e, ao chegar aos R$ 70, aí sim o mínimo. Somando tudo, o governo tirou uns 10% do que seria pago a idosos miseráveis no intervalo entre 60 e 70 anos. Vê lá o que um idoso faz com R$ 400 ao mês.
Focalização do abono é na verdade restrição de direito. Tá lá no slide 33. "Focalização da política do abono PIS/PASEP com a redução da renda elegível de 2 SM para 1 SM". O abono é uma ajuda anual para quem ganha muito mal - por enquanto, até 2 salários minímos.
O governo acha que não é tão mal assim, então quer dar o abono só para quem ganha no máximo um salário mínimo. O UOL estimou que 23,4 milhões de pessoas perderão o benefício por causa disso, 90% de todos que recebem hoje. Pessoas que ganham fortunas entre R$ 999 e R$1.996 por mês
Em resumo: a reforma economiza mais dando menos $ para idosos miseráveis e para quem ganham menos de 2 salários mínimos do que com "o fim dos privilégios" de servidores públicos com rendas de 20, 30 mil por mês. Porque no Brasil, rico só se ferra se um pobre se ferrar mais.
Esclarecendo um dado: falei em déficit de R$ 82 bi em 2018 no RGPS, mas esqueci de explicar que estava usando apenas o dado urbano (já que queria comparar com o RPPS, de servidores públicos). Com a previdência rural, deficitária por natureza, o déficit do RGPS sobe para R$ 196 bi
