Thread by @apyus

O Jesus que me interessa é o histórico. Mas mesmo o histórico acho digno de aplauso.

Há hoje algum consenso de que Jesus Cristo de fato existiu. Seria um líder religioso reformista que não chegou em vida a ver as próprias palavras irem além das localidades que visitava.

Os evangelhos foram escritos com algumas décadas de atraso. São relatos trazidos de memória por antigos aliados de Cristo. Por isso são imprecisos, por vezes conflitantes, e nada críticos ao trabalho de Jesus.

A “reforma de Cristo” ajudou a transformar o Deus vingativo e vaidoso do Antigo Testamento no Deus piedoso do Novo Testamento. Eu gosto de imaginar que o filho foi capaz de mudar a visão do próprio pai.

Nessa nova visão de mundo, destaca-se um compromisso tão firme com a bondade que ele há de servir inclusive aos inimigos; uma negação tão firme da violência que ela não deve aflorar nem mesmo em reação a uma agressão;...

...e o entendimento de que estes valores são tão altos que nada que é humano, nem mesmo o Estado, pode se equiparar a eles.

Chamo atenção a este último.

Pois os eventos bíblicos que se encerram com as celebrações de hoje começam com a chegada de Jesus a Jerusalém. E é curioso como muito do que acontece naquela última semana ainda nos serve de alerta.

Cristo havia ressuscitado Lázaro após quatro dias de sepultamento. O milagre fez dele mais popular do que nunca. Ao ponto de o povo recebê-lo em Jerusalém como se uma celebridade fosse.

Na visita a um templo religioso, não encontra uma casa para a prática religiosa, mas um verdadeiro comércio montado para os eventos da semana. Pelos relatos dos evangelhos, este é o único momento em que Jesus ignora o próprio discurso e violentamente expulsa os “cambistas” de lá.

(No sentido bíblico, “cambista” era quem negociava câmbio, pois Jerusalém se convertia no destino de muitos religiosos que trabalhavam com as mais variadas moedas.)

Mas o pacifismo defendido por Jesus era certeiro de tal forma que aquele único gesto de truculência lhe foi fatal: a traição de Judas seria comprada justo por aqueles cambistas.

Após a última ceia, Jesus se retira para orar com discípulos. Há divergências a respeito do local das orações. Mas sabe-se que, com um beijo, Judas identifica Jesus, que finda capturado.

No momento da prisão, um dos seguidores puxa uma espada para defendê-lo. Mas Jesus dispensa a ajuda com estas palavras: "Embainha a tua espada, pois todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão!”

Na prisão, Jesus é torturado. No interrogatório, qualquer resposta dada é tida por mentira. O julgamento em nada se assemelha ao que hoje entendemos como justo. E os mesmos “cambistas” surgem fazendo pressão para que a população ofereça perdão a Barrabás.

O resto é bem conhecido das missas e filmes. A tortura ganha as ruas, há alguns soldados misericordiosos, mas o clima é de deboche com o sofrimento do condenado, que morre já naquela tarde mesmo.

A fé como mercadoria, a sede capitalista alimentando a barbárie, o descaso com o sofrimento alheio, a tortura como método, o Estado como senhor da verdade, a morte como único destino justo daqueles que o Estado consideram bandidos, a morte como algo banal.

Estou falando dos detratores de Cristo no século I. Mas parece que estou falando de pretensos seguidores de Cristo do século XXI.

“Embainha a tua espada, pois todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão!”