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Vamos lá: também sou totalmente favorável à cobrança de mensalidades, mas eu vou dois passos adiante e acredito que ela não deve ser progressiva -- caso subsidiada pelo estado --, nem com isenção para alunos cotistas (qualquer que seja a cota).

Explico no fio.
Em primeiro lugar, não é função do organismo de coerção (governo) tentar reparar injustiças cósmicas -- termo que Thomas Sowell usa -- que existem. Há uma parte da desigualdade de renda que é gerada pelo governo e essa deve ser corrigida, mas aquela "natural" não deve ser tocada.
E aqui a correção não passa (necessariamente) por redistribuição forçada de renda, mas sim por acabar com privilégios estatais como aposentadorias, universidades gratuitas, salários descolados do mercado, exclusão de acesso à propriedade por pessoas pobres*, entre outros.
*É importante ressaltar que o governo força muita gente a continuar pobre ao não reconhecer o direito de propriedade deles sobre seus imóveis e com isso dificultar acesso a crédito, além de gerar um mercado informal com menor confiabilidade/maior incerteza.
É o caso das casas que as pessoas têm em favelas. A gente pode achar que é algo sub-ótimo, que as casas não seriam o sonho de alguém, yada-yada. Mas é uma propriedade que eles fizeram por onde conquistar e o governo praticamente define o valor dela como 0 ao torná-la irregular.
Com valor reconhecido = 0 e com instituições estatais não aceitando a sua existência, é difícil se ter acesso a coisas simples como água encanada (provida pelo estado, em geral), correios, bancos, e alguns "luxos" como TV à cabo (não gato-net), internet de alta velocidade, etc.
Hernando de Soto (@ReadingSignals) tem um trabalho muito bom sobre esse capital informal e como a regularização dele pode impactar positivamente a vida dos mais pobres -- sem precisar de nenhuma transferência forçada de renda, só reconhecendo o que já existe.
Acabando com a desigualdade gerada pelo governo, deixando pessoas usufruírem das propriedades que elas já têm e permitindo o seu uso para acesso a crédito já seriam bases excelentes para melhore e muito a vida das pessoas, sem precisar usar argumentos de injustiça cósmica/utopia.
Vai demorar um tempo para que essas quedas de barreiras gerem resultados. Mas serão resultados orgânicos e mais duradouros do que aqueles gerados por planejamento central/de cima pra baixo.
Em segundo lugar, mensalidade (ou anuidade) é um preço. Subsídio para qualquer grupo que seja gera distorção. A gente já vê isso agora com as mensalidades "gratuitas" para todo mundo. As pessoas não fazem análise de custo-benefício na hora de entrar na faculdade.
Como os cursos só têm o custo temporal -- o monetário está escondido --, os alunos não precisam fatorar se eles vão realmente ganhar alguma coisa com o que estão estudando o não. Cursos que capacitam muito ficam em mesmo patamar com cursos que não o fazem.
Habilidades inatas muitas vezes são ignoradas por causa de mecanismos de seleção ou o valor que se dá ao diploma de um curso. O sistema força muitos alunos a irem para formações inadequadas para aquilo que eles desejam ou que são capazes (e quase sem custos com esse erro).
Além disso, alunos não precisam analisar se logo que saem do Ensino Médio é o melhor momento para ir para a faculdade. Muitas vezes valeria à pena trabalhar por alguns anos antes de voltar a estudar, mas como o curso é grátis, por que adiar a entrada? Se não der certo, só trocar.
Se mantivermos a mensalidade gratuita para um segmento, distorcemos essa percepção só para ele. A tendência é criar um incentivo perverso: buscar diplomas só pela facilidade, quando aqueles que estão pagando vão analisar o valor da formação.
A pessoa mais rica que já tende a ter uma melhor rede de contatos em áreas mais bem remuneradas fará a análise se vale à pena ou não pagar X mil reais por um curso cujos skills podem ser aprendidos na prática. Vale colocar o dinheiro na universidade ou empreender/estagiar?
Se associarmos a isso o fim de algumas restrições de entrada nas profissões, tudo fica pior ainda para os mais pobres. O rico pode fazer uma apprenticeship no estúdio de publicidade, no jornal, na editora, no escritório de advocacia/mercado financeiro, e subir. O pobre não.
E o pobre vai ter um incentivo extra a ir para universidades que sabidamente não se importam muito com a formação para mercado de trabalho, nem com a flexibilidade para permitir jornada dupla de trabalho e estudo -- além de serem mais políticas e sofrerem mais com greves.
Em terceiro lugar há um problema de incentivos para as instituições de ensino superior. Manter uma parcela (significativa caso cotas sejam mantidas) da sua população discente subsidiada via impostos pode levar a um redesenho da estratégia de seleção de alunos.
A seletividade via vestibular pode abrir espaço para uma busca pelos alunos que garantiriam a verba continuar vindo do governo e, com isso, considerando a diferença de formação entre alunos mais ricos e mais pobres, haveria queda de qualidade da formação, da pesquisa e extensão.
"Ah, mas Davi, isso é elocubrar demais, é exagerar. Ninguém vai fazer isso..."

Universidades americanas baixaram os seus padrões nas últimas décadas justamente quando começou a vir mais dinheiro via empréstimos subsidiados. Então, é possível.

aacu.org/publications-r…
"Ah, mas Davi, seu sem coração, eu quero que os pobres possam ir à faculdade!"

Eu também! Mas eu não quero distorcer todo o sistema de incentivos para eles tornando a escolha de ir para a faculdade só por ir algo mais prevalente para eles.
Além disso, a gente tem de lembar que faculdade é um meio e não um fim em si só. Ela serve para ganhar habilidades e capacitação para trabalho, ou acessar informações que antes estavam restritas. As duas coisas são possíveis sem faculdades e muitas vezes até mais baratas!
Se o sistema de mensalidade for criado, a gente deve propagar demais a ideia de fundos patrimoniais que ajudem a custear o ensino de pessoas de baixa renda -- não usar dinheiro de impostos para isso.
Além disso, devemos criar redes de mentoria para alunos de baixa renda a fim de ajudar no processo desde a escolha de ir ou não para a faculdade até a qual curso fazer ou não. O Linkedin, por exemplo, está com um programa nesse sentido aqui nos EUA.
Essa rede de apoio tem um efeito muito maior e melhor do que subsidiar os cursos. As pessoas ricas normalmente já a tem na forma da família e dos amigos da família. Para as pessoas mais pobres a tendência é que seja mais fragmentada e governo nenhum consegue consertar isso...
O que eu estou propondo é uma solução que políticos não gostam: é a médio-prazo, tira o protagonismo deles, tira a capacidade de colocar o nome em uma legislação ou comprar votos. Mas é o tipo de coisa que a gente deve procurar para se ter uma sociedade mais justa.
E, sim, eu estou totalmente disposto a ressarcir parte dos custos da minha formação em universidade estatal caso a gente passe (corretamente) para um modelo de cobrança explícita e não de benefícios concentrados para custos dispersos como o atual.
Detalhe: manter o subsídio para um grupo específico, por qualquer que seja esse grupo, seria concentrar benefícios e distribuir custos.
Considerando que universidades estatais são algo escasso, a gente teria uma parcela significativa de pobres subsidiando outros pobres na faculdade. Isso é justo? Não. E é impossível se desenhar um sistema amplo em que ricos paguem por tudo.
Ou seja, ou a gente continua fazendo pobres e a classe média baixa que não estão na faculdade subsidiarem pobres que estarão na faculdade, ou a gente faz aqueles que se beneficiam do sistema pagarem por ele ou conseguirem que mecanismos voluntários os ajudem com os custos.
Por fim: cobrar mensalidade progressiva e subsidiar cotista é bem menos pior que o status quo e pode ser um passo para a solução correta. Mas não é nem de longe o objetivo final ou o que deveria ser o ponto de chegada nesse debate.
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