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@WillianFagiolo Boa noite.
Um populista de muito sucesso. É assim que eu defino o ex-presidente Jânio da Silva Quadros.
No entanto, observo que o populismo janista sempre se diferenciou dos demais populismos: "Jânio sempre demonstrou o mais absoluto desprezo pelo partido".
A fraqueza da organização partidária, em contraste com o carisma da personalidade do líder, é uma das características definidoras do populismo. @jairbolsonaro
Mas Jânio, neste aspecto, foi muito mais longe que outros grandes políticos do estilo populista. Getúlio, assim como Brizola, tem o seu nome ligado ao PTB; Adhemar, ao PSP; Prestes, ao PCB. O nome de Jânio não se liga a nenhum partido.
Tomou-os como simples legenda eleitoral, abandonando-os sem nenhuma cerimônia tão logo chegava ao poder.
Além disso, outro fator diferenciador do ex-presidente é que Jânio, em lugar da retórica redistributivista, clientelista ou nacionalista, explorou a retórica "moralista", centrada na denúncia da corrupção e da "vagabundagem" dos funcionários públicos.
Outro aspecto abordado é que, entre os líderes populistas, foi o mais inconsistente ideologicamente, aproximando-se dos comunistas e dos nacionalistas em algumas ocasiões e dos liberais da UDN em outras.
Em seu curto período presidencial, confundiu os adversários e os aliados com sua política e esquema de alianças, que ora parecia ser de direita, ora de esquerda. Nisto tudo, certamente, foi um mestre.
A renúncia de Jânio foi uma espécie de chantagem com o Congresso, com os militares e com as forças políticas com quem ele estava em choque.
Já na década de 50, Jânio emprega o marketing político muito bem. Nas próximas semanas e meses, a carreira de Jânio Quadros será com certeza dissecada nos mínimos detalhes pela imprensa.
Sua argúcia, seus dons oratórios, seu temperamento, sua apaixonada e persistente disposição a encarnar a autoridade impessoal da ordem pública.
Com a visão que hoje temos daquela época, do País, do sistema político e do próprio Jânio, penso que a chance não existia, era uma ilusão.
Com a renúncia ou sem ela, o mais provável é que caminharíamos para uma crise, ou pelo menos que o fenômeno Jânio Quadros sucumbisse aos obstáculos que o circundavam e às suas próprias limitações. É o caso de hoje, atual.
Em Brasília, Jânio caminhava para sete meses de governo, com medidas que variavam desde corajosas eliminações de subsídios até pequenas intromissões no cotidiano para demonstrar preocupação com a moralidade pública.
Ameaçar renúncias, manifestar explícito desapreço por partidos, tratá-los como simples instrumentos tornaram-se traços permanentes de sua atuação política.
Polarizar agudamente as disputas, o que de resto fazia com grande brilhantismo verbal e não-verbal, também servia a esse objetivo.
Arrisco-me a dizer que nenhum outro homem público brasileiro levou tão longe a fé na liderança carismática, ou seja, no relacionamento plebiscitário, direto, efetivamente intenso, entre o líder e seus adeptos.
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Às vezes a sensação generalizada de ilegitimidade requer um choque plebiscitário - assim como os choques heterodoxos na economia -, para revalorizar a moeda da confiança.
Gandhi na Índia, De Gaulle na França e de certo modo até Boris Yeltsin, plantando-se no Parlamento russo e convocando os cidadãos à resistência contra o golpe militar, são exemplos.
Mas, para cada exemplo positivo, encontramos pelo menos dez de aspirantes a condutores de massas que terminaram como demagogos ridículos, ou que acentuaram ainda mais o quadro de desencanto e de instabilidade do qual emergiram. @WillianFagiolo @jairbolsonaro
Em estágios muito primitivos, por mais que se configure esse tipo de relação entre líder e liderados, sem âmbito é restrito. Nas obras históricas e literárias que a descrevem em tempos pré-industriais, o líder dirige-se a uma pequena multidão, numa distância que sua voz alcança.
No outro extremo, que são os dias de hoje, o carisma é diluído pela televisão.
Transforma-se em "popularidade", no fato trivial de ser reconhecido por milhões de espectadores (redes sociais) dispersos, sem que daí decorra a lealdade duradoura e incondicional implícita na teoria do presidencialismo plebiscitário.
Todo grande escritor cria seus próprios precursores. Fernando Collor não foi eleito para ser escritor, mas seu discurso modernizante e até mesmo seu isolamento político compõem um retrato de Jânio como precursor.
As diferenças devem ser também notadas. Pelo menos na esfera do discurso, a Perestroika liberalizante de Collor é abrangente, explícita, diria mesmo doutrinária, ao passo que a de Jânio era um esboço, um bico-de-pena, uma inclinação até certo ponto intuitiva.
Com o isolamento político dá-se o oposto: o de Jânio era voluntário, doutrinário, diria mesmo obsessivo e visceral.
Collor decorre das circunstâncias particulares de sua eleição,do equívoco de pensar que precisava autonomizar-se em relação aos políticos e ao empresariado para tomar suas medidas iniciais e do típico efeito centrífugo que os revezes costumam produzir no sistema presidencialista.
Se tivesse condições para isso, o Collor de hoje seguramente buscaria um respaldo político e parlamentar mais amplo para suas reformas; ...
Jânio, ao contrário, nunca perdeu uma chance de amaldiçoar os partidos políticos e o Congresso, e de tanto fazê-lo parece ter passado a acreditar piamente no que dizia.
Esse embate dos anos 40 já esmaecia no final dos 50. mesmo assim, é difícil imaginar que Jânio no Olimpo, expedindo decretos, pudesse ter tido êxito para reformar o Estado e corrigir as distorções da estrutura econômica.
Para isso ele carecia de uma base política orgânica, um "partido da modernização".
Para muitos, Jânio era apenas um demagogo, um talentoso manipulador de massas. Eu não diria isso. Minha avaliação é que era um homem apenas parcialmente vocacionado para a política, ou talvez supervocacionado, mas apenas para alguns aspectos dessa atividade.
Por isso praticou-a de maneira viesada e unilateral, desenvolvendo em excesso a arte da comunicação com a massa anônima, da presença cênica e dos lances de efeito.
Revolucionário, no sentido que a palavra tem para a esquerda, com certeza não foi; mas também não foi um político conservador no sentido definido por Michael Oakeshot, para quem a política é sempre uma "pursuit of intimations", ...
...ou seja, a tentativa de concretizar possibilidades que já se delinearam na prática social.
Sua inclinação reformista e sua indignação com as distorções do nosso desenvolvimento fora provavelmente sinceras, mas não chegara, a meu ver, a adquirir contornos intelectuais precisos, e menos ainda se traduziram em meios políticos adequados à sua eventual implementação.
Em resumo, a visão política de Jânio Quadros, assim como a do movimento de massas que o apoiou, padecia de inconsistências e parcialidades que limitavam seriamente o seu teto de realização.
O estilo agressivo e independente de Jânio reverberava como algo bem mais poderoso que uma vassoura: era a alavanca, o bisturi gigantesco e destemido de que o País precisava.
Jânio da Silva Quadros é uma personalidade incomum, pois, examinando-se as personalidades históricas no mundo da política e das ciências em geral, podemos notar que em cada uma dessas personalidades conseguimos definir quem é populista ou pragmático.
O populista modifica o seu discurso, ajustando-o ao dia em que será pronunciado, diante das vicissitudes do momento e aos meios culturais, sociais e econômicos.
Refiro-me, neste caso, aos populistas astutos, prudentes, deixando de considerar certos tipos de populistas antigos e contemporâneos que praticam, ou praticavam, um só tipo de discurso, dentre eles alguns de passado não muito longínquo, que se mostravam cômicos e ...
...outros que apresentam um discurso puramente ideológico, imutável, já que procuram, em primeiro lugar, convencer a plateia quanto às vantagens da adoção dos seus objetivos ideológicos e, em segundo lugar, buscam a adesão e os votos.
O populista ideológico procura penetrar no conceito das populações mais simples, desprovidas de cultura, porque são manipuláveis e arrastadas facilmente para integrar-se a ideologias.
Jânio, considerado um líder carismático, com uma personalidade firme, contando com uma coalizão de grupos, resolve chegar às raias da tragédia da política brasileira: a renúncia.
O líder pode de forma significativa estabelecer diferenças numa série de conjecturas ao enunciar tomadas de decisões pessoais, em momentos de conjuntura crítica.
Charles de Gaulle, Joseph Stalin, John Kennedy e Lyndon Johnson e cada um deles, em sua época, tomou uma ou várias decisões desse tipo.
Foram pressionados até o máximo de suas resistências pelo peso da responsabilidade de tomar atitudes, enquanto outros vicejaram sob tais pressões.
Seu comportamento sempre apresentou, a cada dia, uma nova faceta, mostrando-nos que o Jânio que pensávamos conhecer no seu "todo" nos contradizia, nos surpreendia.
CARACTERÍSTICA IDEOLÓGICA: Social democrata.

TENDÊNCIA NACIONAL: Presidencialista.
No decorrer de sua vida pública, Jânio foi rotulado como: comunista, socialista, reacionário e entreguista.
Mas todos esses rótulos eram falsos, uma vez que o social democrata é defensor da eficiência das leis vigentes, conservador na manutenção e aprimoramento dos costumes e sedimentação das estruturas familiar e social.
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