Thread by @DennisAlmeida82

Este é um documentário sobre as ações de alma.Eram cartas de crédito garantidas pelas paróquias com a alma servindo de garantia.O Instituto Histórico de Pitangui tem o maior acervo deste documento no Brasil. Não conhecia?
Segue a Aula-fio...

via @YouTube

Uma forma não muito usual de obter crédito em Portugal era penhorar própria alma. Isto mesmo. Você pegava o dinheiro com um credor e dava a alma como garantia de pagamento. Não era corriqueiro, e nem bem visto, mas existia esta possibilidade.

Em Minas Gerais, Pitangui era a vila aurífera mais distante de Vila Rica (cerca de 300 Km). Fundado em 1715, era conhecida como vila rebelde. Até houve uma Revolta da Cachaça em 1719 que conto em outra Aula-fio. Mas o ambiente da vila sempre foi mais progressista que os demais.

Já no fim do século XVIII, no contexto do Iluminismo, iniciou-se o costume corriqueiro de penhora da alma. Os indícios são de uma influência do conceito liberal do Homem ser dono de si próprio. Se sua alma era sua propriedade, nada mais justo que ele possa usá-la como garantia.

O IHP tem mais de 900 ações de alma contando este fato curioso. Até onde sei, é o maior acervo deste documento que se tem notícia. Mas agora vem a parte ruim.

Em 04 de setembro de 2017, em um assalto à uma agência bancária que ficava no mesmo prédio, o Instituto foi incendiado. Por sorte o acervo não foi atingido com severidade.

em.com.br/app/noticia/ge…

A prefeitura de Pitangui transportou o arquivo do século XVIII para a biblioteca municipal, onde as caixas com os documentos ficaram sem nenhum tratamento até maio de 2018, quando eu fiz a higienização e minha esposa elaborou um plano de classificação provisório.

E o resto do acervo ficou no prédio incendiado, apenas com pombas, ratos e morcegos como testemunhas. O IHP não tinha dinheiro, nem sede para alocar todo o acervo (que conta com imagens sacras coloniais,móveis,documentação da Câmara e do Fórum que datam do início do século XVIII.

Em novembro de 2018, fui rever o acervo, e vi que havia goteira na sala onde estavam as caixas arquivo. A gestão do Instituto era feita por duas leigas em conservação e trato de acervo histórico e eu era na prática o único responsável.

globoplay.globo.com/v/7185941/

O IPHAN entregou o sobrado do fim do século XVIII que coloco a imagem abaixo para a prefeitura, para que fosse a sede do IHP. Mas a prefeitura quer se mudar para o prédio, e a disputa pelo prédio continua até hoje.O IHP até tentou arrecadar dinheiro por doações,mas não conseguiu.

A prefeitura entregou o prédio restaurado, mas sem nenhuma instalação elétrica. So ajudou a colocar o acervo dentro, sem nenhuma estrutura ou cuidado.Tenho até medo de como isto está hoje.O novo presidente é um membro do Instituto que nunca vi durante todo o processo que relatei.

Durante todos estes meses, a promessa era de contrato e efetivação como diretor do museu, que nunca se realizou. Foram pagas algumas das minhas idas de Nova Serrana, onde morava, até Pitangui (uns 40 km para ir e mais 40 para voltar). Eu não era voluntário. Pagava para trabalhar.

Isto serve para demonstrar não apenas o descaso dos governos estaduais e federal com o patrimônio histórico. Este descaso acontece nas pequenas cidades,cidades históricas.” Tinha era que derrubar todas estas casas velhas”e”tinha que queimar está papelada toda” foi o que ouvi.

A própria sociedade local não se engajou. Por quê? Por não se sentir dona deste acervo, que sempre foi gerido pelas “famílias tradicionais “. Esta história não era deles, aos seus olhos, mas dos donos da cidade.

Eu mesmo, quando criança, nunca fui ao “museu”. Nenhuma escola levava. Pois não éramos donos daquilo. Não pertencíamos àquele lugar. Éramos apenas expectadores ou figurantes.

Por isto, é tão importante a valorização do patrimônio histórico através da construção da identidade e da noção de pertencimento da população local em relação ao seu acervo histórico. Isto cria raízes, isto reforça empatia entre os membros de uma comunidade.

Ficou tarde, mas vou publicar agora e retweeto amanhã. Obrigado por acompanhar até aqui.

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