– Meninos! Tá na mesa!
Papai disse:
– Já vou! Meninos, vão indo… vou aproveitar mais 2 minutos da fresca… – e meteu metade do corpo pra fora da varanda.
– Pai?
E ele:
– Hã!?
– Vem aqui…
Papai fez tremer o edifício a passos largos:
– O que houve?
Mamãe estava sentada à mesa com a mesa posta: salada verde com tomate, arroz, feijão, bife acebolado e batata frita. E estava nua da cintura pra cima.
– Vai esfriar! Vocês não vêm?
Papai, coitado:
– Pixuxa, minha filha, o que houve? – ele estava de joelhos diante dela.
Papai virou-se e tentou interromper nossa marcha:
– Não olhem! Sua mãe está nua!
Ela ficou de pé e foi enfática:
– Nua? Estou sem camisa, como vocês. Sentem-se! – e sentou-se de volta.
– Vão vestir uma camisa, já!
Mamãe foi dura:
– Não! Hoje, não! Vai esfriar a comida. Vamos todos comer sem camisa hoje!
Foi o mais estranho jantar de meus 42 anos. Papai, assim que sentou-se, deu início ao transe.
– Ô, caboclo, dá licença. O senhor cuida do espiritual que da etiqueta e da educação dos meus filhos cuido eu. Canta pra subir! Saravá!
O caboclo cantou pra subir, de fato.
Papai cortava o bife e mastigava aos prantos.
– Pô, mãe, tudo em cima aí, hein!
Ela disse a meu pai:
– Gostou, meu filho?
E ele:
– Da comida?
– Não, meu filho! De sentar-se diante de mim e dos meninos assim, sem camisa! – e deu de rir, feito Exu-Caveira (apud Aldir Blanc).
Papai:
– Nunca mais, Pixuxa, nunca mais… – e assoou o nariz com o guardanapo de papel.
– Vocês entenderam, certo, meninos?
De lá pra cá – e lá se vão mais de 30 anos – nunca mais comemos nem de camiseta. Faça sol, chova, verão ou inverno, nunca mais ousamos desrespeitar esse desejo, tão simples, de mamãe.
Era isso.