Thread by @outrofobia

Como funciona o circuito fechado de retroalimentação de nosso comportamento de manada

Enquanto pessoas amigas se digladiam pró e contra a Reforma da Previdência, fiquei aqui pensando:

Afinal, qual é a MINHA opinião sobre a Reforma da Previdência?

O mundo é complexo e não dá para nos informarmos adequadamente sobre tudo.

Então, escolhemos algumas pessoas para se informarem em nosso nome e tomarem decisões políticas baseadas nesse conhecimento.

Existem alguns poucos assuntos que de fato domino. Existem algumas poucas prioridades políticas que me são importantes. Existem alguns poucos valores morais que para mim são claros e cristalinos.

Em larguíssima medida, os políticos que concordam com minhas opiniões sobre assuntos que domino, que compartilham as prioridades políticas que julgo importantes, que manifestam de maneira clara os mesmos valores morais que eu são os que se auto-denominam de esquerda.

Quando surgem assuntos tão grandes e tão complexos que não tenho disposição de dedicar o tempo necessário para compreendê-los, eu terceirizo minhas opiniões para essas pessoas com quem JÁ sei que compartilho tantas concordâncias, valores, prioridades.

Por exemplo, eu não sei absolutamente nada sobre a Reforma da Previdência, mas sei que literalmente 100% das pessoas que respeito e admiro no Congresso Nacional votaram contra. Logo, a princípio, até segunda ordem, sou contra.

O problema é o circuito fechado de retroalimentação.

Confio na opinião deles sobre o assunto X-que-não-domino porque concordo com eles na opinião sobre o assunto Y-que-domino.

Até aí, tudo bem.

Mas os assuntos-q-ñ-domino são a maioria esmagadora dos assuntos. Assim, vou terceirizando + e + minha opinião, c/opiniões cada vez + radicais e peremptórias sobre assuntos q, sinceramente, ñ domino, q ñ tenho base p/ter opinião ALGUMA, muito menos radicais e peremptórias.

Até aí, tudo bem.

(Mas menos bem.)

O problema é que opinião não é algo que a gente só TEM.

As nossas opiniões, especialmente as radicais e peremptórias, nos impelem a tomar ações concretas no mundo, desde compartilhar abaixo-assinado até comparecer na passeata, desde escrever texto político até votar em Fulano e não Beltrano na próxima eleição.

Então, subitamente, eu me pego de fato FAZENDO coisas em prol de plataformas sobre as quais não sei nada ou quase nada -- a não ser que existem pessoas que admiro, seja políticos em quem eu voto ou amigas em quem amo, que são a favor.

Quanto mais me pego fazendo ações concretas em prol dessas plataformas políticas, mais investido nessas opiniões eu fico, menos propenso a hesitar e questionar. (Afinal, teria que admitir que fui um idiota por tanto tempo!)

Quanto + investido, + eu me sinto parte integrante do GRUPO de pessoas que apóia essas plataformas políticas, + eu sinto aquela sensação gostosinha e aconchegante de q finalmente encontrei o meu lugar, de que finalmente estou entre pessoas com quem concordo em TUDO, TUDO MESMO!

Mas, se parar e pensar, se for sincero comigo mesmo e me interrogar com isenção, a verdade é que são pessoas com quem concordo em dois ou três valores importantes, e só. Todas nossas outras concordâncias são apenas virtuais e terceirizadas.

Essa é o circuito fechado de retroalimentação que fundamenta o nosso comportamento de manada:

1. eu delego a algumas pessoas muito bem escolhidas uma parcela grande de minhas opiniões (pelo motivo razoável que não tenho como me informar sobre tudo);

2. esquecendo que fiz isso, fico maravilhado e empolgado de encontrar pessoas tão incríveis com quem concordo em TUDO;

3. como concordamos em TUDO, naturalmente eu me prontifico a marchar, votar, protestar ao lado dessas pessoas incríveis;

4. vou me enfiando cada vez mais fundo em opiniões, plataformas políticas, projetos de poder que, de fato, não são os meus.

Enfim, não sei o que penso sobre a Reforma da Previdência.