Thread by @Alliatti

Amanhã completam-se 110 anos da morte de Euclides da Cunha, em um episódio bizarro: foi matar o amante da esposa e acabou morto por ele. E essa é uma das histórias mais inacreditáveis que eu já vi... NO ESPORTE. Segue o fio que eu explico.

A história aconteceu no Rio. Foi lá que a esposa de Euclides, Anna, teve um caso com um jovem militar gaúcho chamado Dilermando. Dilermando tinha um irmão, Dinorah, esse da foto. Dinorah seria a vítima inocente da tragédia. E ele jogava futebol. Onde?
Ora, onde... NO BOTAFOGO.

Dinorah era zagueiro, e, dizem, dos bons. E às vezes se aventurava no ataque, tanto que fez seis gols (!) em um mesmo jogo – em uma goleada de 13 a 0 sobre o Hadock Lobo. Ele começou no Internacional-SP, depois jogou no América e, em 1909, chegou ao Botafogo.

No Botafogo, seu maior feito seria o título de 1910, aquele que está no hino do clube. Pequeno detalhe: ao celebrar o título, ele já tinha limitações de movimentos, consequência de uma bala cravada em suas costas. Bala disparada por... Euclides da Cunha.

A tragédia aconteceu no dia 15 de agosto de 1909. Euclides tinha passado os últimos anos desconfiado de Anna, que se envolvia com Dilermando desde 1904. Ela engravidou duas vezes do amante. O primeiro filho durou oito dias. O segundo vingou. E era a cara de Dilermando.

Um dia antes, dia 14, Euclides já estava pronto para cometer uma loucura. Solon, filho de Anna com Euclides, escutara o pai jurar vingança. Acabou que Dinorah, nosso estimado zagueiro, foi enviado a Copacabana para tentar espionar o escritor. Não conseguiu descobrir nada.

Ele voltou para casa, na Estrada Real de Santa Cruz, na Piedade, onde morava com o irmão – nessa foto, ele aparece na frente da casa. Dormiu lá. No dia seguinte, por volta das 10h, encostado à janela, viu Euclides chegar. Virou-se para dentro e, aos gritos, avisou o irmão.

Dilermando foi para o quarto, colocou seu traje militar e pegou sua arma. Anna se escondeu. E Dinorah foi o primeiro a falar com Euclides. Pouco adiantou: o escritor já entrou atirando. Dinorah tentou correr para pegar uma arma, mas não conseguiu. Foi baleado nas costas.

Com Dinorah caído, Euclides e Dilermando passaram a trocar tiros. O escritor até atingiu o inimigo no pescoço. Mas Dilermando sabia atirar melhor. Acertou três tiros em Euclides. O terceiro foi no peito. O autor de "Os Sertões" cambaleou até o pátio. Lá, morreu.

A história, claro, foi capa dos jornais por semanas e semanas. A primeira reação foi de incredulidade, e depois foi nascendo uma raiva coletiva pelos irmãos – em tese, responsáveis pela morte de um dos maiores gênios brasileiros. Mas Dinorah seguiu jogando. E foi campeão em 1910.

O problema é que a bala cravada em sua espinha passou a ter efeitos no corpo. Dinorah começou a perder os movimentos. E logo teve que parar de jogar. Com parte do corpo imobilizado, virou alcoólatra e contraiu sífilis. Com a sífilis, veio também a loucura.

Fora de si, Dinorah passou a vagar pelas ruas do Rio de Janeiro, sem rumo, sem lar. E, em 1914, tentou se matar. Foi à praia (a praia de Botafogo!) e se jogou na água, ciente de que não conseguiria nadar. Mas acabou salvo.

Depois disso, voltou para o Rio Grande do Sul junto com o irmão. Teve momentos melhores, mas jamais superou a tragédia. Em 1921, jogou-se em novas águas: no Rio Guaíba, finalmente encontrou a morte que tanto buscava.

Essa história eu contei em 2012 no @globoesportecom, e é até hoje um dos meus textos preferidos. Dinorah mora para sempre no meu coração. (Fim da thread)

globoesporte.globo.com/bau-do-esporte…

@globoesportecom (Um adendo pessoal à história: Anna e Dilermando começaram o romance quando Dilermando morava em uma pensão na rua Senador Vergueiro, no Flamengo, A MESMA RUA EM QUE EU MORAVA QUANDO LI PELA PRIMEIRA VEZ SOBRE ESSE CASO. Surreal)

@globoesportecom ((Galera, não dou conta de tantos replies, tantos detalhes incríveis que o pessoal vem trazendo, mas só queria dizer que vocês são umas lindezas. Viva Dinorah.))