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Li o projeto aprovado na Câmara Federal, ontem, referente ao abuso de autoridade. Sei que o objetivo do Congresso é nobre, no entanto, alguns dispositivos preocupam, por serem muito abertos.
A lei penal, antes de tudo, precisa ser muito clara, objetiva, para não dar margem a perseguições e até a abuso de autoridade. A necessidade de a lei penal ser taxativa é um dos primeiros ensinamentos no curso de Direito.
O artigo 9, por exemplo, é de uma amplitude sem par. Seja em debates acadêmicos, seja em casos concretos, nada é tão controverso como as hipóteses de prisão cautelar. Punir o juiz por decretar prisão fora das hipóteses legais pode dar margem a perseguições.
Vejam, eu não estou defendendo prender pessoas ilegalmente, mas os debates são intensos acerca de quando a prisão se justifica. Criar um crime, nessas circunstâncias, pode, literalmente, paralisar as autoridades.
O artigo 10 fala em condução coercitiva manifestamente descabida. O que, exatamente, é isso? Será adequado criar um crime de conceito tão fluido?
O artigo 11 trata de captura fora de situação de flagrante delito. O problema é que o conceito de flagrante dá margem a teses inteiras...
O artigo 17 veda o uso de algemas, quando não há risco de resistência. Mas como o policial vai saber quem resistirá ou não? Não podemos criar um crime que venha a engessar a atividade policial. Eu compreendo a boa intenção, mas é preciso olhar a questão com algum distanciamento.
O artigo 25 também é problemático, afinal, não há consenso acerca do que seja obtenção de prova por meio manifestamente ilícito. Vejam os debates em torno dos próprios diálogos publicados pelo Intercept...
O artigo 34 criminaliza deixar de corrigir erro relevante em processo e procedimento. Eu pergunto: quem definirá qual erro é relevante?
O texto está repleto de expressões abertas. A intenção pode ser a melhor, mas o resultado não será bom. Digo isso, não pelo tema central (abuso de autoridade), digo isso por estarmos falando de uma lei penal.
Alerto que os novos crimes se aplicarão a um leque vasto de autoridades. Peço ao Presidente da República que ouça o Ministro da Justiça, antes de sancionar o texto. Ele tem conhecimento teórico e prático, poderá ilustrar as dificuldades que alguns dos artigos trarão.
Por óbvio, a lei não precisa ser vetada em sua integralidade. Há dispositivos mais precisos, que podem ser sancionados. Mas há pontos que merecem maior atenção.
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