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Terminou agora a sessão do Parlamento britânico que, pela segunda vez, rejeitou o pedido do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, de antecipar a eleição (snap election). Ele precisava de 434 votos favoráveis, mas só conseguiu 293 votos. 46 parlamentares votaram contra.
Mas essa história começou na semana passada quando, ao contrário do que a grande imprensa internacional publicou, a democracia britânica mostrou que funciona mais do que nunca. Johnson agiu e teve a reação do Parlamento. Foi a lei da física aplicada à política.
Como escrevi aqui e disse no Jornal da Manhã da @JovemPanNews, Johnson executou uma manobra política brilhante, mas arriscadíssima. Diante daquilo que foi considerado um ataque contra o Parlamento, ao usar um dispositivo legal legítimo, os deputados se anteciparam:
fizeram aquilo que o primeiro-ministro tentava impedir ao conseguir com a Rainha Elizabeth II o adiamento do retorno do recesso parlamentar. A partir de amanhã e até o dia 14 de outubro, 2 semanas antes do fim do prazo do Brexit (dia 31), o Parlamento estará em recesso.
Afirmei que a decisão era brilhante porque, ao dizer que o país sairia com ou sem acordo, pressionava Bruxelas a negociar em termos que fossem bons também para o Reino Unido.
Os adiamentos pedidos pelo governo de Theresa May e a capitulação dos tories que queriam um acordo de qualquer jeito só enfraqueciam - como enfraquecem - a posição do Reino Unido e, como corolário, fortalece o poder de negociação da União Europeia.
Johnson tem dito desde o início que cada obstáculo criado pelo Parlamento atrasa a resolução do problema e reduz o poder de barganha do Reino Unido. Ele continua tendo razão.
Os parlamentares colocaram a instituição do Parlamento numa posição delicadíssima ao rejeitar as três propostas de May e não deixaram margem para que o governo de Johnson tivesse tempo para desenvolver outro tipo de estratégia.
Eles passaram para a sociedade e para a União Europeia a impressão de que não sabem o que querem e que não aceitam nada que não sejam a sua própria dúvida e hesitação.
No fim de semana passado, inclusive, representantes da União Europeia e do governo francês se posicionaram contra mais uma prorrogação do prazo por considerar que seria inócuo, uma vez que nenhum plano foi apresentado para justificar o pedido.
Eu falei em manobra brilhante, mas nem sempre tal coisa se revela eficaz. Foi o caso.
Curiosa ironia foi Johnson achar que depois de ter conseguido adiar o retorno do recesso, numa ação que o Parlamento viu como tentativa de impedi-lo de decidir sobre os termos do Brexit, esse mesmo Parlamento aceitaria passivamente a manobra e o pedido para antecipar a eleição.
Pois é. O primeiro-ministro pediu o adiamento do retorno do recesso por acreditar que os deputados aceitariam passivamente a estratégia ou não reagiriam da forma como reagiram. Diante da reação vigorosa, Johnson tentou a aprovação da convocação de eleição antecipada.
Ao fazê-lo, dobrou a aposta no erro, achando que os deputados fariam o que ele achava que eles fariam mesmo depois de Johnson ter feito o que os deputados achavam que o primeiro-ministro jamais faria (adiar a volta do recesso).
Como Johnson pôde ter considerado que os deputados, especialmente Jeremy Corbyn, líder dos Trabalhistas, respeitariam a tradição de aceitar a convocação de nova eleição sendo que o próprio Johnson rompeu a tradição ao aumentar o tempo do recesso?
A partir desse falhanço, Johnson e sua equipe mudaram a estratégia. Ele, que não queria antecipar a eleição, passou a vê-la como único recurso para levar o Brexit adiante.
Mas disso dependia a decisão dos britânicos de eleger um novo Parlamento cuja maioria de tories e aliados o mantivesse no cargo e legitimasse a sua decisão de conduzir a saída com ou sem acordo.
Parece claro que a maioria dos parlamentares não quis autorizar a convocação de nova eleição por temer essa possibilidade. Temor fundamentado nas pesquisas publicadas na semana passada que mostraram vitória dos tories em caso de eleição antecipada.
Corbyn foi, inclusive, aconselhado pelos seus pares a rejeitar a snap election porque a possibilidade de derrota era muito maior do que a ilusão da vitória. Preferem os trabalhistas apoiar uma eleição em novembro após aprovada prorrogação do prazo de saída.
Os trabalhistas acham que, em novembro, a posição de Johnson sobre o Brexit não teria o apelo de agora e a chance de vitória dos Trabalhistas passaria de sonho para realidade.
Dois erros fundamentais do primeiro-ministro e de seu gabinete foram, primeiro, incumbir Dominic Cummings, estrategista genial, braço direito de Johnson e sujeito que detesta políticos, a negociar com os tories rebeldes; o segundo erro foi expulsá-los do partido.
Tal decisão só fez aumentar a rejeição dos deputados contra o governo de Johnson e criar cisão interna no Partido Conservador. E eu realmente não sei se haveria qualquer possibilidade de negociar com os rebeldes e achar consenso dadas as posições divergentes sobre o Brexit.
Eis o desafio futuro: caso Johnson não consiga se manter no cargo, os tories terão que cuidar das fraturas internas e reorganizar o partido; caso seja bem-sucedido, como líder, mudará profundamente o partido Conservador, como o fez M. Thatcher quando assumiu a liderança em 1975.
Após mais uma negativa do Parlamento de aprovar a eleição antecipada, e impedir que os votantes decidam o que deve ser feito, com o próprio Johnson tendo afirmado que não pedirá prorrogação do prazo, que preferia morrer numa vala a fazê-lo, eis o fato, eis o drama:
o medo de uma eventual saída sem acordo é tão grande que trabalhistas, liberais democratas e uma parcela dos tories, sofrendo da Síndrome de Chamberlain, entre a desonra e o Brexit, escolheram a desonra e terão o Brexit.
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