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1- A decisão do primeiro-ministro Boris Johnson e de sua equipe de pedir à Rainha Elizabeth II o adiamento da volta do recesso parlamentar foi uma jogada política brilhante, embora arriscadíssima.
2- Ao concordar com o pedido, a Rainha fez o que tradicionalmente tem feito: respeitar a decisão do primeiro-ministro. Não foi a primeira vez nem será a última.
3- Mas, em se tratando de tema tão delicado, acredito que ela tenha sido convencida pelos argumentos do grupo capitaneado pelo deputado conservador Jacob Rees-Mogg lider do partido na Câmara.
4- Foi hilário, aliás, ver as reações de quem até outro dia acreditava que a Rainha da Inglaterra não tinha poder político algum e que a Monarquia era mero, excêntrico e caro enfeite institucional. Os poderes da Rainha são diversos e fundamentais à ordem política britânica.
5- Voltando à decisão, dois são os objetivos centrais: a) dificultar a tentativa dos parlamentares de aprovar legislação que impediria um Brexit sem acordo; b) neutralizar a tentativa dos oponentes de convocar novas eleições com a finalidade de substituí-lo antes do Brexit.
6- Os riscos mais previsíveis eram a torrente de ataques contra Johnson, seu governo e contra o próprio Brexit; as declarações sobre o fim da democracia, autoritarismo et caterva; a reação violenta de uma parcela de seus pares do partido Conservador.
7- É o que vem acontecendo desde dentro e fora do partido. O conservador John Major, que sucedeu Margaret Thatcher, entrou na briga e disse que também recorrerá ao judiciário para impedir a manobra do primeiro-ministro.
8- Outra informação importante que você só lerá aqui é a seguinte: por trás da estratégia de ação política de adiar o retorno do Parlamento está Dominic Cummings, braço direito do primeiro-ministro no n. 10 de Downing Street.
9- Cummings foi o cérebro da vitoriosa campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia e é um estrategista político brilhante, trabalhador obsessivo, sem apego algum pelo poder e um sujeito sem o menor apreço por políticos.
10- A união entre Johnson e Cummings está desconcertando uma ala mais antiga dos tories, deixando sem reação os adversários trabalhistas e confundindo a imprensa britânica (com raras exceções como Telegraph, Spectator) e internacional.
11- Aliás, tudo o que você saberá pela imprensa brasileira sobre o que está acontecendo no Reino Unido tem como fontes a parte da imprensa que já se colocou como adversária do primeiro-ministro desde o primeiro dia: BBC, Guardian, Economist.
12- Ao contrário da titubeante Theresa May, que era contra o Brexit e foi alçada à liderança do partido Conservador e à chefia de governo, Johnson disse desde que assumiu que levaria a saída adiante, com ou sem acordo.
13- A determinação do PM não é inconsequente, entretanto. Ele tem se reunido com as principais lideranças europeias para estabelecer algum tipo acordo, e tem a seu favor o temor da União Europeia de uma saída sem negociação.
14- Por último, vejam “Brexit: The Uncivil War”, com excelente ator B. Cumberbatch. Apesar de tornar certos personagens caricaturais (como Johnson) e tomar certas liberdades, o filme, mediano, mostra o papel fundamental de Cummings na campanha que levou à aprovação do Brexit.
