Thread by @thalescmachado

O "fecha ou não fecha" do Bar Luiz fez muita gente pensar: "mas é só um bar velho decadente".

Pode até ser, mas a história de um bar de 132 anos é a História. Dá pra aprender sobre o Brasil na II Guerra, por exemplo, como no anúncio do Globo de 1942. Explico (e tem +) na thread.

De 1887, o bar era Zum Schlauch e depois virou Zum Alten Jacob (Ao Velho Jacob), em homenagem ao fundador, que vai para a Suíça em 1908 e deixa para o sócio Adolf Rumjaneck, austríaco, que aproveita uma lei de valorização da língua portuguesa de 1915 e o nome muda parq Bar Adolf.

Quando o Brasil toma partido na II Guerra Mundial, em 1942, estudantes se revoltam contra o bar - teve até apedrejamento -, achando se tratar de uma homenagem a Adolf Hitler. Era uma coincidência, mas na guerra não há coincidências. O dono, desesperado, corre pra mudar o nome.

E o tal Adolf já nem estava: morrera em 1926, deixando o bar para o sócio, o austríaco Ludwig Vöit. O sujeito comprou uma semana de anúncios no @JornalOGlobo, no meio do noticiário da Guerra, para dizer: não somos um bar nazista, tanto que vou mudar de nome, agora é "Bar Luiz".

Um bar de 132 anos também carrega a história social da cidade. Semana passada o Bar Luiz teve uma garçonete pela primeira vez. Fuçando nos arquivos do Bar Adolf - que tinha o apelido "Braço de Ferro" porque tinha uma mesa de queda de braço - dá pra ver o machismo da época. Segue:

Em 1941 o Globo noticia que a pianista Lucy Vester foi julgada "mulher de má condição" por um garçom da casa, pedindo para um guarda municipal a retirar do Bar Adolf. Ela se recusou e foi espancada pelo homem da lei e ainda ficou presa por uma noite na delegacia mais próxima.

Sinal da evolução dos tempos: curioso é que, fosse hoje que um guarda espancasse uma cliente e levasse para a delegacia mais próxima, ele, e não ela, seria preso. Atualmente, a delegacia mais perto do Bar Luiz é, justamente, uma DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher).

A história do Bar Luiz nos ensina também a história do hábito de se beber. Nesta nota dos 50 anos do Bar, em 1937, dá pra ver que se bebia cachaça em pé em "tendas", tipo quiosques. Foi o Bar Luiz (Adolf) que trouxe a "inovação" de mesas, cadeiras e... cerveja e chope gelado.

A fuçada no arquivo rendeu curiosidades. Na década de 1930, o dono já entendia de MIMOS. Distribuía presentinhos para os influentes jornalistas e redações para angariar simpatia e divulgação.
Nada muito diferente das marcas com os digital influencers do Instagram 90 anos depois.

A relação do Bar Adolf/Luiz com a imprensa era quase óbvia. Jornalistas boêmios frequentavam e os donos eram amigos da imprensa. Em vermelho nesse mapa, o antigo endereço do Bar Adolf. Em marrom, redações de jornais de 1887 até 1925, antes do Globo e JB. O local atual é bem perto

Nesse anúncio de 1956, várias opções de restaurantes na cidade há 63 anos. Das 19 opções, só três permanecem abertas.

O Lamas (que mudou do Largo do Machado para o Flamengo), de 1874. O Bar Luiz, na Carioca, de 1887. E a Spaghettilândia, na Cinelândia, de 1948.

O não fechamento do Bar Luiz mantém o top 5 de restaurantes + antigos em funcionamento no 🇧🇷

1° Lamas (RJ) - 145 anos
2° Carlino (SP) - 138
3° Leite (PE) - 137
4° Rio Minho (RJ) - 135
5° Bar Luiz (RJ) - 132

Se fechasse, o Gambrinus, de Porto Alegre, 130 anos, entrava na lista

Em tempo, só não conheço o Carlino, em São Paulo. Mas diria que o melhor chope é o do Bar Luiz, a melhor comida do Rio Minho, o melhor ambiente do Lamas, a melhor volta ao passado no Leite e o melhor atendimento no Gambrinus.

Todos cobram mais do que deveriam.

Voltando ao Luiz, da época que notícia com dono de bar era capa de jornal. Seu Ludwig passou no TESTE DE FIDELIDADE da época, em plena Praça Tiradentes. O Bar Adolf em dias de programa do João Kleber misturado com "Polícia 24h" na década de 1930.

Aqui, na edição de O GLOBO de 31/12/1927 - nem Copa do Mundo existia - o Bar Adolf (com logo idêntica a do Bar Luiz de hoje) deseja um feliz 1928 aos leitores e clientes. Olha o tamanho da máquina fotográfica que a Kodak faz propaganda.

Me emociono com essas coisas do passado.

Em 1932 o bar desejava um feliz "anno novo" em 1933. Ao lado, um anúncio mostrava o serviço especial de "omnibus" no verão para banhistas. Na mesma página, belíssimo marketing do ELIXIR DE INHAME.

Hoje é segunda e, ao contrário do que se esperava, o Bar Luiz não vai fechar. É um ano novo, de certa forma. Que os donos saibam ter responsabilidade com o patrimônio que têm, que clientes lembrem do velho amigo com mais frequência. A História é importante. Vida longa e saúde!