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Seguindo esta #thread você vai respirar América Latina no seu puro estado. Verá que até no ato de colecionar figurinhas há muito da cultura SUDACA. Pesquisei 40 álbuns de Copa América de 1991 até hoje, em 9 países. Chamo a epopeia de "Jogos, trapaças e cromos autocolantes"
O fio foi a inspiração para a reportagem que saiu no site do @JornalOGlobo. No link, todos os detalhes dessa história maluca, a fala dos personagens, os processos.

Aqui, análise mais mundana e detalhes sórdidos que ficaram de fora do texto. Segue aí ⤵️ oglobo.globo.com/esportes/jogos…
O primeiro álbum de #CopaAmerica que encontrei foi de 1991, no Chile. Para ter apelo de venda, reparem, é um álbum COMBO DOIS EM UM.

Vale para a Copa América e para o Campeonato Chileno. Um jogador da seleção brasileira (é o Dunga loiro?) e um atleta do Colo Colo, lado a lado.
No torneio de 93, no Equador, tem este álbum chileno do torneio, do jornal "La Tercera". Para evitar pagar por direitos de imagem, meteram uma BOLA na cara do jogador, em clara foto montagem de celebração de gol. O goleiro escondeu a cara e o título veio na fuça do defensor.
O mesmo jornal "La Tercera" publicou em 1995 este álbum, e resolveu o problema desenhando jogadores inexistentes (!) de Chile e Argentina. Quem não existe não cobra direito de imagem né?

O patrocínio da Adidas, porém, aparece bem. Repara lá em 1993 que era Diadora.
Ainda em 1995 tem essa versão argentina de um álbum. A capa, que mais parece um poster, tem Gabriel Batistuta como grande destaque. Foi a última Copa América de Batigol (foi artilheiro com 4 gols), mas ele seguiu aparecendo até... 2001, três edições depois (!) nos álbuns.
Valia tudo pra vender. Nesse álbum venezuelano de 95, Romário, craque da Copa de 94 era capa. Mas não foi convocado e, por isso, não tinha figurinha dentro do livro ilustrado. Estratégias latino americanas de marketing.

E, sem Google, não sabiam a data de nascimento de Viola.
Em 97, temos figurinhas no Brasil. @Ronaldo estampa a versão brasileira e boliviana/latina de um álbum pirata.

O curioso: na versão brazuca, somem da capa o símbolo da Nike no uniforme do Brasil e o escudo da @CONMEBOL. Em ambas, trocaram a bandeira do México pela da Itália.
Este álbum de 1997 é um marco porque é o primeiro da Copa América lançado pela Editora Navarrete, do Peru 🇵🇪, que vai ser protagonista nessa história mais pra frente, com seus álbuns coloridos, simples e originais. E feitos na rataria. Sem pagar um real de licenciamento.
A italiana Panini, no Brasil desde 1989, não se interessava pela Copa América, focando em ligas locais e europeias. A primeira ação para o torneio da Conmebol são estes cards da seleção, que viraram moda e voltaram na Copa de 98. Mas nada de álbum da Copa América até então.
A Copa América de 1999 teve um festival de álbuns não oficiais pelo continente. Esse aí é a versão uruguaia, da revista infantil Charoná.

Em destaque, Batistuta 🇦🇷, Ronaldo 🇧🇷, Asprilla 🇨🇴 e Nico Cruz 🇺🇾, um jovem de 22 anos que tinha sido melhor da Copa do Mundo sub-20 de 97.
Ronaldo é presença garantida nas várias versões de álbuns pelo continente em 99.

Na versão chilena está com Burrito Ortega 🇦🇷, Salas 🇨🇱 e um paraguaio que não identifiquei.

Na da Ed. Navarreti, peruana, vem com Mendoza 🇵🇪, Etcheverry🇧🇴 e Batistuta 🇦🇷, que nem foi chamado.
Por fim, a versão mais feia do álbum de 1999, a boliviana, com um camisa 19 que não identifiquei vestindo uniforme neutro na capa. Destaques menores, Ronaldo 🇧🇷 (em foto TRISTONHA após perder a final do Mundial de 98), Luís Hernández 🇲🇽, Verón 🇦🇷... alguém. identifica os outros?
Na confusa Copa América de 2001, na Colômbia, a Panini finalmente faz um álbum para o mercado brasileiro. A capa é sem sal. Bandeiras mais nada.

Mas o mundo latino não se dá por vencido e a Navarrete lança um álbum pirata cheio de colores e peculiaridades... Lá vai:
Ignorando o Brasil na capa, a Navarrete faz um álbum MEXICANO. Com uniformes sem escudo, Blanco 🇲🇽, Jairo Castillo 🇨🇴 e Ortega 🇦🇷 na capa.

A versão peruana veio com mais COR, um título diferente por questões legais e Roberto Silva 🇵🇪 no lugar do mexicano. Tem mais curiosidade...
A presença de Ortega na capa já é um erro. A Argentina 🇦🇷 acabou desistindo de participar por não confiar na segurança na Colômbia, país sede.

Você está acostumado com jogadores que entram no álbum, mas não jogam a competição, mas que tal UMA SELEÇÃO INTEIRA nessa situação?
Para o lugar da Argentina, a seleção de HONDURAS 🇭🇳 foi chamada. E eles eliminaram o Brasil 🇧🇷 na semifinal. Fica a lembrança do vexame com a página brasileira do álbum com LEÃO de técnico.

O detalhe: sem poder usar o escudo da CBF, o BRASÃO DA REPÚBLICA vinha em cada figurinha.
Honduras não tá no álbum, mas foi à final, acabou derrotada pela Colômbia mais sem graça da história (vide figurinhas sem carisma), que acabou campeã.

Um bônus track é a figurinha do jovem Loco Abreu com o brasão (!) da República Oriental do Uruguay.
Com Panini e Navarrete, 2001 marca a 1a concorrência entre as duas gigantes do mercado na Copa Améica. Perceba, porém, que nenhum dos álbuns tem a marca do torneio, logo da Conmebol ou de seleção. Nenhum é oficial.

E o estilo "nutella" x "raiz" vai dar o tom daqui pra frente
A estratégia da Panini no Brasil é se aproximar da Conmebol e tentar fazer o álbum licenciado e oficial, padronizado. A estratégia COPERA da Navarrete é seguir fazendo seus álbuns alternativos sem pagar por direitos, escondendo o que precisar ser escondido.
2004: a Navarrete lança esse álbum. Tem figurinha de Ronaldo, mas ele não joga o torneio, e mesmo se jogasse, Ronaldinho já era o destaque do 🇧🇷, acompanhado por Gutierrez 🇧🇴 , Verón🇦🇷, Pizarro 🇵🇪, e Blanco 🇲🇽.

Todos sem escudos.

A Panini tenta acordo, sem sucesso, e sem álbum.
O curioso é que o herói daquela edição, Adriano, o Imperador, não apareceu entre as figurinhas do Brasil.

Aliás, QUASE TODAS AS FIGURINHAS do Brasil no álbum são de jogadores que não foram à Copa América 2004.

De 17 só duas certas: o técnico Parreira e o atacante Luis Fabiano.
Em 2007, finalmente, a Panini se acerta com a Conmebol e lança o primeiro álbum oficial da história do torneio. Eles aproveitam e botam tudo que não podia na capa: marca oficial do torneio, escudo oficial das seleções... mas nenhum jogador.
A Navarrete não se faz de rogada e consegue acordo com a Federação Venezuelana, que sediava o torneio. Lança três versões do álbum, que também chama de oficial. Repare, porém, que não usa nenhum escudo além do venezuelano, único que tinha, de fato, autorização. Farfán é destaque.
Na versão 🇲🇽, a capa vem com três mexicanos (R. Márquez, Borghetti e Pardo), e só Adriano e Messi ficam como destaque não local.

Na versão 🇧🇷, só a mascote, desenhada por uma menina de 15 anos, que, claro, não ganhou nada por isso. Enganar criança é foda.
Nessa altura, a Navarrete já tinha sido multada por concorrência desleal em 3 álbuns de Mundial. E finalmente foi sancionada por um de Copa América, mesmo chamando o seu livro de "licenciado".

Mas seguia fazendo porque pagar as multas era mais barato do que pagar os direitos.
Álbuns como esse, lançados de forma independente no país sede, como o de 2011 na Argentina, ficam raros com o domínio do mercado licenciado pela Panini e da força pirata da Navarrete. Na capa, um cabeludo Messi, um Kaká topetudo em foto de 2006 e Forlán de 2010.
A lógica Navarrete x Panini segue em 2011. A editora peruana lança um coloridíssimo álbum sem nenhum escudo ou marca oficial, com Farfan, Messi, Forlán e Robinho na capa. A Panini usa bandeiras e o bonito troféu, sem nenhum jogador para destacar.
A Panini não usa jogadores na capa porque os álbuns ficariam bem mais caros. Ter a figurinha de Messi custa X. Na capa é outro preço. Em 2015, duas versões: a brasileira, com o mascote em destaque e a latina, com bandeiras e um desenho um pouco mais vivo que nos outros anos.
Já a Navarrete, usando A RATARIA como estratégia, usa sem nem perguntar. E usa porque, nas bancas, são os ídolos que vendem.

Em 2015 Messi é a estrela do continente, Farfan e Guerrero do país, Neymar, James, Suárez e Sanchez os coadjuvantes.

Sem escudos, mas com a taça e marca.
A Copa América Centenário, de 2016, seguiu o mesmo padrão.

Vale notar que a Navarrete pratica preços mais baixos: em 2019, a Panini cobra R$ 8,90 no álbum e R$ 2,50 no pacote com 5 figurinhas. Em 2016, o preço da Navarrete, em reais era R$ 1,20 pelo álbum e R$ 0,60 pelo pacote.
Em tempo, o álbum da Navarrete trouxe Neymar na capa. Ele nunca sequer foi cogitado na convocação, porque ia jogar a Olimpíada em 2016. Mas vende, então foi, ao lado de Messi, o grande destaque. Atrás estão Guerrero, Vidal, Suárez, Farfan, James e Chicharito.
Em 2019, mudanças. Mas pra isso precisamos entender a Copa do Mundo de 2018. O Peru, sede da Navarrete, se classifica para o Mundial depois de 26 anos. Ao mesmo tempo, a editora toma muitas multas pelos álbuns antigos, sem direitos. A Panini lança seu álbum global.
Mas a demanda é tanta no país que faltam figurinhas por toda parte. Do nada, surge um álbum local. Navarrete de volta contra tudo e todos? Não, "3 Reyes" é o nome da editora, mas ninguém ouviu falar. Colecionadores, porém, percebem, é o mesmo estilo e qualidade.
Sim, senhores, a editora não confirma, mas os peruanos têm absoluta certeza: a Navarrete simplesmente lançou um álbum com nome falso para evitar multas e, dominando a distribuição no mercado local, passou a concorrer com o álbum oficial da Panini (!).
A polícia peruana, sem ter quem multar, proibiu a venda do álbum da 3 Reyes/Navarrete, o recolheu das bancas, o que o fez ficar mais raro e desejado no Peru.

De quebra, foram surgindo outros álbuns piratas no país. E todo mundo se perguntando se era O NOVO DA NAVARRETE®.
Chegou 2019, a Copa América e o fim da nossa história. A Panini lançou seu álbum oficial, licenciado e com capa semelhante a outros anos.

A Navarrete? Não lançou nenhum. Teoricamente. Quem lançou, e tá vendendo bem, foi a 3 Reyes.
Perdão pelo longuíssimo fio, mas foi uma pesquisa muito divertida de fazer. A reportagem completa, com os detalhes jurídicos da história, e enredo completo está no link. Se você chegou até aqui vai se interessar:

oglobo.globo.com/esportes/jogos…
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