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Fio sobre guerra às drogas. Afirmei que décadas antes dela começar os economistas já alertavam que não daria certo e que as evidências acabaram confirmando o que eles previram. Pediram referências dessa discussão, então segue o fio 👇👇👇
O pioneiro do raciocínio econômico sobre a relação entre leis comerciais e atividades ilícitas foi Cesare Beccaria. No séc. 18, ele teorizou que impostos altos demais sobre o tabaco incentivariam o contrabando. Fez o 1º cálculo da taxa mais alta que não geraria contrabando.
Século 19 tivemos contribuições para essa discussão, mas menos decisivas. No século 20 é que o olhar econômico sobre tentativas de criminalização ganhou força. O gatilho foi a "Era da Proibição" (1920-1933) nos EUA, quando criminalizaram o comércio de bebidas alcoólicas.
Dois economistas pouco conhecidos perceberam os problemas da criminalização do álcool: Herman Feldman com o livro "Prohibition: Its Economic and Industrial Aspects (1930)" e Clark Warburton com "The Economic Results of Prohibition" (1932)
Um dos argumentos dos defensores da criminalização do álcool era de que ela tornaria os trabalhadores mais sóbrios, levando a ganhos de produtividade da indústria. Em 1930 Feldman levantou estatísticas que colocavam em dúvida esses supostos ganhos.
Em 1932, Warbuton calculou que o gasto médio com álcool pré e pós proibição era o mesmo. Mudou o que consumiam: substituíram a cerveja (barata, pouco álcool) por destilados (caros, mais álcool). Quantidade consumida caiu, mas pouco. Isto é: demanda inelástica. É o vício!
Talvez mais importante que isso, na argumentação eles apontaram que os custos da fiscalização para fazer valer a proibição deveriam ser levados em conta no cálculo dos benefícios. E os pequenos benefícios do menor consumo não seriam suficientes para compensar a fiscalização cara.
Após o fim da criminalização do álcool, logo veio a 2ª guerra e caiu o interesse pelo tema das consequência da criminalização. Mas a ideia de que a proibição era contra-producente já circulava.
Em 1968, Simon Rottenberg analisou a economia da proibição da heroína, vigente desde 1914. Explicou o pq dos custos elevados de fiscalizar, da ineficácia da fiscalização e que quanto maior a proibição, maior o incentivo à cartelização e à corromper agentes públicos.
Em 1969, Edward Erickson expandiu a análise de Rottenberg, analisando mais de perto a relação entre proibição, preço no mercado ilegal e o incentivo ao crime que o preço elevado gerava. Daqui em diante, estabeleceu-se a necessidade de olhar os efeitos indiretos da política.
Em 1968 Gary Becker publicou o clássico "Crime and Punishment: An Economic Approach". Não tratou diretamente das drogas, mas formalizou uma teoria econômica do crime. Nela, os custos do sistema legal são parte necessária para pensar a dissuasão ótima de crimes.
Nixon colocou o combate às drogas como questão de segurança nacional nos EUA em 1971, dando início à "guerra às drogas". Um economista que já tinha posições contrárias à proibição de longa data começou a vir a público para expor os problemas. Ele mesmo: Milton Friedman.
Friedman tinha uma coluna influente na Newsweek. Em 1972, publicou um artigo apontando diversos problemas da ideia de criminalizar as drogas. Citou inclusive a experiência prévia da Era da Proibição. O argumento não era novo: os custos superam em muito os benefícios.
Com o artigo de Becker permitindo o uso da teoria econômica para explicar escolhas pelo ilícito, a influência de Friedman (orientador do Becker!) destacando a ineficiência de criminalizar as drogas, e a guerra às drogas crescendo, a literatura se expande muito de 1970 em diante.
Não há como cobrir todos os artigos que vem depois, mas deixo aqui algumas indicações recentes. A onda de estados dos EUA legalizando a maconha vem permitindo muitos estudos estimando o impacto sobre o consumo, saúde e crime. Por ex, queda de crimes: tandfonline.com/doi/abs/10.108…
Diminuição dos crimes relacionados à tráfico de drogas, principalmente próximos de locais onde os carteis são mais fortes, como regiões de fronteira: academic.oup.com/ej/article/129…
Efeitos da legalização recreacional sobre a alocação dos esforços da polícia. Por não ter que coibir esse tráfico, a polícia pode se dedicar a atender e dissuadir outros crimes mais violentos. Por ex, evidência de redução dos estupros:
sciencedirect.com/science/articl…
Por fim, evidências recentes de que o aumento esperado no consumo decorrente da legalização - principal argumento contrário a ela - poderia ser facilmente coibido por meio de um imposto sobre a droga legalizada: aeaweb.org/articles?id=10…
Muito da história que contei aqui pode ser encontrado no livro "The Economics of Prohibition", do economista Mark Thornton, também envolvido em pesquisas sobre o tema. Recomendo! O livro está disponível gratuitamente online em: researchgate.net/publication/29…
Correção importante: queria escrever que Friedman foi professor do Becker, não orientador. Desculpem o erro!
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