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Passou por mim há pouco um tuíte mostrando que o Bolsonaro e Witzel ganharam as eleições no Complexo do Alemão com ampla vantagem. O paradoxo é esse mesmo: o Complexo elegeu quem prometeu em campanha exterminar sua população.
Entender essa loucura envolve, primordialmente, entender que o voto dessas pessoas, em grande medida, foi sequestrado pela força política mais nociva que o Brasil já produziu em muitos anos: as igrejas neo-pentecostais.
Eu sou filho de uma família que tem pastores evangélicos nas duas gerações que me antecederam. Avô materno, pai e tios dos dois lados. Quase toda a minha vida, até os vinte anos de idade, foi dentro da Assembleia de Deus.
É uma coisa difícil e que eu preciso abordar frequentemente na psicanálise, mas é isso: o meio responsável por boa parte de todas as minhas referências de vida é o principal artífice da destruição do Brasil.
Wilson Witzel só é governador do Rio de Janeiro porque foi apoiado pelos bandidos que comandam as igrejas. Ninguém disse às pessoas do Complexo do Alemão que eles estavam conferindo mandato a alguém que pretendia cometer genocídio nas favelas atirando de helicóptero.
As pessoas votaram por outras razões, as quais fazem sentido dentro da vivência delas. Existe toda uma construção, baseada em interpretações literais da Bíblia, segundo a qual Deus levanta líderes políticos para reedificar a Nação a partir da restauração espiritual.
Consta que isso teria acontecido algumas vezes com Israel. Um rei pecava, adotava deuses estrangeiros, o país enfrentava crises (econômicas, hídricas, políticas), às vezes acontecia de ser subjugado por alguma potência.
A promessa era sempre que, quando um líder político conduzisse o povo de Israel para mais perto de Deus, a prosperidade do país seria consequência. E isso, a se levar em conta os relatos bíblicos, aconteceu algumas vezes.
Não acho que nos caiba questionar as crenças. Acho que nos cabe refletir quanto às razões pelas quais esse discurso é o que mais encontra ressonância nesses lugares. As respostas são várias e complexas, mas eu tenho minhas suspeitas.
Prefiro fugir daquela obviedade que fala da ausência do poder estatal nesses espaços. A uma porque o Estado se faz presente lá. Quase sempre pelo braço repressor, mas se faz presente.
No entanto, creio que não seja papel do estado, pelo menos no nosso modelo atual de sociedade, prover espaços de sociabilidade, de fazer político, de protagonismo, de realização pessoal. As pessoas encontram isso nas igrejas e não nos nossos espaços de construção política.
Em que pese haver, em toda igreja, um líder máximo cuja palavra é mandatória e que muitas vezes é encarada como a representação de Deus, existem também espaços de convivência e de sociabilidade horizontal onde as pessoas são protagonistas.
Conjuntos musicais para todas faixas etárias, espaços de convivência exclusivos para mulheres, protagonismo feminino em diversas instâncias. Cantar junto, viajar junto, comer junto (uma comida comprada com donativos que todos se esforçaram para conseguir).
Dá pra imaginar o grau de pertencimento, de sentimento coletivo, de importância da sua ação individual para o resultado final que isso tudo gera? Eu não preciso imaginar, sei por experiência.
Apesar de tudo isso, um fato se impõe: esse respaldo social que as igrejas construíram por meios até meritórios tem sido usado para colocar no poder verdadeiros assassinos, razão pela qual eu acredito que o poder político da igrejas TEM QUE SER COMBATIDO.
Justamente pelos fatores positivos todos que listei é que as igrejas são, como eu disse, a força política mais nociva que o Brasil já produziu em anos.
No entanto, o combate não pode passar pelo desmerecimento de todas as suas práticas. Muito menos pode ser exercido a partir de uma visão elitista e pretensamente superior segundo a qual quem está ali é um idiota lobotomizado e teleguiado pelos pastores.
É preciso entender, também, que é muito maior o número de pessoas que vai às igrejas buscando preencher o vazio existencial do que o vazio da barriga.
Não é pelo assistencialismo que as igrejas ganham a maioria das pessoas, é pela possibilidade de que pessoas, mesmo sem grana, mesmo "mal nascidas", exerçam um papel social de destaque em um mundo em que a elas só é permitida a subalternidade.
Ou seja: sim, é um sintoma do capitalismo. Sim, ele precisa ser combatido e ao final destruído. Mas que revolucionários somos nós que não conseguimos dar o mínimo de atenção e relevância à única classe capaz de conduzir a revolução?
Creio, portanto, que um caminho possível seja pela construção de laços de sociabilidade suficientemente fortes para que o nosso discurso tenha condições de competir com o discurso deles.
Além de ser altamente questionável, a tática de atacar ou menosprezar a fé alheia já tem se mostrado absolutamente ineficaz. De repente seja a hora de mudar, né.
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