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Recebi a foto. Não terá 1% da repercussão do Bar Luiz e nem um movimento dos cariocas para sua salvação, mas a QUITANDA ABRONHENSE, comércio simples, desde 1967 na gloriosa Rua do Matoso, na Tijuca, vai fechar. Imóvel à venda.

Um lugar tão genial que merece um longo fio.
A Quitanda Abronhense, como o nome diz, é - ou era pra ser - uma quitanda. Resistente comércio de bairro que vende de tudo, e onde todo mundo se conhece. Fora as compras do mês, dá pra beber um drink no balcão ou uma gelada com amigos como mostram as fotos de ontem e hoje.
Já fui lá pra comprar biscoitos, verduras, frutas, complementos da ceia, velas e produtos de limpeza. Passeando com Roberto, meu cão, sempre paro para uma água de coco (a mais gelada e barata da região: R$ 3,50) ou uma cerveja. O clima é esse. Vassouras e Louis Armstrong.
Antes de contar a história da Quitanda e mostrar o porquê de seu fim iminente, fotos que tirei por lá:

1) Roberto, que adora a sombra do balcão
2) O salão e um autêntico freezer do século XX
3) Dona Conceição e o 🥥 mais gelado da região
4) A conta cravada em R$ 100,00. À mão.
O bonitão nas fotos é um jovem Seu José, recém chegado de Portugal. Com 15 anos, começou a trabalhar na Quitanda Abronhosa, que ficava em Vila Isabel. O nome era homenagem à Abronhosa, cidade dos patrões, e também do seu José. Foi lá que ele aprendeu tudo.
Com 18 anos, em 1967, seu José juntou um dinheirinho e comprou um comércio próprio, na rua do Matoso. Gostava tanto dos patrões antigos que colocou o nome de Quitanda Abronhense. Depois, comprou a Casa Torres, concorrente ao lado, e expandiu a Quitanda, a maior loja da rua.
Repararam que algo aconteceu no olho do Seu José? Eu, elegantemente, nunca perguntei a razão de um leve estrabismo.

Mas achei uma foto os arquivos com ele de tampão no olho, junto com Dona Conceição grávida. Juntos, eles tocam a Quitanda há 50 anos.

Fofura pouca é bobagem 😍
E com amigos, vizinhos e funcionários (os dois atuais são os mesmos há 30 anos) a Quitanda Abronhense virou um ponto de referência na região da Praça da Bandeira. Qualidade, simpatia, amizade. A turma da rua faz altos fuzuês entre as prateleiras, e vira quase sala de casa.
Mas o mundo mudou. As grandes redes de supermercados começaram a dominar todas as regiões da cidade, minando, pouco a pouco, as chances dos pequenos comerciantes. A 100 metros da Quitanda (em verde), hoje, há um gigantesco Mundial. Um pouco mais perto, um Campeão.
Foi no meio dessa crise, em 2015, que conheci a Quitanda Abronhense através do mais genial episódio do "Butecos do Edu", no YouTube. @edugoldenberg e @leoboechat mostram a tristeza da crise do lugar e do Seu José, neste vídeo que é o ponto alto desta thread. Assista.
Pra além da genialidade do Edu ao comentar sobre o "ato político" de tomar um Campari com gelo na Quitanda ("e ainda tem que vá ao Astor"), o vídeo mostra o que venho tentando dizer. O link para o episódio completo, que engloba toda a região da Rua do Matoso tá no fim do fio.
A crise é braba e cruel. Muitas vezes, a Quitanda Abronhense até COMPRA produtos no Mundial para revender aos clientes, porque saía mais barato. Não sou eu quem digo, e sim o sincero SITE OFICIAL do estabelecimento, criado numa tentativa de se adequar aos novos tempos.
Por que comprar na Quitanda? Retiro outro trecho do fofo site:

"temos uma coisa que mercado nenhum tem ou vai ter (...) o bom e velho atendimento familiar onde tratamos todos os clientes como amigos, e realmente são, conhecemos quase todos pelos nomes (...) não tem preço"
A Quitanda Abronhense é familiar, como se vê nas fotos dos donos com seus filhos e netos.

Num último suspiro, o filho, Luiz, volta a trabalhar na Quitanda para modernizá-la. No site, também vai a explicação do enfarte da mãe "graças a Deus já se recuperou e está de volta".
Palmeira de mangue não dá na areia de Copacabana e a modernização da Quitanda Abronhense, como esperado, deu errado. Questão de vocação.

Eram três pontos principais para a nova fase.

1) Melhorar a imagem.
2) Achar um nicho de mercado
3) Presença na internet e redes sociais
Se a nova logomarca ficou legal, a reforma atrapalhou clientes por muito tempo. Melhorou um pouco espaço, mas o design de qualidade duvidosa já vista nesse fio nos prints do site chegou ao balcão, que ganhou uma horrorosa festa de LEDs. Eis o vídeo no aniversário do Seu José.
Procurando melhorar o rendimento, a Quitanda Abronhense passou a dividir local com uma estranha loja chamada CLEAN ABRONHENSE. Uma tentativa frustrada de competir por venda de produtos de limpeza para condomínios da região. Que seguiram comprando no Mundial.
Na prática, verduras e frutas perderam espaço na Quitanda, e o cheiro de cloro invadiu o balcão e as mesas. O site foi lançado para compras online e - dizem - nunca uma compra foi feita. A não ser por telefone ou pessoalmente, vocação da Abronhense. A CLEAN ABRONHENSE fracassou.
Para as redes sociais, veio o perfil do Instagram da Quitanda, que hoje tem portentosos 181 seguidores. E para que serve? Anunciar novidades como a Elma Chips ou a chegada da Stella Artois, ou da última novidade do mercado: açaí.
Pelo menos o Instagram da Quitanda serve para umas boas risadas entre uma compra e outra. Aqui, um ótimo erro do corretor, uma mensagem feminista e a vez que fui lá e pedi pra aparecer no perfil: "só cliente top".
Com o tempo, o perfil mostrou a melhor função. Divulgar o resultado da verdadeira rede social da Quitanda: as rifas das cestas comemorativas.

Assim soubemos, por exemplo, que o Tabajara, o Sr. Tubinho da Tinturaria e o Sr. Mancha Preta venceram. Sempre com o resultado do bicho.
Teve também o Sr. Ernandes, que ganhou tantas vezes que se fosse cliente do Guanabara e não da Quitanda ganhava até um carro (kkk). Leiam.
Outro sortudo é o Chico, funcionário da casa que não se faz de rogado: já levou a rifa três vezes. Ô sorte!

(e olha uma foto do Chico antiga aí, na época que Elma Chips era novidade)
Enfim, tudo estava muito engraçado até receber a foto com a notícia da venda da Quitanda Abronhense que abre esta enorme história. É mais um estabelecimento antigo, de família, que se vai, engolido pela modernidade, pelas grande marcas, pelo capital, pelo Rio de Janeiro.
Encerro com o vídeo da telemensagem que o Luiz, filho, deu para o pai de aniversário. Todas as festas da família são na loja há 50 anos. O que farão da vida depois do fim?

É de uma imensa simplicidade. E é simplicidade que a gente perde quando se fecha uma Quitanda.
PS 1 - O link para o vídeo completo de @edugoldenberg e @leoboechat no Botecos do Edu:

Vale a pena ver todos os episódios.
PS 2 - Ainda há tempo.

A Quitanda Abronhense fica na Rua do Matoso, 176. Quer fazer as compras do mês, comprar produtos de limpeza para seu condomínio, tomar uma cerveja ou um Campari com gelo? Abre de 7h até 19h de segunda a sexta. Fecha mais cedo sábado e domingo.
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