Contei na revista @RevistaEpoca sobre a 1ª Convenção Nacional da Terra Plana, na qual estive presente ontem, aqui em São Paulo, e falo abaixo um pouco mais do que tenho experimentado sobre o tema. Tem muita coisa curiosa para a qual precisamos ficar atentos. Segue o fio:
O evento foi realizado no Teatro Liberdade, na região central de São Paulo, e reuniu gente de vários estados. O auditório com capacidade para quase 500 lugares ficou quase cheio. A maior parte dos palestrantes eram conhecidos do público por meio do Youtube. 
Terraplanismo é a crença de que a Terra é uma pizza, onde a Antártida é a borda e o centro, o pólo norte. Para essa teoria fazer sentido, o movimento precisou trabalhar a ideia de que há uma conspiração global para esconder a "verdade" das pessoas. (Imagem: Superinteressante)
A tese da conspiração global é central para o terraplanismo. Governos, organizações internacionais, a mídia, a ONU, a Nasa, a maçonaria, o sistema todo teria trabalhado por décadas, séculos, milênios para difundir a ideia da "bola molhada giratória" e manipular as pessoas.
Uma das palestrantes do evento, Prisca Coco, disse que terraplanistas estão sendo perseguidos, presos, censurados e mortos pelo mundo por divulgar a "verdade". E mostrou no telão uma suposta reportagem de um terraplanista morto na Indonésia por tentar "questionar" o sistema.
Eles acreditam ter uma espécie de predestinação. "Você é um entre milhões que consegue visualizar o mundo como ele realmente é e você vê as pessoas sendo enganadas tão facilmente, mas elas não querem enxergar", disse o palestrante Siddhartha Chaibub, o "Professor Terra Plana".
Um pouco mais sobre a cosmologia da Terra plana: O sol e a lua seriam dois "luminares de mesmo tamanho" que percorrem a linha do Equador alternadamente, produzindo o dia e a noite, e as estrelas estariam fixas numa espécie de domo sobre a superfície terrestre.
Os terraplanistas não acreditam em espaço sideral, órbita solar, viagens à Lua, aquecimento global, evolucionismo, gravidade e outras leis da física. O que divulgam cientistas em geral seriam, segundo eles, fruto dessa conspiração global.
"Eu não vou dizer que todas as agências espaciais do mundo mentem. Eu vou é mostrar!", disse o palestrante Bruno Alves antes de mostrar no telão imagens de astronautas flutuando em estações espaciais que "estariam levitando por meio de cabos e técnicas usadas em Hollywood".
Muitos dos palestrantes se referiram a quem não acredita na Terra plana como "globistas" e um termo mais pejorativo, "globaloides". Eles usam referências da cultura pop como Matrix e O Show de Truman, filme de 1998 no qual o protagonista vive numa realidade simulada.
Houve muitas citações bíblicas para explicar a Terra plana, tratadas no mesmo nível de provas científicas. "Como os criacionistas que ainda acreditam na Terra esférica explicam o dilúvio? A bola encheu de água? Não tem como", disse um palestrante.
Outro disse: "Dizem que o Sol tem 1 milhão de vezes o tamanho da Terra, mas é apenas uma especulação sem fundamento. Quando você olha para o Sol, você vê que é um luminar pequeno, do mesmo tamanho da Lua". Zero rigor científico.
No evento de ontem, foi curioso descobrir que existiam muitos como eu, infiltrados para entender melhor o terraplanismo. Eram estudantes, sociólogos, cientistas políticos, jornalistas e até mesmo um astrofísico brasileiro que trabalha para a Nasa, Joe Roseman. Conversei com ele:
"Eu vim aqui pq sou astrofísico e tenho preocupação com o tipo de conhecimento que está sendo transmitido. Não pq achamos que eles estejam errados, mas p/ vc provar uma teoria vc deve apresentar modelos e cálculos, td com a epistemologia demandada por qualquer acadêmico", disse.+
"Eu sou pesquisador há 35 anos. Quando alguém questiona uma agência espacial para a qual eu presto serviço, ele está questionando a minha integridade. A Nasa é o que ela é porque os cientistas que trabalham lá dão o respeito que ela tem".
Uma opinião interessante e pertinente foi da Marília Bueno, mestranda em sociologia da UFRGS que tbm estava presente: "Acho que temos que levar a sério e acompanhar de perto o que está sendo discutido nesses meios. Pode parecer inofensivo, mas pode representar algo mais grave".
Enquanto eles se sentem ridicularizados pela mídia, família e amigos, como muitos palestrantes da FlatCon disseram no palco, o movimento vai crescendo. Tem um documentário muito legal na Netflix sobre o terraplanismo nos EUA: netflix.com/br/title/81015…
E já existem outras correntes do terraplanismo. Eu contei em agosto, na revista @RevistaEpoca, a existência de uma vila no interior do Mato Grosso do Sul onde todos os seus habitantes acreditam que a Terra seja "convexa" (é o termo que eles usam).
epoca.globo.com/brasil/zigurat…
epoca.globo.com/brasil/zigurat…
A comunidade se chama Zigurats, foi erguida por uma empresa chamada Dákila Pesquisas na última década e quase toda a sua população (cerca de 100 pessoas, salvo engano) diz ter contato com seres extradimensionais, como o ET Bilu. (isso não é brincadeira, eu passei dois dias lá)
As casas em Zigurats são todas assim (parecem as casas de Dragon Ball), com abóbodas redondas. Eles rejeitam o consumismo, separam lixo orgânico para compostagem, lixo reciclável para a coleta seletiva, reutilizam a água, usam painéis solares e conversam com o ET Bilu.
Bem, voltando à FlatCon. Nós da imprensa precisamos ter o cuidado para não ridicularizá-los, tampouco dar palco para pseudociência. Já que temos de cobri-los (não podemos mais ignorar), temos o dever de dar espaço para cientistas explicarem as falhas da Terra plana.
Joe Roseman veio ao Brasil só p/ conversar com os terraplanistas da FlatCon. Considero seu esforço louvável. A academia precisa fazer como Joe: descer do salto e conversar com as pessoas. Caso contrário, continuaremos falando de Terra plana, mas desta vez em cadernos de política
