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Como eu falei no meu TEDx, hoje vim falar sobre violência doméstica. Quando você terminar de ler essa thread, de acordo com dados do Datafolha de 2017, pelo menos 150 mulheres terão sido agredidas no Brasil. Sabemos que isso acontece, o que a gente não sabe é como isso começa.
ATENÇÃO, se você passou recentemente por algum caso de violência doméstica, relacionamento abusivo ou tóxico essa thread pode ser um gatilho forte, então se for ler, leia em casa, ou com alguém pra estar com você depois, eu mesma toda vez que leio meu próprio TEDx passo mal.
Me chamo Dora Figueiredo tenho 25 anos, nasci em São Paulo em uma família de classe média, tenho uma mãe maravilhosa que me criou para ser uma mulher independente, falo sobre empoderamento feminino no YouTube já faz anos, e nada disso me impediu de sofrer violência doméstica.
Vivia com medo de deixar os talheres desalinhados depois de comer, pq ele controlava o jeito que eu comia, entrei em processo de anorexia, pq ele falava que estava gorda quando tinha essa aparência aqui
Cheguei a achar que apanhar durante o sexo, por mais que eu não gostasse, era o certo a se fazer pois ele precisava se desestressar do trabalho.
Perdi o contato com muitos amigos e com meus familiares, pois ele me proibia de falar com eles sobre o nosso relacionamento
tinha tanto medo de falar qualquer coisa que fosse deixar ele bravo, que evitava de ver até a minha mãe, passei a sair só quando necessário, e mesmo assim quando eu acabava saindo de casa por qualquer motivo que não trabalho ou academia
no outro dia ele arranjava algum outro motivo pra brigar comigo até que eu passasse mal de ansiedade.
Vocês devem estar pensando, como que eu deixei isso acontecer, porque eu não sai no primeiro sinal de abuso?
E aí que está o problema, se nem eu que tive a criação que tive
Mas o meu relacionamento não começou assim, no início ele era ótimo, tudo que eu imaginava que um homem precisava ser, sincero, carinhoso, e tinha uma imagem impecável. Nem em 1 milhão de anos eu imaginaria o que estava por acontecer na minha vida. Depois isso começou a mudar
ele me afastou da realidade, a partir daí ele foi criticando e mudando tudo que fazia eu ser eu mesma, meu tom de voz, a forma que eu falava com meus amigos, tudo em mim era errado.
Em algum nível eu sofri todos os tipos de violência doméstica que a Lei Maria da Penha abrange
moral, psicológica, patrimonial, física, sexual. Mas algumas delas de uma forma tão subjetiva que eu demorei muito tempo pra perceber, de fato eu só comecei a entender o que eu vivi meses depois que esse pesadelo acabou. E algumas só percebi depois que lancei meu vídeo relato.
Violência moral e psicológica: ele falava pra mim que eu era a mulher mais fraca que ele já tinha conhecido, que eu nunca iria melhorar da depressão, que eu era completamente substituível e que já estava procurando outra mulher que não estivesse o tempo todo doente.
Uma vez ele me falou que me odiava e só estava comigo porque gostava da minha cachorra, tinha preguiça de mudar a vida dele, e que tinha medo de eu expor ele na internet. Inclusive depois que ele falou essa última frase eu comecei a chorar, por motivos óbvios né?
Falou que era impossível de falar comigo pois qqr coisinha que ele falasse eu chorava, pra justificar o fato de ele quase nao se dirigir a palavra a mim nessa época se não fosse para brigar comigo. Sofria sessões de tortura psicológica por motivos completamente desproporcionais.
Acontecia assim: depois de algum comportamento que ele achasse impróprio, ele me chamava pra conversar, nesse momento eu já sabia o que ia acontecer, ele não iria ouvir o meu primeiro pedido de desculpas, iria inventar tantos outros motivos pra brigar comigo durante a conversa,
que no meio da discussão eu já não sabia mais o motivo da briga e como me defender, n sabia mais o que era real, e duvidava de mim mesma, o gaslighting.
A tortura só acabava quando ele me deixava tão mal mas tão mal que eu tinha uma crise de ansiedade e desabava completamente.
Depois que isso acontecia ele parava, mas a culpa ainda era minha, eu estava tendo uma crise de ansiedade por causa dele, mas ao mesmo tempo ele me culpava pela crise, e principalmente me culpava por ele me tratar daquele jeito.
E enquanto ele me tratava assim e proibia de falar sobre o nosso relacionamento, ele falava pra todos a nossa volta, até minha mãe, que eu era o problema na relação, isso se enquadra na violência moral.
Uma vez eu tive coragem de questionar as atitudes violentas dele, depois de ouvir um amigo, a resposta que eu tive foi: "as pessoas não entendem a minha forma de pensar porque eu sou um SER HUMANO MUITO EVOLUÍDO, com uma ALMA MUITO ANTIGA, então não adianta você falar pros outros
Violência patrimonial: ele fez com que eu gastasse todo meu dinheiro para manter uma vida de luxo que eu claramente não conseguiria manter, quando questionado ele falava: "Se você não quer viver assim vai voltar a viver com a sua mãe".
Quando surpreendentemente eu consegui juntar um dinheiro ele falou que eu não podia ter esse dinheiro comigo, usando uma dívida da minha família como desculpa, chegou a falar que eu não precisava ter aquele dinheiro guardado pois ele era rico e estaria sempre ali.
Nesse momento eu acreditei que ele tinha mudado, agora sabia que estávamos em um relacionamento juntos e que a gente iria se ajudar sabe? Fiquei muito feliz, parecia um sonho!
Depois de estar sem nenhuma reserva no próximo mês eu precisei dele pra poder pagar o aluguel, e foi aí que ele começou a me humilhar diariamente falando coisas do tipo “do que adianta você ter algum sucesso no seu trabalho se você não consegue nem pagar aluguel”.
Nesse momento ele já tinha a minha dependência emocional e financeira.
Violência física e sexual: Eu sempre ouvi que ser uma mulher boa de cama era satisfazer a outra pessoa, e como nesse momento eu já não tinha mais amigos, família, independência,
eu precisava segurar aquele homem de qualquer maneira. Já estava tão fragilizada, e tão cega, que não percebi o que estava acontecendo. Durante o sexo ele me batia, eu chorava escondido, porque quando ele percebia que eu estava chorando ou que não estava gostando ele ficava bravo
ele não ficava preocupado, ele ficava bravo, e ficava semanas sem querer transar, ouvi dele que ele precisava bater em mim para se desestressar do trabalho, cheguei a ver fotos da suas ex namoradas roxas e ouvir:“quando você for minha de verdade você vai deixar eu te bater assim”
Eu achava que aquilo era só um fetiche, eu achava até que eu gostava, mas passava semanas roxa sem saber como esconder as marcas, morria de vergonha, deixava de ir em viagens de família por medo de que eles vissem, ele chegou a me falar
"hoje eu vou te bater tanto que você vai ter vergonha de colocar um biquíni e ir na praia".

Eu apenas aceitava aquela vida e seguia em frente. Não conseguia refletir sobre nada, estava longe de todo mundo que podia me alertar.
Essas foram as formas que acontecem comigo, mas pra cada uma pode ser diferente, na psicológica ele pode te chamar de feia, inútil, na moral ele pode inventar mentiras sobre você para sua família, na patrimonial ele pode jogar o seu celular no chão, ou te impedir de trabalhar
na sexual ele pode proibir você de usar anticoncepcional ou forçar um aborto, na física ele pode te empurrar, te beliscar, te dar tapas, e você não precisa esperar todos os tipos de violência acontecem, qualquer uma delas já enquadra na Lei Maria da Penha.
Pra entender o que eu passei eu precisei entender não só a minha história, mas a história de todas as mulheres.
Nós crescemos vendo os contos de fadas e os filmes de Hollywood, onde um príncipe vai nos salvar de todo o mal, novelas onde a história de uma personagem mulher
só estava completa quando ela casava e tinha filhos, eu também queria esse final feliz pra mim. A mulher foi e é ainda tratada como alguém inferior que precisa de um homem para sobreviver. Hoje eu sei que a submissão feminina não é algo natural e que podemos mudar essa realidade
Segundo o antropólogo Lewis Henry Morgan em seu livro A sociedade Antiga já houve um tempo onde a mulher era deusa, e que por iluminação divina tinha filhos e dava continuidade à nossa existência, eu me sentia qualquer coisa nesse relacionamento menos uma deusa.
Com o tempo os homens acumularam bens com suas conquistas nas guerras, e ao entenderem seu papel na procriação, começaram a aprisionar as mulheres, impondo à elas a monogamia pois precisavam ter certeza da paternidade para passar esses bens pros seus filhos homens.
A ilusão de que ter um homem do meu lado era fundamental me fez querer estar ali no primeiro momento, mas não foi só o medo de ficar sozinha que me manteve lá, o que me segurou nesse relacionamento assustador é o que a psicóloga Leonore E. Walker chamou de ciclo do abuso.
Nesse momento você já perdeu toda sua identidade e tudo que você faz pode ser o motivo para a próxima briga. Uma escolha de palavras, uma saída com os amigos, uma roupa, a partir daí uma discussão desproporcional começa acontecer, começam os xingamentos, o abuso psicológico
e possivelmente uma agressão física. Depois do ápice da violência seja ela qual for, ele se diz arrependido, pede desculpa. Depois o abusador se torna um príncipe, te dá presentes, te chama pra sair.
Não se engane, vai piorar, os tapas são mais fortes, até chegar no feminicídio
Cada relacionamento abusivo é diferente, não existe fórmula para identificar um, mas dentro de um relacionamento abusivo só existe uma vítima, porque todos nós podemos ter comportamentos abusivos, até a própria vítima pode reproduzir um comportamento em resposta.
Mas no final de um relacionamento abusivo quem sai completamente sem personalidade, sem forças, e dependente emocionalmente do outro é a vítima.
E como afinal eu consegui sair desse pesadelo?
Segundo o psicólogo especialista em relacionamentos abusivos Iñaki Piñuel o abusador na maioria das vezes só vai terminar quando você não lhe servir de nada e ainda vai esperar o pior momento o possível pra isso.
segundo ele não queria uma mulher doente do seu lado, então ele me deu o ultimato de que se eu não melhorasse em 30 dias ele iria terminar. No terceiro dia a única pessoa que podia me ajudar teve um problema pessoal grave, o que me fez ficar sem chão, aí então que ele terminou.
Na noite seguinte, tive crises de ansiedade em série, entrei em desespero e liguei pro meu pai que é médico pedindo pra ele me internar, ele já tinha usado questões religiosas antes pra me culpar pela minha depressão, porém nesse dia quando meus pais vieram me ajudar,
ao chegarem na minha casa o meu ex abusivo sentou frente a frente com eles e por 1 hora e tentou convencê-los de que eu tinha acabado de ser POSSUÍDA por um DEMÔNIO e que ele tinha me exorcizado. Esse é o nível de lavagem cerebral
eu cresci numa família ateia, e ele me convenceu que eu estava possuída pelo demônio. Meus pais e ninguém em volta de mim acreditou, mas eu acreditei CEGAMENTE. Minha mãe me tirou de casa e proibiu que ele mantivesse contato comigo e morou comigo por um mês.
Nunca sofri tanto na minha vida, parecia realmente que a minha vida tinha acabado, por meses cheguei a acreditar que eu tinha sido possuída por um demônio, e que aquele cara eu o amor da minha vida e eu tinha perdido ele pra sempre. Até hoje tenho pesadelos com ele
sofro com algumas consequências do abuso psicológico, e eu juro que não sei se vou voltar algum dia a ser eu mesma, mas desde que eu consegui contar pelo que eu passei na internet, eu quero ajudar outras pessoas a saírem de relacionamentos abusivos, por isso criei a #MeuExAbusivo
Mesmo após o meu vídeo de relato, eu ainda duvidava de mim de vez em quando. Minhas dúvidas só acabaram definitivamente quando ouvi histórias de outras mulheres que tinham se relacionado com o meu ex, inclusive uma que na época era menor de idade, ele 27 e ela 15 anos.
e que passou pelo mesmo que eu passei quando estava no COLÉGIO, naquele momento tive certeza que eu não estava louca, eu tinha tido um relacionamento abusivo assim como elas, e que o meu ex era um manipulador, narcisista, perverso e abusivo.
Eu só saí desse relacionamento pois tive a sorte de ele terminar a relação e ter meus pais pra me arrancar daquela situação e proibir o meu ex de falar comigo. Muitas mulheres não tem essa sorte e acabam morrendo na mão dessas pessoas.
Quem percebe os abusos precisa intervir para ajudar, não basta avisar, não adianta falar, precisamos dar o apoio que essa pessoa só enxerga no abusador. Principalmente quando sabemos que há violência física, hoje já podemos denunciar, chamar a polícia, meter a colher sim!
E é por isso que eu vim aqui, para que as meninas de hoje, assim como a minha Irmã de 9 anos Cecília não passem pelo que eu passei, para que as mulheres parem de morrer por simplesmente serem mulheres.
Eu tenho a coragem de falar o que eu passei pois sei que só falando sobre esse assunto eu poderia me curar a ajudar outras mulheres a se curarem também. Eu sei que eu tenho o privilégio de poder falar, coisa que a esmagadora maioria não tem, principalmente as mulheres negras.
Então eu não vou me calar, eu não tenho mais medo dele e nós mulheres não aceitaremos nenhuma a menos!

Pronto. Pelo menos 150 mulheres foram agredidas no Brasil, e o que você está fazendo pra impedir isso?

Conte a sua história usando a #MeuExAbusivo
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