Quando protestos anti-Dilma despontaram, críticos denunciaram a presença de grupos pró-intervenção militar sugerindo que a tolerância com eles mostrava descaso com a democracia ou evidenciava o autoritarismo dos manifestantes. O argumento vale também para a esquerda? (segue)
A antiga condescendência da esquerda com o estalinismo e outras formas de totalitarismo está se tornando apoio aberto. Assassinatos políticos, torturas, perseguição a dissidentes e supressão de liberdades estão sendo tranquilamente discutidas em certos meios. (2)
Primeiro veio a difusão do sinistro meme "Stálin matou foi pouco"; em seguida, a negação das perseguições, assassinatos e torturas na Venezuela, sob alegação de propaganda imperialista. (3)
Mais recentemente, uma revista de esquerda publicou no número de estréia um artigo revisionista sobre o estalinismo; em polêmica na Folha, um intelectual de esquerda defendeu a "restrição à liberdade" em Cuba; ontem, um parlamentar do PSOL homenageou Kim Jong-un. (4)
Felizmente lideranças do PSOL condenaram a bizarra homenagem de Brizola Neto e intelectuais ligados ao trotskismo criticaram a publicação do artigo revisionista na Jacobin. Mas o silêncio de muitos e o assentimento aberto de alguns é mau sinal para a esquerda. (5)
A crítica do autoritarismo da esquerda tem longa história de marginalização. Começa com a denúncia solitária de trostkistas e dissidentes como Ciliga nos anos 1930-40 e só amadurece com a denúncia dos crimes de Stálin e a publicação da obra de Sojelnitsin nos anos 1950-60. (6)
Na América Latina campos de concentração para homossexuais, perseguição a dissidentes e suspensão das liberdades civis em Cuba foram negados, minimizados ou tolerados – justificados pelo sucesso das políticas sociais e pela necessidade de resistir à agressão imperialista. (7)
A crítica não é tolerada: primeiro, não se permite estabelecer fatos acusando as denúncias de fabricações do inimigo. Quando estabelecidos, são justificados como necessidade histórica para proteger a revolução. Críticos são desacreditados com argumentos ad hominem. (8)
Num cenário polarizado como o nosso, a crítica só faz sentido se é autocrítica. Para os adversários, ela não funciona como correção – ao contrário, serve de encorajamento.
