Inútil tentar persuadir pela argumentação racional
Siga o fio.
Siga o fio.
Chegamos a uma configuração particular da rede (não estou falando das mídias) em que não é mais possível produzir esclarecimento ou esperar entendimento de muitos. Falando-se indistintamente, para um interlocutor genérico, não haverá esclarecimento. Nem haverá entendimento.
Os pressupostos do Iluminismo e do método científico que, supunha-se, davam a base para a democracia liberal moderna, estão derruídos na medida em que os fatos não são mais relevantes e sim as narrativas baseadas em ficções, fake news, contra-fatos, pós-verdades.
A verdade (a correspondência entre a explicação e a realidade) tornou-se uma hipótese desnecessária diante do ultra-relativismo das versões. Nestas circunstâncias você só pode realmente conversar (dar voltas juntos), se fazer entender pelo outro e entendê-lo, em pequenos grupos.
Uma variedade de sociedades fechadas - com suas próprias lógicas e critérios de validação - surgiu dentro da sociedade aberta. Nem os tribunais epistemológicos montados pelas corporações meritocráticas (como a universidade) conseguem mais ser acatados, sequer ouvidos.
Para se fazer entender nesses submundos insulados é necessário reproduzir seus mesmos códigos, em geral não-científicos, quando não anticientíficos. Ocorre nos tempos que correm algo semelhante ao que, diz-se, aconteceu na Idade Média europeia.
Uma nova idade do obscurantismo parece estar se instalando: Dark Age Ahead, como escolheu Jane Jacobs (2004) para título de um de seus últimos livros.
A cena do debate público, palco da argumentação discursiva e da ação comunicativa que suportavam as visões procedimentalistas da democracia, se pulverizou em miríades de esferas privadas: Arendt e Habermas, certamente, não esperavam por isso.
Esse estilhaçamento do mundo único seria mesmo inevitável diante da emergência da sociedade-em-rede. Mas o que não sabíamos é que esse processo seria, pelo menos temporariamente, tão tenebroso.
