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Como tenho 2.000 seguidores novos, segue uma melhora no fio sobre a China capitalista, com dados. Algumas figuras estão em inglês pq são para um novo livro que estou escrevendo. Primeiro: todo o emprego NOVO na China é via empresas privadas há mais de 30 anos. (1/n)
Em normas sociais, assim como economia, a China está convergindo com o resto do mundo. As taxas de divórcio saíram de quase 0 há 40 anos para mais de um terço de todos os casamentos! (2/n)
Mas decisões sobre criação dos filhos não são exclusividade das mulheres. E a diferença entre educação entre gêneros já desapareceu para novas gerações. Homens sao ativos na educacao dos filhos, bem mais que no Brasil. (3/n)
Embora o crescimento esteja desacelerando, as pessoas sentem que a vida está melhorando (esse indicador é o de felicidade, auto-reportado, do World Happiness Report). No Brasil, vemos o contrário, já que a crise + extrema direita nos deixam pessimistas. (4/n)
Mas a desigualdade na China é muito maior que em outras economias do Leste Asiático, mas não taxa de pobreza (a maior é no Japão!). Parte disso é natural no desenvolvimento do país (Kuznets Curve) mas há problemas estruturais. (5/n)
O grau de poupança do país ainda é um dos mais altos do mundo, em grande parte porque não há rede de segurança social (aqui é capitalista; não tem dinheiro, dane-se). (6/n)
À medida que a população envelhece, a participação no mercado de trabalho cai, embora ainda seja uma das maiores do mundo. (7/n)
Pra comparação, no Brasil a participação das mulheres é pouco mais de 50%, enquanto na China é de mais de 60%. Figura abaixo é para o Brasil, onde a participação feminina vem aumentando, mas ainda é baixa. (8/n)
A China está se tornando uma economia voltada para serviços, como em qualquer país pós-industrial. O setor de serviços (tertiary) já é o que mais emprega, de longe. (9/n)
Mas o mais importante é que a economia é dinâmica. Aqui na China as coisas mudam de verdade (pro bem e pro mal). Abaixo os dados do Doing Business (100 é o melhor país do mundo). O Brasil fica parado em tudo, a China não. (10/n)
Isso dá uma ideia de como a sociedade chinesa tem evoluído. Desigualdade é uma grande barreira. Oportunidades para pessoas bem educadas também. Mas as coisas melhoram. Diferente do Brasil. E as pessoas tem sim voz, diferentemente do que muitos acham. Como? (11/11)
Protestos! Tem gente que acha que não existem protestos no país. Errado. Todo dia há mais de 1.000 protestos pelo país. A pressão popular é constante. Mas os protestos são contra os burocratas locais. Aqui em Shanghai acontece tb. (12/n)
Protestos recentes em Shanghai foram de residentes contra remodelagem de área no centro (Laoximen) e uma nova planta industrial química. Mas, de novo, são centenas no país todo dia, desde que não contra o governo central. (13/n) scmp.com/news/china/soc…
Uma característica importante na China é que chineses podem ser migrantes ilegais no seu próprio país. O registro de um cidadão está associado de forma quase permanente à região onde nasceu, através de um sistema chamado hukou. Pq o hukou importa? (14/n)
thediplomat.com/2017/02/chinas…
Os direitos de cada cidadão estão intrinsicamente ligados ao hukou, urbano ou rural. Acesso aos serviços públicos depende da região de nascimento. Como Xangai e Beijing são mais ricos, com melhores escolas e hospitais, esse sistema cria de fato várias classes sociais. (15/n)
Os governos regionais chineses usam o sistema hukou para regular entrada de migrantes. Em épocas de crescimento econômico, o sistema é relaxado. Quando autoridades locais consideram que o número de recém-chegados é muito grande, começa a fazer valer a lei, temporariamente. (16/n)
Por último, por hj, a população chinesa está envelhecendo muito. Essa é a pirâmide etária atual (sabe o buraco no meio? Em parte são os milhões não nascidos pelos adultos que morreram na grande fome). (17/n)
(Ignore a historia de que eh o ultimo por hj, tem muito mais vindo abaixo). Em 20 anos, o total de chineses será o mesmo, mas todo mundo mais velho. Isso tem grande impacto econômico, social e cultural. (18/n)
Ficou curioso com o Brasil? Aqui ainda temos algum bônus demográfico. (19/n)
Mas nosso bônus demográfco não vai durar para sempre. (20/n)
Voltando pra China. Aqui tem protesto, migrante ilegal e população envelhecendo. Como o país vai resolver tudo isso? Depois analisaremos isso. Vamos para normas sociais (21/n)
Primeiro - o chinês é diferente? Não. Somos todos homo sapiens. Há diferenças grandes entre culturas, mas nada fundamentalmente diferente. A maioria quer relacionamento (mesmo sexo ou não), ter bom emprego etc. Dito isso, algumas diferenças. (22/n)
Aqui mesmo altos executivos são razoavelmente humildes. Afinal, quarenta anos atrás estava todo mundo na merda. A arrogância vem mais de ter vivido em cidade grandes vs campo. Mas, mesmo assim, não é forte. Mas outra coisa é: (23/n)
Na China, o comum é o 9-9-6. Trabalha-se de 9 da manhã às 9 da noite (sem hora extra), 6 dias por semana. Nem todo mundo trabalha tanto, mas é bem comum. E a piada é que executivo de alto escalão é 0-0-7: de meia-noite à meia-noite, 7 dias por semana. Pq isso? (24/n)
Sempre tem alguém querendo seu lugar. Competição é o nome do jogo. Vale em todas as esferas, públicas tb. Aqui escolas competem entre si (classificação melhor significa mais verba) e políticos tb (o de Shanghai fez um porto enorme pra roubar negócios do vizinho, Ningbo). (25/n)
Essa competição tem uma origem em comum. O exame imperial, que vigorou por mais de mil anos, até 1905, mas que hoje ainda continua sob outras formas. Nesse exame, aberto a todos, quem passava virava burocrata do estado. Ascenção social garantida. (26/n)
As pessoas internalizaram, nesse mais de mil anos, a necessidade de estudo como forma de sair da pobreza. Ou seja, se não estudar, vai ralar no campo (ou num trabalho ruim na cidade). Os pais só se preocupam com escolas e tarefas e extras. Mas é massacrante tb. (27/n)
Vou dar um exemplo. Na NYU Shanghai, temos, por acordo com o governo chinês: metade dos alunos chineses e metade estrangeiros. Pra um chinês entrar, o 1º corte é a nota do gaokao (ENEM deles). Tem que estar no 1º percentil. Em 2019, 10 milhões tentaram o gaokao (28/n)
Se o aluno não está entre os melhores 100.000 da China inteira, nem pode ir pra segunda fase aqui. Não preciso dizer que os alunos que tenho aqui são feras. É o único lugar que já dei aula que alguns alunos me pedem MAIS exercício para se preparar pra provas (29/n)
O sistema é massacrante mas funciona. As cidades grandes da China tem as melhores notas no PISA, um ranking mundial de educação. Mas a desigualdade é imensa. Escolas no interior são bem mais fracas. Um aluno da roça tem que se matar. Exemplo: (30/n)
O último protesto em Beijing foi de pais que não concordavam com as mudanças nas regras do gaokao. Hoje, um aluno de Beijing tem que estar no 1º percentil pra entrar nas melhores escolas do país (Tsinghua e PKU). Mas, se vier do interior, 0,38%! Top do top ou nao entra! (31/n)
Ou seja, o alunx no interior tem um corte mais difícil com menos recursos! Há uma grande desigualdade. O governo tentou melhorar isso, as pessoas foram às ruas pra impedir. Um amigo em Shanghai está revoltado pq isso tb vale para escolas do ensino médio e fundamental. (32/n)
Antes, bastava a filha dele ter uma nota absurdamente alta num exame municipal e ele poderia botar ela na melhor escola do bairro dele. Mas a competição é tão grande que agora há uma loteria. Ela tem que ter notão E ser sorteada. Mais revolta. (33/n)
Muitos pais não gostam disso, é verdade (em algumas escolas, os professores passam dever de casa pros pais, pra explicarem para os filhos). Tem gente que manda pra escola internacional ou pro exterior. Ainda assim, botam as crianças pra ralar. (34/n)
Sobre competição no setor público. Como um partidão pode selecionar os “melhores” quadros quando são milhares de gestores, de subprefeituras a governadores estaduais? Resposta: competição! Todo gestor público tem metas claras. (35/n)
Crescimento, emprego, algumas metas de meio ambiente e, importante, “harmonia social”. O prefeito da cidade X que quer subir na carreira tem que entregar crescimento e cuidar de protestos SEM VIOLÊNCIA! É assim que se sobe na carreira. (36/n)
Pro político, o ideal é conseguir isso tudo enquanto leva (muito) por fora. Nesse caso, se sobe na carreira e se fica rico como bom gestor público. (37/n)
Por isso, aqui há muita inovação no setor público. É um prefeito querendo roubar mercado do outro ou trazer multinacionais (ou estatais) pra sua região. A NYU Shanghai foi convidada pelo governo de Shanghai e a subprefeitura de Pudong. (38/n)
Ou seja, não fomos convidados pelo governo chinês, mas sim por um governo local que quer transformar Shanghai numa cidade global, oferencendo para chineses um ensino de qualidade mundial sem que o aluno precise sair da China (na foto eu e alguns alunos) (39/n).
E é nesse ponto a grande diferença entre gestão pública no Brasil e na China. Aqui, a resposta padrão para tudo é sim. O MEC daqui deixa tudo acontecer. Se der problema, vai e acerta ou fecha. Mas pode tentar. No Brasil, a resposta padrão é não. (40/n)
Mais um assunto: um dos casos mais interessantes sobre a China dos últimos anos: quando o sistema cambial foi atacado pelas empresas estatais chinesas. E o governo cedeu. É isso mesmo: as estatais chinesas especularam contra o governo federal chinês e ganharam! (41/n)
Pra entender isso, um prêambulo. A China tinha um câmbio totalmente fixo, desvalorizado, até 2005. A partir de então, deixou a moeda apreciar ao longo dos anos. Isso significa que exportadores se davam bem e importadores, não. (42/n)
A figura abaixo traz a taxa de câmbio do país, de 2000 até hoje. O câmbio se valoriza até 2008, fica estável durante a crise financeira, volta a se valorizar e depois o padrão muda. O ataque especulativo acontece em 2015-16. (43/n)
A figura abaixo traz as reservas chinesas, também de 2000 até hoje. O país chega a cumular US$4 trilhões. 4! Trilhões! De dólares! Mas nem esse montante impede o ataque especulativo! Como ele acontece a seguir (44/n)
Com o câmbio artificialmente desvalorizado, entra mais moeda estrangeira do que sai. É assim que a China cria suas reservas (o Brasil tb criou reservas na mesma época, comprando dólares para impedir a valorização do real) (45/n)
Mas diferente do Brasil, na China havia controles de capitais. Não era permitida livre saída (e entrada) de moeda estrangeira do (e no) país. Só que em 2013 a China começa a “internacionalizar” o yuan. Pra isso, relaxa esses controles (46/n)
Em 2015 o cenário muda. Há um medo generalizado que a economia chinesa iria desacelerar. Chegou a ser perto de um pânico. Então, os chineses que podiam começaram a tirar dinheiro do país. Até aí, tudo bem. Só que quem que realmente podia fazer isso? (47/n)
As estatais! Os presidentes de empresa começaram a ver que podiam tirar dinheiro da China comprando empresas fora do país. A estratégia era simples. Tirar $ da China, esperar o governo desvalorizar a moeda, e trazer o $ de volta. (48/n)
E as empresas começaram a copiar as outras. Todo mundo começou a tirar dinheiro do país. No pico do ataque especulativo, saíam U$100 bi por mês do país. Os U$ 4 trilhões viraram U$3 trilhões em um ano. POR MÊS! Abaixo o gráfico das reservas de novo. (49/n)
Em agosto de 2016 o governo cedeu. Deixou o câmbio desvalorizar e apertou os controles cambiais. Nada mais de farra para as estatais. Quem tirou dinheiro, tirou, quem não tirou, não tira mais (facilmente). (50/n)
Desde então o sistema cambial chinês é semi-flexível. O goveno não intervem comprando ou vendendo moeda estrangeira em grandes quantidades. Há algum controle para não haver volatilidade excessiva, mas é isso. (51/n)
O que o governo chinês aprendeu? Que não dá pra ter tudo. E que U$4 trilhões, por mais dinheiro que possa parecer, não é capaz de impedir um ataque especulativo como o de 2015-16. (52/n)
Pra resumir: na China, competição é o que move a sociedade, seja na economia, na educação ou no setor público. Até o próximo fio sobre China. Depois escrevo mais sobre o país, incluindo até diferenças de roupas (tem gente que sai na rua de pijama em Shanghai e tudo bem!) (Fim)
Um super fio sobre a China. Peço humildemente que se divulguem se gostarem. Afinal, a rede de vcs é maior (com razão, vcs são demais): @_pinheira @tatiroque @MonicaWaldvogel @MiriamLeitaoCom @goescarlos @lauraabcarvalho @pfnery @NPTO @marcelo_meds @lmonasterio @winniebueno
Aqui o grafico com cores.
O grafico com cores.
Grafico com cores. Desculpem!
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