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Procurando autores chineses traduzidos no Brasil, me deparei com algo que chamo até agora de "dilema de Sun Tzu".

Você provavelmente já viu esse livro para vender e, talvez, até mesmo tenha lido a obra de Sun Tzu, "A arte da guerra".
Mas por que um general e filósofo taoísta teve sua obra traduzida em tantas línguas e acabou chegando no Brasil?

Bem, eu mesmo li o Sun Tzu quando tinha uns 17 anos - e não entendi quase nada. Mas o livro tinha prefácio do escritor australiano, James Clavell.
Clavell ficou famoso em especial pelo seu best-seller, "Shogun" (ou Xogun), um romance histórico sobre um marinheiro inglês capturado por japoneses em 1600 e que é puro suco de orientalismo.

(e mais, dialoga com a experiência dele, prisioneiro de guerra de japoneses na 2ª GM)
Mas voltando a Sun Tzu, o prefácio já anunciava o foco do livro. Mas não era só curiosidade orientalista que tornava "Arte da guerra" um best-seller no Brasil também. Em 1987, um filme chamado "Wall Street" mostrou corretores da bolsa de NY citando o livro várias vezes.
O sucesso do filme deve ter ajudado a alavancar as vendas do livro de Sun Tzu e ele começou a ser vendido como uma espécie de "manual" de investidores financeiros.

(na imagem é só um exemplo, há dezenas desses livros no mercado editorial brasileiro)
Mas quando que Sun Tzu chegou no "Ocidente"?

Bem, em uma das contracapas do livro nas edições brasileiras, há a informação de que Napoleão Bonaparte leu a obra de Sun Tzu. Então a gente poderia partir de 1798, da campanha francesa no Egito, certo?
O problema é que aparentemente biógrafos do Napo nunca encontraram essa referência. Mas se sabe que o livro foi traduzido em francês pela primeira vez em 1772, então seria possível que o general tivesse lido. O seu tradutor foi um missionário jesuíta chamado Joseph-Marie Amiot.
Amiot desenvolveu um dos primeiros dicionários franco-chinês conhecidos e desenvolveu uma obra de 12 volumes sobre a vida de Confucio. Mas o creme mesmo foi a tradução de "Arte da guerra", cuja edição acompanha uma série de ilustrações sobre a vida militar Qing.
Apesar do sucesso inicial, a obra cai no esquecimento. O verbete da Wikipedia em francês inclusive atribui o retorno do êxito do livro à tradução em inglês do sinólogo Lionel Giles, em 1910. Essa foi a terceira a tradução do livro (anteriores em 1905 e 1908).
Considerada a tradução mais apurada, Giles largava com uma vantagem e tanto: seu pai era Herbert Giles, diplomata inglês na China entre 1867 e 1892 e o primeiro sinólogo de Cambridge, que desenvolveu um método específico de tradução do inglês para o chinês.
Mas é difícil saber até que ponto o livro de Sun Tzu foi, de fato, um sucesso (aliás, se alguém conhecer um artigo sobre as muitas recepções do livro, me indique). De fato, tudo indica que o livro ganhou um alcance global.

Uma em especial: a do camarada Mao.
Em 1937, Mao escreveu um panfleto chamado "Sobre a guerra de guerrilha". O Depto de Estado americano traduziu o livro por meio de um capitão chamado Samuel Griffith já em 1940. E no prefácio daquela edição, Griffith anunciava a influência de Sun Tzu em Mao.
O problema é que no livro, Mao não cita Sun Tzu nenhuma vez. As influências que Griffith cita são menos óbvias - e talvez por isso, em 1963, Griffith lançou uma nova tradução de Sun Tzu e inseriu, na edição mesma, o panfleto de Mao de 1937.
Nessa nova edição, Griffith fez um texto de apresentação em especial mostrando paráfrases de Sun Tzu nos textos de Mao. Mas citação direta mesmo, ele só encontrou num panfleto de 1936 chamado "Problemas de estratégia na guerra revolucionária chinesa".
Há três citações diretas apenas, mas são relevantes (marxists.org/reference/arch…), sem dúvida. Mas ao contrário do que Griffith sugere, é pouco provável que Sun Tzu fosse central ao pensamento de Mao.

E por que isso é importante?
Porque isso indica que apesar de toda a influência do maoísmo em escala global (ver o livro de Julia Lovell sobre o tema), dificilmente Sun Tzu recebeu maiores atenções antes de 1987, quando o filme de Oliver Stone trouxe o general chinês de volta à baila.
Faltaria um bom estudo genealógico da tradução de Sun Tzu no Brasil - eu chutaria inclusive que não temos tradução direto do chinês, já que ainda hoje é muito comum as traduções aqui serem derivadas do inglês, do francês e do espanhol.
Não temos muitos livros de autores chineses no mercado editorial brasileiro...e desconfio que há pouquíssimos tradutores habilitados inseridos em editoras de grande porte. Logo, chama atenção o fato de Sun Tzu ser um dos autores chineses mais vendidos no país.
Enfim, é um fio mais leve para fim de semana e bom para gerar algumas reflexões - eu espero.

O bebê não nasceu, manhã em casa esperando encanador, retomando leituras atrasadas...deu nisso, né?
Espero que seja um protótipo de roteiro para uma história intelectual e global sobre orientalismo e sinologia, sobre como a gente se aproxima da China (no Brasil, mas no mundo também).

Ou talvez não seja tão interessante assim. Mas hoje é sexta, dia de evitar treta. :)
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