Thread by @lftofoli

Dois medicamentos psiquiátricos estão cada vez mais difíceis de serem encontrados nas farmácias brasileiras: carbonato de lítio e imipramina. A razão? São baratos.

É preciso cobrar as autoridades quanto a isso.

Siga o cordel aí para entender o que está acontecendo.

O lítio é um elemento químico famoso por fazer parte de baterias de celulares e carros elétricos, por ser o primeiro elemento na família dos metais alcalinos na tabela periódica ("Lina, Karina, Roberto e César foram para a França", lembra?)...

... e também por ser, em inglês, o título de uma excelente música do Nirvana, hehe.

Mas falando sério, na forma de carbonato de lítio, a substância é um remédio utilizado, principalmente, para o tratamento de primeira linha para o transtorno afetivo bipolar (TAB).

Suas propriedades antimaníacas (controlando os surtos de aceleração) e antidepressivas começaram a ser descobertas nos anos 1940. Embora várias outras moléculas com ação no TAB já tenham sido descobertas, o lítio ainda tem um papel fundamental no tratamento deste transtorno.

Além de ser o tratamento com maior chance de reduzir o risco de suicídio em portadores de TAB, ainda se trata de um medicamento de primeira linha.

pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30173059-assoc…

A imipramina também é uma molécula antiga. Está entre os primeiros antidepressivos descobertos: faz parte da classe dos tricíclicos. Seu primeiro (mas não único) nome de comercialização é Tofranil. Embora seu uso tenha sido superado em frequência por antidepressivos mais novos...

...a imipramina ainda é uma substância relevante no tratamento da depressão e em vários outros transtornos psiquiátricos e neurológicos.

A percepção clínica é que para alguns tipos de depressão mais graves a imipramina e outros tricíclicos seriam opções viáveis e importantes.

Uma das principais razões para o lítio e a imipramina terem grande importância na saúde pública tem a ver tanto com a sua idade avançada quanto com o seu recente desaparecimento nas farmácias: ELES SÃO MUITO BARATOS.

bbc.com/news/business-…

Por isso, e pelo modelo no qual funciona a produção e distribuição de medicamentos no Brasil e na maior parte do mundo, gerido por empresas particulares, tais moléculas são muito pouco interessantes como investimento: dão um retorno muito baixo. Não é interessante produzi-las.

A maior parte do dinheiro que uma Big Pharma ganha com um medicamento é no período de exclusividade entre a liberação do seu uso e a autorização da produção de genéricos. Neste modelo de negócios, esse período de ouro é o que mais interessa.

Em um momento de crise como este em que vivemos, são moléculas baratas e de baixa margem de lucro que são as primeiras a serem 'desinvestidas'.

Como os fabricantes não têm compromisso absoluto com a saúde pública, não existe nada que as possa obrigar a continuar a produzir.

Resta então ao governo tomar alguma atitude.

Uma delas seria produzir, através de plantas farmacêuticas estatais (como a Farmanguinhos, da @Fiocruz) estes medicamentos baratos e pouco interessantes ao capitalismo farmacêutico. Outra seria incentivar a produção destas moléculas.

De qualquer forma, trata-se de uma questão dessas demanda regulação do Estado. Todas essas moléculas estão envelhecendo. Muitas delas - e não só as psiquiátricas - irão se tornar pouco atraentes para um modelo de produção de remédios baseado no lucro. O que faremos no futuro?

Não me considero um revolucionário (alguns dos amigos mais à esquerda me chamariam de esquerdista reformista), mas há muito tempo considero que é absolutamente OBSCENO que o processo de produção de moléculas para tratar a saúde humana regulado principalmente pelo LUCRO.

A coisa está tão feia que até a Associação Brasileira de Psiquiatria - de cuja atual gestão eu sou opositor - resolveu se manifestar, pedindo resposta da autoridades - e curiosamente cobrando a ANVISA, que, a meu ver, é a menor das responsáveis por este imbroglio em particular.

A @anvisa_oficial libera registros de medicamentos sob solicitação das farmacêuticas. Ela não tem poder algum de 'forçar' a produção de imipramina e carbonato de lítio. Temos de cobrar respostas do poder público como um todo, especialmente o @minsaude:
saude.gov.br/saude-de-a-z/o…

Nessa hora é sempre bom lembrar aos entusiastas do ultraliberalismo que NÃO, não é possível deixar às custas da 'Mão Invisível do Mercado' a regulação de dispositivos dos quais dependam a saúde das pessoas.

Quando isso acontece de forma absoluta, DÁ RUIM.

Só para concluir, alerto que estes remédios não vão funcionar para todo mundo e sim, causam efeitos colaterais. O ponto aqui não é considerar que são 'os melhores', mas sim que são opções disponíveis, que funcionam para algumas pessoas, e NÃO podem simplesmente desaparecer.

Dito isso, vale ainda dizer que isto é um cordel de Twitter. Não irá esgotar o tema - e nem tem essa pretensão. Se você quer espichar a discussão em alguma das direções possíveis, fique à vontade para comentar e criticar (desde que usando de um mínimo de educação, por favor).

ADENDO IMPORTANTE

Estes 'desaparecimentos' não são necessariamente definitivos. Há notícia de que a produção do lítio será normalizada. Isso não invalida o ponto sobre a relação entre as farmacêuticas e os seus 'filhos pobres', os remédios baratos, e a necessidade de regulação.

De qualquer forma, trata-se de uma questão *que demanda regulação do Estado.

(desculpem a nossa falha)

Outro errinho: “dispositivos dos quais dependam a saúde *e *a *vida das pessoas”.

MAIS UM ADENDO

Pelas respostas, notei que há lugares no Brasil onde não há falta destes medicamentos. Pânico, nessa hora, não é legal, pois se as pessoas agora correrem para fazer estoque, certamente os medicamentos irão faltar. Antes disso é melhor consultar seu farmacêutico/a.