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Se não me engano, o ano era 2014. Eu ainda era considerado professor universitário. Fui designado para palestrar junto a uma celebridade midiática local para o CDL de um município pequeno, porém, próspero, cuja economia girava em torno de pequenas e médias indústrias calçadistas.
A região é a do Vale do Rio dos Sinos, próxima à Grande Porto Alegre, no RS. Culturalmente, a maioria de seus habitantes é muito simples, trabalhadora, objetiva e ultraconservadora, com profundo medo e desconfiança de quem venha de fora (sobretudo se tiver a pele mais escura).
A maioria das pessoas se conhece. Quase todos são católicos. O espírito de solidariedade comunitária se faz bastante presente no cotidiano, onde se preza muito a privacidade. Trata-se de uma região de descendentes de alemães como maioria.
Foi no início do 2º semestre de 2014. Havia 600 empresários da região para nos ouvir. Eu e o rapaz da mídia tínhamos experiências diferentes e cada um trouxe seu olhar sobre Comunicação Digital: automação, futuro do trabalho, ciborguização, como seria o negócio deles no futuro.
Não houve nenhuma controvérsia e o clima não era ruim. Mas tratava-se de um público de poucos sorrisos, poucos abraços e bastante observador, que pagou para nossos empregadores de então para estarmos ali. Não se tratava de entretenimento.
Ao introduzir a nossa fala, o presidente do CDL local manifestava crença e preocupação no JN, no Valor, na Folha, no Roda Viva e - principalmente - nos grandes empresários cujas palestras assistia como um pequeno coadjuvante na... FIERGS. Esse era seu conjunto de referências.
Pensem nessa rede: o hub (os maiores nós, os que conectam-se a nos menores em todos os seus diversos graus de separação) é neoliberal. Por ele, não pagaria impostos e pagaria sempre o mínimo possível à maioria de seus operários.
Os CDLs de cidades médias e pequenas dependem da circulação de bens materiais em troca de dinheiro. Já os cabeças da FIERGS são rentistas: a sua alta indústria virou commodity. Mas uma commodity que lhes rende por tabela. Não é mais seu negócio principal.
Os pequenos absorvem a crença macroeconômica que rege o lucro dos cabeças. Aspiram ser como os cabeças. No entanto, como formadores de opinião e como fomentadores das economias locais, dependem do micro, ainda que eventualmente forneçam aos grandes.
Seu micro satélite próspero, pacífico e organizado deve-se à circulação entre muitos micros e ao semifechamento em si de uma comunidade extremamente homogênea.
Pinga muita riqueza de fora. Porém, é relativamente mais fácil criar consensos em cima de crenças cristalizadas quando a maioria das relações sociais muito raramente escapa do formato que essa comunidade entende como norma.
Contudo, seus formadores de opinião são formados, informados e deformados por quem mais lhes usa do que lhes beneficia: o ambiente macro.
Em meio a esse paradoxo entre o macro e o micro, a normalidade é sair à rua e ser produtivo. A anormalidade é fechar as torneiras da troca, da Comunicação, dos afetos, do trabalho, do estudo, do lazer e do dinheiro.
Quando a maioria é doutrinada pedagogicamente nas escolas, nas empresas e pela mídia sob a doutrina neoliberal, tudo o que não for neoliberal se torna vil, nefasto, inimigo.
Em desespero devido à ruptura da normalidade, o imediatismo da falta de dinheiro e de sociabilidade torna aceitável fugir da quarentena a curto prazo ao invés de aumentar muito a chance de sobreviver a longo prazo: o Coiso materializa o desejo a curto prazo. Então, o seguem.
O perigo maior está na ignorância, no desespero e na impulsividade: isso gera um “salve-se quem puder” às avessas como se fosse uma solução racional.
Portanto, as carreatas previstas para pressionar prefeitos que - muito prudentemente - optaram pela vida primeiro e pela busca por recursos depois (porque morto não pode trabalhar nem resolver problemas), vão definir o tamanho do genocídio brasileiro.
Não tenho indícios para concordar que a falta de apoio de governadores e de prefeitos de grandes cidades enfraqueça o Coiso, pois ele é muito bem aceito pelos pequenos.
Enquanto muitos ainda creem na Comunicação de Massa como forma preponderante de informar e de levar a maioria das pessoas à reflexão, a realidade contemporânea nos prova que o poder das redes de conexões próximas (laços fortes) influencia os conhecidos mais próximos por afinidade
O Coiso vincula a massa e a rede com uma eficiência discursiva que ainda supera o discurso da técnica e da razão.
Não são as cúpulas militar, industrial, macropolítica ou midiática que irão derrubar o Coiso: são os interesses de metrópole-colônia dos EUA sobre o Brasil e dos grandes bancos. Enquanto eles não forem contrariados, ele não cai.
Ele dá muitos bilhões aos bancos pra que eles tenham capital de giro pra aplicar em seus próprios investimentos, uma miséria de renda mínima emergencial que não atingirá a todos e, lá na frente, os bancos vão ganhar com empréstimos para esses pequenos.
O grande exportador ainda conta com ajuda do BNDES e sua fortuna não é taxada.
A proposta de impeachment do @psol50 é estapafúrdia, pois baseia-se apenas na impressão racional contra as atrocidades do Coiso. Porém, ele está na mente do pequeno, que pensa aquilo que ele diz. 35% da população aprova suas medidas contra o trabalhador e contra a liberdade.
Com o impeachment, assume Mourão, um general. Não cai o neoliberalismo e aumenta a repressão com o impeachment.
Aliás, não vivemos mais em uma democracia plena: nem no sentido burguês, nem no sentido liberal. Ela é de fachada. Depois do Coiso, SE HOUVER ELEIÇÃO, vem Huck, Doria, etc. o neoliberalismo será mantido!
O Brasil é uma colônia fornecedora de commodities para os EUA.
A matriz pedagógica brasileira desde a pré-escola precisa deixar de alimentar o neoliberalismo. Sem essa base de sustentação prático-teorética comunitária, o micro permanecerá acreditando nos interesses do macro contra si, em uma potente Síndrome de Estocolmo.
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