1/n. Esperando que seja um fio útil para o debate. Só há três formas de financiar as ações do Estado: moeda (custo: inflação), dívida (custo: juros) e tributo (custo: peso morto). As saídas têm de ser apresentadas com transparência à sociedade. Não vale contabilidade criativa.
2/n. Todos acham importante ter um programa de renda - a complementar os existentes - para minimizar a precariedade gerada pela crise econômica derivada da covid-19. Mas, antes de tudo, qual o público-alvo e quais os critérios de elegibilidade?
3/n. Qual o custo e como financiar? Das 3 saídas, dados a dívida alta (e não vale dizer que a Selic está baixa, pois o custo médio da dívida caiu, mas segue bem > q a Selic) e a expansão monetária já promovida com a baixa dos juros, resta cortar gastos e/ou elevar receitas.
4/n. Mas ainda há no caminho o teto de gastos, uma regra constitucional (EC 95/2016) que fixa limite para o gasto baseado na inflação acumulada em 12 meses até o meio do ano. No PLOA, R$ 1,486 trilhão de teto e o mesmíssimo valor para as despesas sujeitas ao teto. Margem zero.
5/n. Aumentar receitas, no contexto do teto, não resolveria, mas volto a este ponto. Cortar gastos atenderia ao objetivo de compensar a nova despesa social e à regra constitucional do teto. Mas, cortar em quê? Há tempo para organizar cortes para o próximo ano?
6/n. As despesas primárias sujeitas ao teto são as que mostro na tabela abaixo, extraída da apresentação do PLOA 2021 (pessoal é líquida do FCDF).
7/n. Sugeri, a título de contribuição pessoal ao debate, corte em gastos de pessoal, que poderiam ser vistos c/ solução temporária p/ a travessia. O @Vinicius_L_A fez ponderações importantes. Ainda assim, cabe mencionar que há uma PEC em discussão. Poderia resolver vários pontos.
8/n. Há recomposição de cargos prevista no PLOA de 2021. Há também reajustes para militares. Além disso, aumentos p/ funcionários de estatais derivados de dissídios/acordos. A LC173 segurará, em parte, a despesa, mas o gasto de pessoal crescerá 4,5% em relação ao PLOA de 2020.
9/n. Outro gasto importante é o subsídio creditício. Na tabela que mostrei acima, está previsto em R$ 14 bilhões. Alta de R$ 3 bilhões em relação a 2019. Não dá para discutir esses gastos? Não seria útil revê-los, ainda que temporariamente, vá lá?
10/n. A redução de jornada, que poderia ser p/ todos os Poderes, seguindo a PEC do pacto federativo, traria economia importante, a depender da abrangência. Espaços abertos no Judiciário poderiam ser usados pelo Executivo? No regramento atual, não, mas estamos tratando de PEC.
11/n. O combate ao extra teto remuneratório é outra fonte para ajustes. Está previsto o combate aos chamados penduricalhos na PEC da Reforma Administrativa e em outros PLs. A discussão poderia ser trazida para o seio do debate sobre o financiamento do renda cidadã.
12/n. Seriam medidas emergenciais. Não resolveriam o problema em definitivo. Contudo, estudo recente do IPEA mostra o peso da contenção de reajustes salariais. Efeito seria permanente. Para além disso, segue o fio, temos de ter uma discussão de fundo s/ o financiamento do Estado.
13/n. É essencial apresentar cortes efetivos de gastos. Para o médio e longo prazo, o desafio é mais complexo. Depois de um período de contenção mais dura de gastos e gatilhos acionados, as regras fiscais poderiam ser reavaliadas dentro de uma reforma fiscal ampla.
14/n. A partir de avaliação sistemática de todos os programas e políticas públicas, fixar um programa de revisão de gastos, mas que seja "binding", não apenas indicativo. Aumentos de receitas poderão complementar a tarefa de contenção da despesa, que seguirá sendo tarefa central.
15/n. O teto de gastos prevê, no art 108 do ADCT, que a regra pode ser revista no 10º ano de vigência. Com inflação baixa (como ninguém previa em 2016), o teto ficou mais próximo do rompimento mais cedo. Uma revisão do indexador, antes de 2026, portanto, poderia ser discutida.
16/n. Como se vê, há uma questão de ordem nas coisas. Rever o teto já não é necessário e pode prejudicar o debate salutar sobre o ajuste fiscal. Não nos enganemos, a despesa cresceu muito no período de 2004 a 2011 e, agora, sem crescimento econômico, o peso disso fica evidente.
17/n. Outras saídas estão sendo debatidas, tanto p/ o financiamento do renda cidadã como p/ o equilíbrio fiscal de médio prazo, incluindo propostas que dão maior peso à alta de impostos. Acho todas legítimas e é fundamental que se possa fazer o bom debate (e não interditá-lo).

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4 Jun
1/10. Fio sobre indicadores de dívida pública. Há alguns conceitos de dívida relevantes: Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) - conceito Bacen e conceito FMI; Dívida Líquida do Setor Público (DLSP); Dívida Bruta ex-Reservas Internacionais; e Dívida Fiscal Líquida (DFL).
2/10. A DBGG calculada pelo Bacen contempla todos os passivos do Governo Geral, excluindo Banco Central. A única rubrica do Bacen que entra no cálculo são as Operações Compromissadas (OCs). Essas operações c/ títulos públicos servem c/ principal instrumento de política monetária.
3/10. A DBGG do FMI contempla a carteira de títulos do BC, não só OCs. Lê-se no rodapé do "Fiscal Monitor"/FMI: "Gross debt refers to the nonfinancial public sector, excluding Eletrobras and Petrobras, and includes sovereign debt held on the balance sheet of the central bank".
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31 May
1/20. Segue um fio sobre tópicos importantes do relacionamento entre Tesouro e Banco Central (ou, no fim das contas, como funcionam as tais operações compromissadas?)
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23 May
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2/25. A dívida/PIB mostra a razão entre o passivo do governo e o produto interno. É o quanto o financiamento do Estado representa da renda produzida pelo país. Se essa razão cresce, os compradores de títulos públicos "precificam" o risco e cobram mais juros para entrar na dança.
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15 Apr
1/18. PIB, Primário e Dívida. Um longo fio sobre o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de abril/@IFIBrasil. Comento os principais números e análises. A íntegra está disponível aqui - www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream….
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16 Mar
1. É plenamente possível conciliar as regras fiscais vigentes às necessárias ações de combate à crise do coronavírus. Os mais ricos têm acesso aos melhores médicos e hospitais, mas os mais pobres estão vulneráveis e precisam de atenção especial do Estado.
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