Retorno à análise das crises petistas abertas pelos Fernandos. No fio de hoje (mais cedo), detalhei o "novo acordo interno" forjado por Fernando Pimentel que redundou num imenso fracasso. Agora, analisarei os erros de outro Fernando, o Haddad. Este, quebrou as pernas do PT SP.
1) Fernando Haddad era uma aposta de renovação, algo extremamente necessário ao PT. Jovem, perfil classe média branca intelectualizada, contido, estilo britânico, não muito afeto às periferias, como o outro Fernando, próximo de uma agenda gerencialista-empresarial.
2) No MEC, desmontou toda tradição de proposta pedagógica progressista do país que envolve gente como Paulo Freire e Anísio Teixeira. Ao contrário, propôs a adoção das avaliações externas, refutadas por uma de suas criadoras, Diane Ravicht.
3) A esquerda moderada brasileira decidiu bater palmas para a nacionalização do ENEM, o FIES, o PROUNI, como atesta o banner que ilustra este meu comentário. O problema é que não se trataram de iniciativas progressistas. Vou detalhar um pouco este tema.
4) Há uma divisão clássica entre formas de avaliação pedagógica: a classificatória e a formativa. A classificatória se denomina assim em virtude da classificação a partir de um padrão ideal. A nota tem relação com a distância que o aluno estaria do ideal.
5) Já a avaliação formativa tem relação com o processo errático e complexo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Como atestou Henri Wallon, o desenvolvimento cognitivo na infância não se dá de maneira linear, mas vive idas e vindas constantes.
6) Haddad apostou na avaliação classificatória com o IDEB. Mesmo com o ENEM, que nasceu das teorias de Howard Gardner pelas mãos do fantástico matemático da USP Nilson José Machado, para se tornar universal, o ministro petista cedeu e o desfigurou. nilsonjosemachado.net/sementes-5-ene…
7) Mesmo o FIES e a compra de vagas de faculdades e universidades privadas pelo Estado se aproximaram de uma situação muito próxima de uma espécie de Parceria Público Privado da educação. FIES se tornou capital de giro para aquisições de grupos de capital aberto.
8) Eu presenciei como grupos econômicos se lançaram na captura de FIES que, tornando-se capital de giro, propiciavam compras e compras de faculdades isoladas do interior do país. A máquina de fazer dinheiro rodava.
9) Para se ter uma ideia do peso do FIES na capitalização dos gigantes da educação privada, na Kroton e na Estácio, os valores provenientes do fundo corresponderam a 41% e 40% das receitas líquidas de R $ 1,29 milhões e de R $ 722,3 milhões do primeiro trimestre de 2015.
10) Haddad não ficou por aí. No final de sua gestão no MEC, tentou emplacar uma loucura sem pé nem cabeça: o aumento do número de dias letivos em nosso país. A Folha pediu que eu elaborasse um artigo que reproduzo aqui: www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz…
11) E, a partir daí, Haddad parte para as eleições na capital paulista. Até meados de setembro de 2012, Haddad amargava um quarto lugar, quando Lula decide entrar em campo e negociar acordos com movimentos sociais e lideranças da igreja progressista.
13) Os acordos, como já relatei por inúmeras vezes, não foram cumpridos, como a indicação de alguns subprefeitos em plenárias populares realizadas em algumas regiões periféricas da capital paulista. Acompanhei a plenária de Ermelino Matarazzo, que definiu o nome de Luis França
14) Haddad governou para a juventude e classe média. Nada a criticar. Mas, na medida em que 6 milhões de paulistanos residem nas periferias leste e sul da metrópole, era de se esperar que o troco viria na eleição seguinte. E veio: não se saiu bem na zona leste.
15) Mesmo assim, derrotado na tentativa de reeleição, Haddad continuou prestigiado por uma direção partidária que não conseguiu construir alternativas, muito menos populares. O que explica a força de Boulos e Erundina neste momento: o PT SP facilitou as coisas para o PSOL. (FIM)

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4 Nov
Em meio à tensão que vivo neste acompanhamento da apuração dos votos nos EUA, decidi fazer um fio atemporal sobre como os Fernandos desmontaram a imagem do PT em São Paulo e Belo Horizonte. Que fique claro: torço pelo PT e é por este motivo que alerto para os erros. Segue o fio
1) Fernando Pimentel ingressou na prefeitura de Belo Horizonte para se opor ao modo petista de governar e, consequentemente, parte considerável dos programas de Patrus Ananias. Logo de início, ficou famoso o seminário que planejou esta reviravolta.
2) Pimentel tinha como mote a transformação de BH em cidade global. Conceito nascido nas projeções utópicas empresarias da década de 1990, significa aglomerações urbanas que funcionam como centros de influência internacional, casos de Nova York, Tóquio, Roma, Paris, Londres...
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3 Nov
Ontem, ouvi de um amigo que chegou a um alto cargo num dos principais bancos privados do Brasil como o assédio moral diário é uma rotina de bancário, seja lá qual posto assumir. Fiquei com a impressão que os sindicatos de bancários pegam leve demais. (Segue o fio)
1) Este meu amigo relatou que ao dirigir um banco, supervisores regionais ligam diariamente pressionando por metas que, muitas vezes, já cumpriram: uma, duas, três, quatro vezes ao dia.
Não adianta o bancário retrucar dizendo que já cumpriu.
2) Se os bancos de uma região não cumpriram suas metas, a sua agência é pressionada a compensar a venda de "produtos", como títulos de capitalização (que ele sustenta que é uma loteria em que o cliente é levado a jogar sem qualquer certeza de resultado)
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2 Nov
Bom dia. Farei um pequeno fio sobre minha fala na live da Coletiva, a candidatura da médica Sônia Lansky à Câmara Municipal de Belo Horizonte em que 9 lideranças sociais se apresentam como co-vereadores dela. Falei sobre a "nova sociedade" que necessita de uma "nova política".
1) Sobre a nova sociedade: a marca prática da nova sociedade é a provisoriedade. Aquele compromisso social e a fidelidade política do século XX para com alguma organização vem decaindo rapidamente. Agora, o avatar propicia múltiplas personalidades, dúvidas e mudanças de rumo
2) Hoje é possível deslizar na opinião a respeito de qualquer coisa podendo aceitar um argumento no grupo de whatsapp e discordar do mesmo argumento em outro. E ninguém o cobrará pela incoerência. Na ação social, temos a substituição de movimentos sociais por mobilizações sociais
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31 Oct
Prometi, ontem, postar comentários sobre o levantamento que minha equipe fez das pesquisas de intenção de voto em capitais e cidades-polo do Nordeste, Sudeste e Sul do país. Vou postar agora. Segue o fio.
1) Primeiro, algumas advertências. Fizemos um levantamento em virtude do acesso a pesquisas de intenção de votos. A seleção de cidades-polo, portanto, não segue um critério político, mas de acesso aos dados. Em segundo lugar, não se trata de vaticínio, mas de leitura de dados
2) Comecemos pelas capitais do Nordeste. As pesquisas não indicam uma região exatamente marcada pelo voto progressista. E também não indicam uma relação com o cenário nacional ou até mesmo com o governo estadual de plantão. Image
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22 Oct
Prometi um fio sobre os como os eleitores brasileiros expressam grande desencanto com a política e o Brasil e uma possível revisão em relação à aposta na renovação política. Lá vai.
1) Nas eleições municipais passadas e na eleição de 2018, houve consenso entre analistas políticos que o eleitorado brasileiro se inclinava para a renovação radical como fator decisivo para seu voto. Daí a eleição de candidatos do Partido Novo e do PSL.
2) Conduto, uma análise mais criteriosa e apurada da renovação real na Câmara de Deputados indicava um índice muito baixo. A despeito da imprensa divulgar um percentual de renovação superior a 45%, minha equipe chegou a um índice muito menor: 17%
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20 Oct
Bom dia. Hoje, vou retomar uma tese que defende há tempos: o fim do Senado no Brasil. São muitos países que possuem sistema unicameral. Segue o fio
1) Comecemos pelos países que possuem estrutura unicameral: China, Portugal, Suécia, Finlândia, Islândia, Dinamarca, Israel, Estônia, Croácia, Cuba, Venezuela, Peru, Equador, Angola, Líbano, Grécia, Guatemala, Honduras, Turquia, Sérvia, Hungria, Coreia do Sul, Ucrânia ....
2) No sistema bicameral tupiniquim, o Senado, em especial, possui uma lógica neopatrimonialista, tal como sugere Simon Schwartzman: a existência de uma racionalidade de tipo técnica onde o papel do contrato social e da legalidade jurídica seja mínimo ou inexistente. Image
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